Por Mario Sales FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Lembro-me que há quase 4 décadas atrás, quando fui iniciado na Rosacruz AMORC, a idéia de ter alguém se materializando em meu ambiente de reflexão e me dando aulas particulares já me parecia impressionante, fantástica.
Misticismo para mim, na época, eram os efeitos práticos dos meus estudos. Era isso que a propaganda da Ordem na época propunha e eu acreditava que um acontecimento fenomenal como tornar-se discípulo pessoal de um mestre cósmico era o o mais importante resultado que gostaria de conseguir em minha afiliação.
De lá pra cá muita coisa aconteceu comigo e com o mundo, fora estes 38 anos que se passaram como um vento numa tarde quente, que bate no rosto, refresca-nos por segundos, e se vai, e como nada tivesse acontecido, e fui aos poucos me esquecendo deste primeiro objetivo, envolvido na consecução de outros objetivos, mais próximos de minha realidade, mais próximos de meu cotidiano.
A imagem, no entanto, permaneceu. E em uma palestra há alguns anos atrás, falando sobre a virtude da serenidade, cheguei a usar a expressão de que “a serenidade é o sinal daqueles que estão investidos do título de mestres, em outras ordens, mas no rosacrucianismo é o sinal do Discípulo”.
Discípulo é o título mais elevado que um rosacruz almeja, em sua caminhada, sua senda.
Mas com que objetivo?
Que espera aquele que se torna finalmente discípulo destes homens chamados mestres? Algum tipo de poder mágico incomensurável? A libertação de todas as suas aflições mundanas? A vida eterna ou pelo menos mais longa em um mesmo corpo, afim de ter tempo de aprofundar sua cultura e aperfeiçoar seu caráter, na carne?
Tudo que sei sobre os Mestres desmente essas expectativas.
Vejo, enfadado, o nome de um nobre Mestre ser propagado de forma quase leviana, todos os dias.
Não posso fazer nada, embora me indigne, mas não afasto a possibilidade de que isto esteja acontecendo por vontade deste mesmo Mestre, numa das formas mais comuns de influenciar a sociedade com a sugestão mental sutil a alguns indivíduos cuidadosamente escolhidos para servirem de multiplicadores de sua mensagem.
Só que apresentar-se ao mundo, para um Mestre Cósmico, não é em si, nada de espetacular. Não transforma ninguém que se sentir intuitivamente atraído por sua face e vibração, num iluminado.
As doenças do mundo continuarão.
As doenças no próprio discípulo pessoal deste Mestre não deixarão de acontecer. Os problemas pessoais, como comentei antes, também seguirão seu curso normal.
Os mais ingênuos dirão, decepcionados: “Então de que vale o contato pessoal com esses seres iluminados? De que me vale uma sabedoria que não restituirá a saúde de meu filho, ou a prosperidade aos meus negócios, ou mesmo a felicidade a minha casa? Terá este contato a única finalidade de me trazer comentários sobre a inevitabilidade da minha dor e das minhas limitações como ser humano? Se assim for, tal contato não me interessa.”
É interessante como todos nós, seres humanos, temos uma tendência irresistível para quantificar todas as coisas na tentativa de lhes dar um valor compreensível.
Fazemos a mesma coisa com a relação com os Mestres Cósmicos. Tentamos calcular o que vamos lucrar materialmente, ou no campo financeiro, ou no campo da saúde física, ou ainda no campo da felicidade material, bem entendida, de nossa própria família. Não deixa de ser uma forma de escambo, de troca, ou de invocação do gênio , que se manifesta após esfregarmos a lâmpada, e vem nos atender 3 ou mais pedidos de acordo com nossa ambição. Para os tolos, nós não vamos aos mestres. Eles vem até nós. E para nos servir. Seria cômico se não fosse trágico. Ignorância, apenas, pura ignorância.
E isto é normal. Não há pecado em sermos atrasados em nossa compreensão psicológica e espiritual.
Todas as almas em evolução, todas as sociedades em todas as partes do Universo, galgaram degraus sucessivos na busca da evolução.
E é assim que as coisas são. É preciso tempo para superarmos nossa própria ignorância e só aos poucos conseguiremos isto. Precisamos desesperadamente de tempo para melhorar; precisamos envelhecer.
Um filósofo brasileiro recentemente comentou que os seres humanos não envelhecem por que o que envelhece é o que nasce pronto. Geladeiras, carros e televisores envelhecem. Nascem prontos e vão envelhecendo pouco a pouco. Seres humanos não são coisas, não nascem prontos. Nós homens e mulheres, como é fácil entender, somos um processo ininterrupto de aperfeiçoamento; portanto, quanto mais velhos, melhores vamos nos tornando, mais aperfeiçoados mental e espiritualmente ficamos, somos mais capazes de nos perdoar e de perdoar nossos erros de juventude, quanto mais compreender outras pessoas que erraram como nós.
Compreendemos que nem nós, nem outros, podem saber tudo, acertar sempre, em todas as fases de nossas vidas.
O erro e a morte são as únicas certezas. Aliás, não as únicas. A própria incerteza é uma certeza: sempre teremos dúvidas.
E, embora a dúvida seja nossa companheira, sempre teremos uma relação difícil com ela, como um amigo muito íntimo e que, por causa disso mesmo, seja incômodo, crítico, sempre chamando a atenção para os nossos defeitos e menosprezando nossas qualidades, coisas que acontecem às vêzes com a intimidade.
Os mestres não nos darão fortuna ou um escudo protetor contra as vicissitudes da vida. Se eles realmente nos amarem como discípulos, jamais fariam tal coisa.
Sabem que nossa dor ou uma dificuldade qualquer que atravessemos é muito importante para a formação de nosso caráter, que nossas angústias fazem parte de nosso crescimento, que elas não são punições, mas dádivas kármicas, fomentadoras de nossa evolução como homens e como espíritos.
Costumo pensar nos mestres como treinadores de atletas, se bem que é apenas uma imagem didática.
Não podem correr por seus pupilos, não podem sentir as dores musculares dos muitos exercícios que estes atletas praticam; apenas podem torcer para que não desistam e, algumas vêzes, manifestar este estímulo pessoalmente, na intenção de manter o ânimo daqueles pelos quais torcem, quando este ânimo estiver quase se esvaindo.
Jamais tirariam seus pupilos de uma competição, na qual entraram para competir e para vencer, não para ser o segundo ou o terceiro colocado, mas para se tornarem os campeões do torneio.
Trata-se de uma disputa curiosa, onde todos os adversários são partes de nós mesmos. Lutamos contra nossa indisciplina, nossa falta de coragem, nossa falta de fé.
Corremos sempre contra nossas fantasias e ilusões, que tentam desesperadamente nos derrotar usando de todos os ardis e armadilhas possíveis e imagináveis.
Eles, os Mestres, os técnicos, assistem toda a nossa luta sem poder intervir, já que é a nossa disputa, não a deles.
E isto é o suficiente para bons atletas.
Nenhum corredor ou nadador espera que seu técnico corra ou nade por ele. Nem quer isso, pois essa competição é a possibilidade de seu momento de glória, de demonstrar sua excelência e sua capacidade esportiva.
Se vencer, vencerá pelos seus méritos, será respeitado por todos, admirado por muitos e por si mesmo. Aumentará em muito sua auto-estima porque o mais importante é que terá vencido e superado um grande desafio por seus próprios méritos e isto é um grande feito.
Esta vitória, que sempre, sempre será absolutamente solitária, mostrará que sua evolução progride e que seu treino foi bem sucedido.
Em parte a Vitória será também de seu Mestre, indiretamente, pois ele o preparou e o estimulou.
Só que ninguém poderá dizer que o Discípulo tornou-se o que se tornou por causa de seu Mestre. Até o Mestre saberá que o esforço, o trabalho e o sucesso pertencerão sempre ao próprio discípulo já que o Karma, na enorme maioria das vêzes, é
intransferível, e é bom que assim seja.
Bons Mestres formam bons alunos que se tornarão, também, Grandes Mestres.
A ponto de se algum Mestre se materializar em nossa frente, a única reação esperada de um Discípulo já pronto é nenhuma.
Não haverá emoção, nem ansiedade, se o comportamento do Discípulo for adequado a este contato.
Ele deverá estar imbuído da Serenidade de que eu falava antes, ou nada será consumado. Não existe possibilidade de troca quando uma das partes não consegue estar atenta, totalmente atenta , aquilo que a outra parte quer transmitir.
Em uma aula, é assim.
No passado, quando eu era jovem, havia o hábito de levantar quando nossos professores entravam na sala de aula. Éramos meninos, muito jovens, mas entendíamos já a necessidade do respeito e do ritual de demonstrar nosso respeito a nosso Mestre, simplesmente tratando sua presença com a solenidade correspondente. Levantar expressava isso.
Da mesma maneira, a presença de um Mestre impõe-nos um estado de respeito espontâneo, de carinho e devoção a sua pessoa, não uma devoção religiosa, mas aquela devoção que vem do respeito por aqueles que admiramos e que fazem por nós algo bom.
Neste encontros, devemos manter isto em mente: é uma honra sermos educados e treinados por estes homens santos pela natureza de sua evolução, mas não devemos ter nenhuma expectativa em nosso coração irrealista em relação a este indivíduos, a não ser aquela de que a aula e o encontro sejam produtivos e prazerosos.
Os Mestres não são gênios da lâmpada, não surgem em nossas vidas para servir aos nossos desejos materiais e mesquinhos, mas apenas para transmitir conhecimento e diminuir nossas incertezas e nosso erro, duas das três certezas da existência.
Quanto a Morte, a terceira certeza, com esta teremos de lidar várias vêzes, até que superemos o receio de transitar deste para outros planos, ou consigamos fazer desta transição algo suave e agradável, e não como é comum, um instante de luto.
A Morte física, para o místico, como para o filósofo, jamais deveria ser mais importante que a própria vida.
E se a lição for adequadamente aprendida, jamais será.
É na vida que devemos nos concentrar.
É na existência, com todos os seus problemas e desafios, suas frustrações e contratempos, que devemos comemorar a própria existência, mesmo que aparentemente tudo pareça sem sentido, cinza e inexpressivo.
Não existem palavras mágicas mais poderosas do que Trabalho, Humildade, Lealdade.
A vitória é certa para todos os atletas que se exercitarem todo o tempo de maneira a estarem prontos quando chamados a competir, não para chegar em segundo ou mesmo em terceiro lugar, mas sim como Vencedores, único resultado possível e desejado para aquele que atingiu o nível de Discípulo.