Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 11 de dezembro de 2011

“ENTREGO, CONFIO, ACEITO E AGRADEÇO”


Por Mario Sales, FRC.:;S.:I.:;M.:M.:


Quem acompanha o blog viu a postagem de um vídeo, trailer de um filme ainda em fase de produção, chamado Eu Maior, que entrevista autoridades de vários campos do conhecimento, na busca talvez de uma síntese conceitual acerca da natureza da vida, do significado da existência ou ao menos delinear o contorno desta busca através da coleção de dezenas de testemunhos pessoais abalizados.
Entre os entrevistados pincei dois e coloquei trechos de sua entrevista no blog: um que admiro, mas que não conheço, e outro que conheço pessoalmente além de admirar. O primeiro, Marcelo Gleiser; o segundo, meu querido José Hermógenes, que eu conheci com Maria, sua companheira, ainda viva e bem, belíssima nos seus sessenta anos, nos idos de 1982.
José brincava, enquanto almoçávamos no único restaurante natural de Campos, na época, que para sua surpresa, estava casado com uma sexagenária.



Infelizmente, acho que 12 ou 13 anos depois, não me lembro mais, Maria seria vítima de um atropelamento na Índia, durante uma das inúmeras viagens que ela e Hermógenes realizavam ciceroneando um grupo de brasileiros. Anos de sofrimento se seguiram até seu desenlace. Emocionei-me quando da publicação de “O Essencial da Vida”, que quando li já estava na terceira  edição, publicado pela Nova Era, uma divisão da Record, um livro de 1989. Lá pela página 205, Mestre Hermógenes, talvez falando de si mesmo entre outras experiências que deve ter ouvido na Academia Hermógenes, lembrava o trecho bíblico “Pois todo aquele que se exalta será humilhado”, (Lucas 14, 11 ou 18,14) e completava:  “e o será, porque a Vida não reconhece valor e grandeza nos bens acumulados; não respeita a quantidade de títulos honoríficos que alguém possua; a Vida não respeita o status que o indivíduo conquistou e mantém, nem o cargo político que ocupa; a Vida não respeita ninguém”( o grifo é meu).




É fácil teorizar-se sobre a dignidade e o desapego, quando não se passou por crises pessoais. Ao perder sua companheira, a Maria que eu conheci com 60 anos, belíssima, mulher que ele chamava no frontispício da 27ª edição de seu principal livro, “Autoperfeição com Hatha Yoga”, Ed. Record , de “... a esposa que Deus guardava para mim depois que eu atravessasse o deserto”, ser capaz de pronunciar uma frase tão poderosa quanto esta do título, deve ser uma demonstração cabal de superação, de transmutação de sentimentos de solidão e tristeza em sentimentos mais puros, na busca da Yoga Verdadeira, da União, da União com Deus.


Maria, posando em Vajrásana, uma postura do Hatha Yoga

Não sei, ou melhor, tenho certeza de que não conseguiria.
Tomado pelos problemas, perdi a minha capacidade de entrega, de dádiva, de aceitação. Lembro-me de que, quando mais jovem, eu era mais generoso. E me entristeço com isso. Meus problemas pessoais não são maiores do que a maioria dos meus clientes.
Sou um médico de pobres.
Não tenho uma clínica particular de peso, não vivo de meu consultório.
Meu foco são os pacientes dos postos de saúde das cidades onde trabalho e onde sempre trabalhei.
Os problemas e as angústias que me trazem todos os dias, independente de suas doenças físicas, são imensamente mais graves do que qualquer coisa que tenha me atingido ou a alguém que eu ame até agora.
De certa forma, isto coloca minha dor em perspectiva.
Como queixar-me de meus problemas se tantos sofrem, e por razões muito mais graves? Certas horas o trabalho é extremamente consolador.
Acredito que José Hermógenes tenha passado por esta experiência. Só que ele tem 34 anos de vantagem sobre mim. E uma evolução espiritual muito maior.
Talvez este velho Mestre e, eu o considero, este velho amigo, (que tem um imenso quadro do Mestre Jesus em sua sala, na Academia Hermógenes, na Rua Uruguaiana no Rio de Janeiro, um quadro tão soberbo, tão imenso, que ao passar sem vê-lo faz com que nos viremos para contemplá-lo, impressionante para qualquer místico, mesmo um hinduísta não cristão como eu), conheça tão bem a dor que saiba como fazer dela o fogo que aquece seu espírito e transmuta seus valores em compreensões mais elevadas do mundo, realizando a Verdadeira alquimia Rosacruz, sem pertencer a nossa Ordem, que é a transformação do homem de um espírito de Chumbo em outro de Ouro.
São de Hermógenes as seguintes palavras, em “O Essencial da Vida”, página 221:
“É nítida e rica a personalidade do homem sábio, que não mais se ilude com os truques do Ego, que já fez o Ego descer do trono, que não mais a ele se submete; que se identifica não com o efêmero, mas com o Eterno. Ele usa o Ego, mas se mantém na recusa de ser por ele usado, submete-o e não se deixa submeter. Para o homem sábio o Ego é como uma necessária máscara, que ele utiliza para desempenhar o papel que lhe está designado no drama do Universo. Um ator lúcido e sadio jamais se identifica radicalmente com o personagem que ele representa.”
Talvez assim, e só assim, pela desindentificação com Maya, a ilusão, e com o Ego, sua mais íntima personificação em nossas existências, possamos nos afastar de nossa própria vida e vê-la como quem assiste a uma peça de teatro, sem sofrer demasiado com a dor e sem se alegrar demasiado com a boa sorte.
É isso que o velho mestre nos lembra.
É preciso perceber que tudo isto é apenas teatro, representação, que nosso corpo não é nosso, que nossos filhos não são “nossos” filhos, que a mulher que amamos não é nossa, e que muito menos fomos bem ou mal sucedidos, mas apenas fingimos sê-lo para experienciar as emoções decorrentes deste psicodrama, desta farsa didática que é a vida comum.
Difícil. Muito difícil.
Ainda mais dentro de uma civilização que valoriza a identidade e a chamada “autodeterminação”.
Muito útil, no entanto, quando nosso objetivo mais importante, quando o “Essencial da Vida” parafraseando o velho mestre, é a Serenidade, o tesouro mais importante que podemos almejar em uma ou em muitas existências.
Encarnações sucerder-se-ão infinitamente antes que saiamos da Roda de Karma e nos libertemos deste vórtice.
Se pudermos atravessá-las desapegados, confiantes na bondade da providência divina, aceitando incondicionalmente os acontecimentos sem revolta ou dor, certos de que eles, por mais duros que nos pareçam não nos são hostis, e, entendendo isso, pudermos agradecer por eles, seremos finalmente seres iluminados.
É isto que o Velho Mestre nos lembra.
Assim seja.

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