por Mario Sales, FRC, SI, CRC
De 1964 até
1985, para falarmos apenas de uma parte de seu vasto trabalho, um ator
brasileiro consagrado, Tarcísio Meira, viveu 23 personagens. Em uma sequência
de trabalhos na TV e no cinema, ele foi conhecido pelos nomes de Betinho,
Miguel, Edmundo Amarante, Eduardo, Juan Gallardo, Celso, Bob Ferguson, Sandro e
Fernando de Aragón, João Coragem, Ciro Valdez, Rodrigo Soares, Hugo Leonardo
Filho e Raul de Paula, Antonio Dias, D. Pedro I, Diogo Maia, Fernando Lucas,
Juca Pitanga, Paulo Cesar, Theo Faron, Felipe de Alcantara Pereira Barreto,
Paulo de Oliveira, Hermógenes e Capitão Rodrigo Cambará.
Nenhum deles é
Tarcísio; nenhum, entretanto, deixou de ser.
Os erros e trapaças
de cada personagem, suas pequenas ou grandes maldades, suas malícias, pertencem
a história de cada papel, à qual o autor ofereceu seu suporte e talento
para fazer parecer real.
Gengis Khan, Hitler,
Jim Jones. Henrique VIII, da mesma maneira, são papéis de vilões, semelhantes a
quaisquer folhetins fantasiosos que costumamos acompanhar.
A partir desta linha
de raciocínio, coloquemos uma questão: deveremos responsabilizar o ator pelas
atitudes de seus personagens, considerando que não somos nossas encarnações,
mas vivenciamos personalidades ilusórias que nos ajudam a compreender certas
noções emocionais e espirituais?
Somos, todos nós,
emanações do Criador, puras, límpidas e imortais como ele. Não somos o Mario, o
Alfredo, ou o Carlos, como Tarcísio Meira, o ator real, de carne e osso, não é
Edmundo Amarante, João Coragem ou D.Pedro I, mas fingiu ser estas pessoas por
motivos exclusivamente teatrais e dramáticos. Papéis que, vilão ou herói, o
enriqueceram como profissional do Teatro e como ser humano.
A pergunta que me vem
a mente, quando vejo alguns irmãos discutindo qual seria a situação kármica de
Judas ou de Hitler a esta altura da eternidade é: será que personagens passados
devem ser considerados como existindo mesmo depois do final de suas
existências? Será que João Coragem tem ou teve existência para além do
final da novela específica aonde apareceu? Cessando a novela, cessa o
personagem. Cessando a ilusão (Maya), tudo que fazia parte dela se desvanece, e só
continua nas gravações de época que, dependendo da qualidade, denunciam, ao
serem vistas, sua própria antiguidade.
Se terminando uma
novela, o personagem, não o ator que o interpretou, desaparece, é de se supor
que terminando a encarnação, aquela personalidade vivenciada, não a essência
imutável e divina dentro dela, desapareça também.
É como se Tarcísio
Meira fosse aprisionado por João Coragem e não pudesse mais representar nenhum
papel, coisa que aconteceu com Leonard Nimoy ao representar o Sr. Spock, marcante personagem de ficção científica, mas que, ao mesmo tempo, destruiu todas as suas possibilidades como ator
dramático, tão marcado ficou por este papel em particular.
Nenhum ator vive
eternamente o mesmo personagem, mesmo Nimoy, como nenhuma alma fica eternamente
na pele de uma de suas encarnações dentre muitas.
Hoje vilões, amanhã
heróis, somos todos atores no drama kármico e não somos eternamente julgados,
como supõem alguns, pelos desempenhos de uma única vida.
A única razão para
pensarmos assim é a confusão entre vida espiritual e vida material, que nos faz
projetar valores ligados a este plano, naquele, cometendo dessa forma toda
sorte de equívocos.
Pensamos em bem e mal
como se fossem reais e não aspectos de uma mesma realidade, como a luz e a
sombra que o objeto iluminado pela luz, projeta no solo.
É difícil para alguns
entender que para o diretor da peça, não importa o papel que o ator desempenha,
mas sim a competência com que o faz. Todo drama necessita, para ser encenado de
personagens em oposição, que manifestem o aspecto polar e alternado da
existência. Dramas tem que ter algozes e vítimas, maldades e bondades. Mas a
rigor, como lembra Krishna no diálogo de Kuruksetra, ninguém mata ninguém, ninguém morre. A encenação de sofrimento e dor
deve ser convincente e devemos entrar no personagem senão a atuação
(playing,
em inglês, a mesma palavra para brincando e divertindo-se) não será satisfatória
e enriquecedora e o diretor nos pedirá para ensaiar mais e melhor.
Karma é uma noção
mais complexa do que supõem algumas vãs filosofias.
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