Por Mario Sales
“Então disse Caim ao Senhor: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará. O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse.”
Gênesis 4:13-15
E eu, que já era Caim e levava a marca na fronte, imaginara naquele instante exato que o sinal não era um estigma infamante, mas antes um distintivo e que minha maldade e infelicidade me faziam superior a meu ai, superior aos homens bons e piedosos…Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!
Demian, Herman Hesse
O esoterismo é um campo de conhecimento muito curioso.
Grande parte dos esoteristas acreditam como uma questão de
dogma que o nome de seu campo deve ser a senha para seu comportamento.
Por isso, ser esoterista é acreditar que o segredo deve ser
preservado a todo custo.
O que exatamente está sendo mantido em sigilo é discutível e
incerto, mas primeiramente, devem ser ocultados os textos internos das ordens
iniciáticas, e tornar-se membro de uma delas, AMORC, outras denominações de
cunho rosacruciano e a Maçonaria, é aprender a não revelar estes textos
passados entre os membros de forma velada.
Talvez a quebra deste axioma tenha começado pela maçonaria.
Embora dentro de seus templos alardeasse sua esotericidade, a maioria de seus
textos foram entregues ao publico profano através de livrarias que se
especializaram em publicar livros e mais livros sobre assuntos maçônicos. Os
autores realmente importantes da Maçonaria não hesitaram, mesmo tendo jurado
segredo, em revelar com erudição e entusiasmo, conhecimentos que, a priori
deveriam ficar dentro dos templos. Nada disso foi punido, ninguém foi chamado
às falas, pelo contrário, ganharam notoriedade entre seus pares, foram alçados
a categoria de sumidades em assuntos maçônicos, convidados para palestras aqui
e ali e, óbvio, ganharam algum dinheiro vendendo deus textos, disputados pelas
tais livrarias acima citadas.
A AMORC vem em segundo lugar. Tem afirmado ao longo de
décadas que seu estudo é reservado apenas aos membros regulares, porém grande
quantidade ou quase toda a informação delicada e secreta já foi publicada e é
consumida avidamente por leitores leigos, não iniciados, em todo o mundo.
A coleção Renes, editora carioca, patrocinou a edição de
dezenas de títulos daquilo que intitulou “Biblioteca Rosacruz”, alguns deles,
como os de autoria de Raymond Bernard, com revelações acerca dos Mestres Ascencionados
da Fraternidade Branca que no passado seriam consideradas transgressões do
segredo.
É curioso o fato que se interpelamos algum irmão mais antigo
sobre este paradoxo a resposta invariavelmente é de que Raymond Bernard podia
fazer estas revelações, e até descrever em detalhes rituais secretos ocorridos
em locais privados chamados por ele Mansões da Rosacruz, sem que isso lhe
acarretasse nenhuma punição. E podia porque “deveria” ter permissão para isso.
Se colocarmos na balança as revelações feitas por este
ilustre Frater com o que um membro ordinário e comum da Ordem quisesse revelar,
na minha modesta opinião, nada poderia chegar aos pés das descrições que
estavam em seus livros em termos de, digamos assim, informação reservada. Mesmo
assim esses livros continuam a ser publicados e lidos por quem quer que os
compre, em qualquer livraria ou sebo que os venda, sem nenhuma restrição, sem necessidade
de ser ou não membro da Ordem ou mesmo ter tido qualquer iniciação mais
profunda nos conhecimentos ditos esotéricos.
Se todos podem ler sobre coisas tão delicadas como difíceis de
crer, o que realmente temos a ocultar?
Por que dizemos que somos uma ordem discreta ou secreta como
querem os mais conservadores?
Ou mantemos este discurso com uma intenção meramente de
marketing, visando dourar a pílula para atrair os curiosos interessados, ou dizendo
com outra metáfora, passando verniz em um velho cajado de madeira?
Tocar neste tema as vezes fere ainda algumas sensibilidades.
Para o bem de nossa Ordem, entretanto, não deveríamos ter assuntos proibidos, a
não ser, coisa que não acredito, que tenhamos receio em discutir nossos assuntos
abertamente, como é nossa tradição. Frater Charles Parucker, nosso antigo
Grande Mestre da Língua Portuguesa, gostava de repetir um mantra: a Ordem
Rosacruz AMORC era baseada na mais completa liberdade, dentro da mais completa
tolerância.
E ele vivia esse lema.
Jamais o vi usar sua autoridade como algo ameaçador ou sua
posição de modo intempestivo.
Era um homem extremamente sério, mas também bondoso e sua
força entre nós estava centrada na sua personalidade ao mesmo tempo reservada e
cordial.
Nosso tema não é esse, entretanto. Falávamos do segredo.
A terceira Ordem a considerar, se bem que não podemos classificá-la
desse modo, é a Sociedade Teosófica. Pela natureza de seu trabalho, jamais
defendeu uma posição de sigilo quanto aos seus ensinamentos, mesmo tendo
mantido, enquanto Blavatsky estava conosco, alguns pequenos grupos de estudo
mais avançados, que estudavam com HPB pessoalmente. Em relação a isso, talvez o
motivo de não existir proibição de discussão pública dos conhecimentos teosóficos
fosse o fato de que os livros de Blavatsky são tão obscuros e as vezes confusos
que só isso representava um obstáculo a sua compreensão e interpretação, livros
secretos em si mesmos, que não poderiam ser compreendidos a não ser com muito
esforço e persistência intelectual, coisa que a esmagadora maioria dos seres
humanos não possui.
Desde os primórdios em Adyar, na Índia, a ST tem produzido e
publicado seus textos e dentro do possível, multiplicado suas representações em
volta do planeta na intenção de dar a mais ampla divulgação a estes mesmos
textos, para o maior número possível de pessoas.
Ou seja, Maçonaria e AMORC querem ser sociedades discretas
ou secretas, mas de forma persistente publicam seus chamados segredos para que
qualquer um possa lê-los e conhecê-los. A Sociedade Teosofica, ao contrário,
quer ser lida, embora só tenha conhecido uma grande expansão de interesse em
seu trabalho nos últimos anos, realizando uma profecia de Blavatsky de que seus
ensinamentos só ganhariam importância 100 anos após sua morte.
Então, de novo, que segredo é este, fisicamente falando, que
guardamos? Existe, em algum lugar, um manual de Magia repleto de palavras
mágicas que um maçon, um rosacruz ou um teosofista pudesse usar para realizar
atos milagrosos e transcendentais? Isso eu posso responder, sem quebrar nenhum
juramento: não existe.
Existe alguma informação facilmente usável que não poderá
ser jamais contemplada por um profano?
Também creio que não.
Na maçonaria contemporâneo, o grau de conhecimento ocultista
está perto de zero. AMORC me passou, ao longo de quarenta e sete anos de
afiliação, duas técnicas realmente poderosas, das quais uma está amplamente
descrita para leigos não iniciados em um texto que se encontra em sebos hoje em
dia, chamado “Princípios rosacruzes para o Lar e para os Negócios”.
Spencer Lewis não tinha medo de contar o que sabia. Mais do
que isso, queria contar. Sabia que nenhum segredo realmente importante do
ocultismo pode ser violado apenas pela revelação de seu aspecto formal.
Ele sabia, como eu sei, que nenhum objeto tem poder algum
que não lhe seja dado pelo seu manipulador.
E o poder do indivíduo vem de sua evolução espiritual e de
sua intuição que não podem ser desenvolvidas de modo rápido e fácil.
Sim, os textos estão aí, mas como se estivessem escritos em línguas
extintas que poucos de nós saberiam traduzir. Embora pareçam fáceis e
acessíveis escondem em seu interior tantos pressupostos simbólicos que são para
poucos e não para todos.
Repito o que sempre digo: não existe risco algum de
profanação daquilo que é verdadeiramente esotérico, principalmente se estiver
em forma literária, já que, como lembrava Papus, “se o não iniciado conseguir
um texto esotérico primeiramente não terá interesse em ler; se o ler, não o compreenderá;
e se compreender, não acreditará.”
Interesse, capacidade de entendimento e aceitação, três condições
que não são frequentes entre os seres humanos. Usando uma metáfora de Herman
Hesse em seu livro “Demian”, só os que tem a “marca de Caim” terão essas três
virtudes juntas em si, mesmo que não tenham sido jamais iniciados em qualquer
ordem esotérica tradicional.
Porque são esses homens que fazem as Ordens existirem, não
ao contrário. São homens fadados a buscarem por eles mesmo, dentro de si, sem
recorrer a outros recursos senão sua introspecção e consciência.
É neles que devemos nos concentrar, já que serão os
responsáveis por transmitir adiante a “sagrada luz que nos foi confiada.”
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