Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

terça-feira, 18 de maio de 2021

O EGO E O SERVIÇO

 

Mario Sales, FRC, SI



É comum ouvir em outros ambientes queixas de ausência de reconhecimento pelos serviços prestados ou uma suposta falta de justiça ao desempenho profissional ou pessoal.

Já vi muitas pessoas dilaceradas por essa angústia, sem que eu pudesse fazer alguma coisa ou dizer alguma coisa que diminuísse seu sofrimento e angustia.

E isto por uma única razão: suas queixas nada tinham a ver com acontecimentos externos ou pelo comportamento de outras pessoas, fossem superiores ou subordinados. Todo o sofrimento daquele individuo tinha a ver com seu próprio Ego.

O curioso é que o Ego tem um papel fundamental na individuação de uma pessoa, na assunção de responsabilidades pessoais e de um papel qualquer social.

É através do Ego que reconhecemos nossas qualidades e deficiências, que buscamos individualmente a evolução ou, às vezes, que mergulhamos em processos de autoflagelamento psicológico.

O sofrimento que nos atinge, portanto, não tem a ver necessariamente com o Ego em si mas com a compreensão que temos dele e de sua relação com o todo a nossa volta.

O Ego é, como todas as nossas características psicológicas, um instrumento que podemos usar para o bem ou para o mal; embora ele leve a culpa por uma atitude autocentrada batizada inclusive de Egoismo, na verdade o Ego é usado dentro de uma estratégia perversa, como bode expiatório de uma atitude atrasada do ponto de vista espiritual.

Não é o Ego o problema, portanto, mas a maneira como o utilizamos.

Saber-nos indivíduos distintos socialmente ajuda apenas a qualificar e especificar nossas necessidades espirituais e emocionais. Cada um de nós é responsável por uma parte da criação e essa parte é exatamente o que fazemos de nossa própria vida.

Pode parecer pouco, mas se multiplicarmos tudo o que cada um vivencia emocionalmente pelo número de pessoas que existe no mundo, temos uma pálida ideia daquilo a que me refiro.

Podemos, no entanto, achar que nosso trabalho social implica algo que precisa de um reconhecimento especial, diferenciado, e isto pela comparação com outras pessoas mais bem sucedidas e mais reconhecidas do que achamos que somos.

O nome disso não é egocentrismo, mas inveja e insegurança. Ilude-se quem acha que o universo é injusto ou que a fama é um sinal de sucesso.

Ilude-se quem acha que seu trabalho não é devidamente reconhecido e só pensa assim aquele que está fragilizado pela inveja e pela imaturidade.

Na verdade, trabalhar e servir a sociedade, já deve ser em si nossa própria recompensa e satisfação.

Se fizemos o melhor que podíamos ter feito, se produzimos com amor aquilo que produzimos, se nossa intervenção no social trouxe benefício a uma pessoa que seja, nossa recompensa deveria ser exatamente isso, ter servido com dignidade, independente de quaisquer reconhecimentos.

Nossa guardiã e juiza é nossa consciência e apenas a ela devemos satisfação e precisamos agradar.

Só nossa consciência nos diz quando devemos nos arrepender ou nos orgulhar do nosso desempenho.

Quem, sabedor de sua incompetência e da pusilanimidade de seu desempenho, se compraz em ser aplaudido por néscios e ignorantes, é um néscio também e um tolo. Vive uma fantasia de sucesso que não resiste ao tempo nem às análises mais cuidadosas.

Além disso, estamos as vezes falando de pessoas muito a frente de seu tempo, que em vida não são nem reconhecidas nem tratadas com a importância que mais tarde terão.

O que não quer dizer que não existam exemplos de indivíduos bem-sucedidos e reconhecidos em vida.

Mas não são todos. Muitos foram vítimas do atraso da sociedade e dos preconceitos que levaram a que outros e não eles recebessem o crédito por descobertas as mais importantes. Reconhecimento, como soube Galileu, não é prova de que seus argumentos e descobertas são ou não importantes.

Em épocas fúteis como a nossa, e foram muitas ao logo da história, é preciso não se precipitar e entender que quem serve, serve porque quer servir e não é obrigado a fazê-lo a não ser pela sua incontrolável produção pessoal, sejam artistas, cientistas ou escritores.

E antes de tudo o serviço bem-feito deve ser um premio para quem serve, despreocupado com o reconhecimento ou com os aplausos dos que recebem este benefício.

Se servimos, sirvamos com alegria, pelo prazer de fazê-lo, sem os grilhões de esperar reconhecimento pelo que se fez.

O resto é vaidade. Somente vaidade.

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