Por Mario Sales, FRC
Se a DOUTRINA SECRETA é uma obra obscura e às vezes errática
em seu curso, desafiando a paciência e a persistência de quem se atreve a
encarar seu desafio, as Cartas dos Mahatmas para A.P.Sinnett ao contrário são
de uma clareza e leveza impressionantes.
Ali pode-se ouvir Ku-Thu-Mi e Moria falando em tom
absolutamente coloquial sobre assuntos os mais variados, com uma objetividade
que deveria servir de exemplo para outros esoteristas, sem o mesmo nível de
evolução, e que, mesmo assim, supõem que quanto mais rebuscado e vago for seu
discurso mais erudito e atraente parecerá.
Coisas pouco claras me dão muito sono e cansaço.
Quem escreve se denuncia como alguém que quer ser
compreendido. Quando eu falo com alguém espero que meu interlocutor entenda o
que estou explicando e por isso uso o mesmo idioma que ele, com a mesma gramática,
com uma entonação de voz e às vezes gestos que complementem e reforcem minha
apresentação.
Em textos não temos a não ser idioma e gramática para nos
ajudar. E claro, um curso de pensamento coerente e se possível linear.
Tudo que encontramos nos textos das Cartas dos Mahatmas para
Alfred. P Sinnett e não encontramos por mais que louvemos a importância de seu
trabalho, na Doutrina Secreta, cujo nome antecipa seu objetivo oculto: manter
secreta a Doutrina de que fala.
K-H ou na maneira como assina, Koot’Hoomi Lal Singh, dito o
Hierofante de AMORC além de irmão de Ordem do Mestre de Blavatsky, Morya, escreve
com bom senso e raciocina com muita clareza. Conhece bem a natureza humana e
antecipa corretamente comportamentos que hoje estão mais do que claros para psicólogos
comportamentais, em relação ao modus operandi das multidões em geral.
Uma coisa, no entanto, sempre me intrigou.
Os relatos dos seus contatos com o editor do Pioneer e seu
amigo, Hume, mostram que ambos os interlocutores destes excelsos mestres não
eram personalidades espiritualmente diferenciadas. No caso de Hume, pelo contrário,
tratava-se de alguém com pouca evolução, que chegou mesmo a elaborar
estratagemas para testar a veracidade das afirmações dos mahatmas, estratagemas
estes descobertos e criticados pelos mesmos como demonstrações de falta de
maturidade e mesmo seriedade do mesmo.
Mais tarde, por causa deste comportamento, os contatos com
este cavalheiro foram suspensos, mostrando que foi um erro dar-lhe uma atenção
que muitos discípulos de natureza mística bem mais refinada gostariam de
receber.
Nas palavras de K-H, na carta número 1, dirigindo-se a
Sinnett, comenta:
“Em outras palavras, você presenciou uma variedade maior de fenômenos,
produzidos para você e seus amigos, do que muitos neófitos viram em muitos
anos.”
Por que isso? Pelo fato de que Sinnett era editor de um
jornal considerado a época de importância na Índia e com ecos em Londres? Pela
sua evolução com certeza não era, visto que não seria este o critério para tamanha
cordialidade. Muitos tentaram contato com esses iluminados sem sucesso. E o
argumento sempre foi de que não teriam merecimento para isso.
Com certeza existia outra razão que escapa aos textos
publicados e que estão preservados na British Library, na Inglaterra.
Para que os Mestres se expusessem do modo como fizeram,
quase como se estivessem dispostos a divertir um grupo de burgueses ociosos com
feitos que pareceriam truques de mágica, a intenção destes seres excelsos
deveria, em princípio, visar uma meta mais complexa.
Só posso concluir que não escreveram para o editor do
Pioneer, mas sim para todos nós. Esta correspondência, eles deviam saber, viria
a ser publicada no futuro e serviria de guia para aqueles que quisessem
compreender os meandros do trabalho do Governo Oculto do Mundo.
Aliás, um trabalho que não é tão livre assim, nem tão
arbitrário como possa parecer àqueles que supõem que o poder dá liberdade de
ação aos que o detém.
Uma frase me marcou profundamente nesta primeira carta: “…quando
chegar o momento e ele puder ter um relance completo do mundo do esoterismo,
com as suas leis baseadas em cálculos matematicamente corretos do futuro – os resultados
necessários das causas que sempre temos liberdade para criar de modelar a nossa
vontade, mas cujas consequências somos incapazes de controlar, e as quais
dessa forma se tornam nossos mestres…” (o grifo é meu).
Ou seja, os Mestres não podem controlar as consequências de
seus atos, ou pelo menos todas as consequências, e por isso seus movimentos
devem ser prudentes e cuidadosos. Eles não são livres, em todo o seu poder,
para fazer o que queiram, mas precisam estar atentos às muitas repercussões de
atitudes impensadas ou intempestivas, evitando tornarem-se escravos de seus
desdobramentos.
Portanto, toda a cordialidade e a estranha (para nós, que
nos acostumamos a reverenciá-los como seres elevados e distantes de nós)
naturalidade como concederam a dois visivelmente limitados indivíduos e seus
amigos, satisfazendo pedidos caprichosos e banais, de pessoas espiritualmente
também banais, aquiescendo em surpreendê-los e diverti-los com feitos
extraordinários, só podem significar uma coisa: tais acontecimentos foram
feitos para serem registrados para as gerações posteriores a estes eventos, uma
outra época, talvez a nossa, onde as coisas importantes não fossem a posição
social ou os costumes não fossem tão vitorianos. Alguns podem argumentar que
não estamos em um mundo evoluído espiritualmente como não estávamos naquela
época. Ninguém, entretanto, negará que houve uma significativa mudança nos
costumes e a informalidade hoje é bem mais numerosa do que a formalidade. E se
ainda temos muitos preconceitos e manifestações de racismo, não se pode negar
também que esses aspectos não são aceitos em geral pela sociedade como
toleráveis e geram, muito frequentemente, consequências legais para os seus
praticantes.
Em suma o mundo mudou e a sociedade deu alguns passos em
direção a uma compreensão maior do fenômeno espiritualista. A visão antropomórfica
de Deus, embora ainda persista como dogma em algumas crenças, não é mais vista
como aceitável pela maioria das pessoas.
As religiões são constantemente “customizadas” e adaptadas
as novas concepções do momento.
Visivelmente o ser humano busca novas formas de crer.
Este novo homem, arrisco-me a dizer, lerá com muito menos
assombro estas cartas e estranhará o comportamento infantil dos interlocutores
dos mahatmas o que só pode ser atribuído ao momento histórico em que estes
fatos ocorreram.
Outro mundo, outra sociedade, outras pessoas.
Estou dizendo que pessoas banais não existem mais? Não,
longe disso. O que digo é que as comunicações e a velocidade com que a informação
viaja e a sua democratização permite hoje que não haja necessidade de ter que
se relacionar com seres espiritualmente tão limitados para chegar aqueles que
realmente importam. Quando digo isso, refiro-me, claro aos iniciados, os
servidores da humanidade, aqueles que estão militando na causa da evolução.
Almas diferenciadas que merecem uma atenção e uma orientação mais próxima e que
terão acesso as personalidades dos Mahatmas de várias formas, uma delas lendo
suas cartas e descobrindo na leveza de seus textos homens, e não deuses, que
tem como único objetivo colocar toda sua erudição e experiencia de muitas vidas
a serviço da humanidade.
Cem anos precisaram passar para que isso ocorresse.
Considerando a imensidão do Universo e a escala cósmica do tempo, até que foi rápido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário