por Mario Sales, FRC,SI,CRC 18°
Um dos trechos que estudamos da Doutrina Secreta (DS) de uma quarta feira
destas, começou na página 333, no segundo volume da edição de 1973 da Sociedade
Teosófica (ST) em seis volumes, da Editora Pensamento.
Neste trecho, (que até Michel Gomes no seu já citado "Resumo
da DS" evitou, por considerar demasiadamente datado além de não necessário à
compreensão da essência dos pensamentos de Helena Petrovna Blavatsky [HPB] ), continua
o esforço da autora e fundadora da ST em ver ligações entre a Ortodoxia
Científica e a Teosofia, de modo ora intempestivo, ora ingênuo.
Intempestivo, por querer que a ciência, a ferro e fogo,
aceite suas afirmações sobre mundos invisíveis, baseada apenas nas suas
afirmações ou na, em sua opinião, beleza de suas idéias, sem quaisquer
demonstrações ou provas experimentais.
Ingênuo, por não entender que a ciência é um caminho
pavimentado por fatos, não por afirmações, sejam fatos teóricos (matemáticos),
sejam experimentais.
Uma pessoa comum não compreenderia isso, aceita-se; mas, uma assim denominada, Alta Iniciada, não tem justificativa para tal atitude
mental.
Espera-se de "Altos Iniciados", ao menos, sensatez.
Não é isso que se percebe nas queixas de HPB contra o meio científico.
Não é isso que se percebe nas queixas de HPB contra o meio científico.
O mais paradoxal, como já comentei aqui, é que mesmo tendo
este enfoque negativo do ceticismo metodológico dos homens de ciência da época, HPB procure
nestes capítulos finais e infernais do II° volume da DS referendar a Teosofia
pela racionalidade científica e por descobertas da época da química e da física
daqueles anos pré positivistas.
Neste trecho que trabalhamos, eu e Flavio, ela exalta o
trabalho de Crookes (Sir Willian Crookes, físico-químico inglês do século XIX, inventor
das ampolas de Crookes, do Radiômetro e descobridor do elemento Tálio).
No início do parágrafo que enfrentamos, lemos o seguinte
trecho:
"Proferiu êle, (Crookes) uma segunda conferência sobre
a gênese dos corpos simples ( na Royal Institution of London em 18 de fevereiro
de 1887) e ainda uma terceira, ambas tão notáveis como a primeira. Aqui temos
quase uma confirmação dos ensinamentos da filosofia esotérica..."
A questão é: para que um esoterista precisa de confirmação
científica de suas teses?
Que insegurança é essa que faz alguém , detentor de
informação privilegiada, digamos assim, necessitar parcial ou totalmente de
confirmação de seus dados?
Acompanhem um exemplo: eu e um indivíduo cego estamos
sentados ao ar livre. A chuva acabou há pouco e no céu surge um arco íris.
Digamos que eu, animadamente, descreva para meu companheiro, cego de nascença ,
as maravilhosas nuances de cor deste encantador fenômeno. Pergunta: de alguma forma,
isto fará com que ele tenha a mesma experiência visual que eu? Não. No máximo
ele abstrairá que algo interessante ocorre no céu, mas em princípio não posso
falar do azul, do púrpura ou do amarelo para quem não pode ver as cores.
Isto não deve nem deveria me aborrecer e eu não consideraria
algo pessoal que tal pessoa com tal limitação me dissesse que não consegue
acompanhar minha descrição.
Seria insensato da minha parte agir assim.
Infelizmente, é assim que HPB, em certos trechos, age; ou,
como eu e Flavio suspeitamos, Leadbeater e Annie Besant agiram e incluíram no
texto suas posições como se de HPB fossem.
Como comentei aqui, esta edição não é aceita em Adyar, na
Índia, sede internacional da ST, segundo me informaram alguns leitores do blog.
Considerando que o que é esotérico hoje deve ter sido
ciência em outra época e, como tal, foi concebido a partir de esforço
intelectual e experimental por décadas e décadas, querer que a ciência desta
época e desta cultura faça um salto de bota de sete léguas, passando por cima
de etapas essenciais à consolidação de um conhecimento é uma demonstração de
uma surpreendente ignorância sobre a natureza humana, a ciência, e suas
limitações, que desembocam no método científico que, se é lento, pelo menos
garante conclusões e descobertas fundamentadas e confiáveis.
De qualquer maneira, esoterismo e ciência ortodoxa têm
caminhos diferentes e não podem lançar pontes um para o outro todo o tempo.
São como duas senóides deitadas que ora se aproximam e ora
se afastam, sem nunca se tocar.
Pontes entre as duas só são possíveis nas regiões próximas,
não nas distantes.
Aparentes similaridades entre estes dois caminhos, que não
são paralelos como visto, não devem fazer crer aos incautos que estas duas
oscilações são a mesma e única.
Não são. E é bom que seja assim para permitir mais beleza
pois quem conhece acústica sabe que o mesmo som, ininterrupto, pode se tornar
desagradável e até menos perceptível pelo fenômeno de fadiga dos chamados receptores
fásicos, como os ouvidos; mas, dois, ou mesmo três sons diferentes, desde que
harmônicos, podem gerar uma ressonância muito agradável, como se vê nos acordes
musicais.
Esta diferença entre linhas de investigação é, portanto, não
só natural, mas saudável e enriquecedora, e querer à força ver ligações entre
ambas é, a meu ver, um esforço desnecessário e pouco produtivo. São ligações
perigosas e inúteis. Mantidas as característica de cada linha de trabalho, de
cada saber humano, a riqueza estará justamente nesta heterogeneidade e nas
possíveis ressonâncias que poderá gerar, produto não da igualdade , mas exatamente
da diferença entre ambas, como os acordes do piano.
Hoje, quando alguns "iluminados" montam cursos que
beiram o charlatanismo, mas mesmo assim bastante frequentados e caros, aonde
mostram uma suposta semelhança entre a física quântica e o misticismo, repetem-se
no início do século XXI esforços semelhantes ao de HPB, descritos neste trecho
da DS, no século XIX, os quais só demonstram uma falta de compreensão de como
funciona a ciência e o próprio esoterismo em si.
Como a ciência não tem dogmas e seu tecido constitutivo é
instável e vivo, não pode servir de trampolim sólido para os vôos de
mentalidades dogmáticas.
Só esoteristas que pensem como cientistas podem ajudar o
esoterismo a sair desta apatia em que se encontra fazem dois séculos, repetindo
seus axiomas, sem se esforçar para demonstrá-los, ou dar-lhes uma aplicação
prática e compartilhável, exatamente o que a ciência faz com suas descobertas,
que redundam em melhores condições de vida objetivas e subjetivas.
Mesmos os críticos do mundo moderno deitam, e gostam disto, em colchões e
travesseiros de espuma sintética, produto da ciência contemporânea, e vão de
palestras em palestras as mais metafísicas em automóveis confortáveis e
informatizados, ou em bicicletas feitas de avanços metalúrgicos recentes, mais
resistentes e mais leves.
Discutem em seus aparelhos celulares de última geração o
quanto a ciência é podre e refratária ao esoterismo e citam exemplos colhidos
nos telejornais da noite, assistidos em televisores de alta definição
produzidos por laboratórios em todo o mundo, para todas as pessoas.
Não sou, embora possa parecer, um ingênuo adorador do deus
científico, porque na verdade, ninguém ligado à ciência o é. Todo cientista é,
por definição, um iconoclasta, capaz de jogar sem piedade tudo que acreditou
nos últimos vinte anos no lixo desde que alguém prove, de forma irrefutável,
pelo menos no momento, que estas crenças estavam erradas.
Mais: ciência não é religião, mas um esforço de busca da compreensão,
não mais do que faz as coisas serem como são, mas sim do como estas coisas são
como são. Se pudermos saber o porque destes fenômenos isto será um bônus a
mais, mas fazem décadas a ciência, bem como a filosofia, colocaram de lado a
busca pelos chamados fundamentos últimos, admitindo que esta é uma busca pouco
produtiva ou pragmática.
A ciência tem fidelidade, não aos fatos, ou aos seus enunciados, mas aos critérios
que norteiam a interpretação destes fatos, o chamado método científico, o qual
seria muito útil no trabalho esotérico.
E por isso o tecido da ciência é instável e muda de acordo
com a mudança do conhecimento.
O esoterismo bem que poderia aprender com isso e dedicar-se
a verificar a si próprio, testando as suas afirmações na vida prática e não
querendo ensinar cegos a verem o arco íris.
A única escola esotérica que propôs este tipo de atitude, a
vinculação entre o conhecimento esotérico e vida cotidiana, foi a AMORC.
É isso que a distingue como uma escola esotérica pronta para
o século XXI, se não abandonar os princípios que a fizeram um farol na história
da sociedade humana, no século XX.
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