por Mario Sales, FRC,SI,CRC 18°
Coronel
Olcott ao centro
HPB
A Sociedade Teosófica (S.T.) foi fundada em
Nova Iorque, E.U.A., em 17 de novembro de 1875, por um pequeno grupo de
pessoas, dentre as quais se destacavam uma russa e um norte americano: a Sra.
Helena Petrovna Blavatsky (HPB) e o cel. Henry Steel Olcott, seu primeiro presidente.
Em 1878 o cel.
Olcott e a Sra. Blavatsky partiram para a Índia. Em 3 de abril de 1905, foi
estabelecida legalmente a sede internacional da S.T. no bairro de Adyar, na
cidade de Chennai (antiga Madras), estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, onde
permanece até hoje.
A essência da ST são as obras literárias de HPB e, entre estas, a Doutrina Secreta(DS).
A essência da ST são as obras literárias de HPB e, entre estas, a Doutrina Secreta(DS).
Na DS, HPB não apresenta
nenhuma demonstração ou comprovação de suas afirmações. Nem precisaria.
A DS é um texto de fé.
A DS é um texto de fé.
Como já comentei, é preciso ao menos crer na
possibilidade de realidade daquilo que ela relata, antes de se envolver com seu
estudo.
Sua chamadas "revelações" só o são para determinado tipo de
pessoas, os chamados esoteristas e iniciados.
Estes, no entanto, como mostraremos, não necessitam de nenhuma prova,
de nenhuma evidência. Se reconhecem, em seus corações, a veracidade do que lêem,
para eles isto já é prova suficiente.
Mesmo assim HPB desejava segundo suas próprias palavras, que seu texto
supremo rivalizasse com textos científicos da época. Só que este propósito, já
disse, e correndo o risco de ser cansativo repito, era e é descabido.
Os que acreditavam e acreditam no que ela diz não necessitam de provas
para crer; e os que não crêem, jamais acreditarão em afirmações não
demonstradas e/ou comprovadas.
Esoteristas têm uma complacência infinita com textos esotéricos, mas é
preciso observar que existem, do ponto de vista esotérico, textos e textos.
Existem por exemplo, aqueles textos de características declaradamente
religiosas, descrevendo um mundo além deste mundo, sua natureza, suas
características.
São dessa forma o Bardo Todol, o Livro dos Espíritos, as visões de
Svendenborg e os livros de Jacob Boheme.
Tais relatos não se propõem fundamentados em fatos do cotidiano, mas
querem dar conta exatamente de algo além do cotidiano, crenças provenientes de
interpretações e visões pessoais de seus autores com apoio e origem em
tradições locais. Nenhum texto religioso tem qualquer intenção de ser científico de modo ortodoxo,
e assim se consideram verdadeiros, independente de quaisquer demonstrações.
Existem sempre aqueles, no entanto, que querem transformar crenças dogmáticas
em axiomas lógicos ou em base para o conhecimento de certeza, mesmo passados 24
séculos desde que os gregos distinguiram, com brilhantismo, os conceitos de
doxa e epistéme.
Os cristãos católicos romanos, praticamente até o século XIX, impuseram
suas interpretações do mundo e do real à sociedade ocidental e aos próprios
cientistas, perseguindo alguns, matando outros, de modo a fazer prevalecer sua
noção de verdade.
Do século IV até o século XIX DC, crenças religiosas autonomearam-se
certezas, produto de reflexões. Nesta linha de trabalho, Universidades inteiras
baseavam seus trabalhos intelectuais nos textos bíblicos, não em informações
originadas no empirismo ou na matemática. O objetivo de um religioso tradicional
sempre foi adequar o real à sua crença, ao contrário do cientista que adéqua
sua crença ao que o real lhe informa.
Ludwig Feuerbach
Mesmo assim, as "certezas religiosas" entraram pelo século XX
enfrentando o desafio da cientificidade, que desde o século XIX, com Feuerbach[1], Marx,
Nietzsche e Augusto Conte romperam filosófica e psicologicamente o elo entre
conhecimento religioso e laico. Ao final do século XIX, qualquer movimento que
quisesse reputação deveria ser capaz de realizar a reunião destes dois mundos
que se afastavam, em alta velocidade.
Augusto
Conte
Vemos assim algumas iniciativas que, sendo de fundo religioso, do mundo
da crença, tentam travestir-se de empreendimentos científicos, do mundo da
reflexão, quase como em uma tentativa de melhorar sua aceitação em um ambiente
que pouco a pouco se tornava mais cético e materialista.
O lema da Escola Teosófica, "Não há Religião Superior à
Verdade" , é um exemplo desta estratégia. [2]
O que a Escola de Adyar propõe é que suas informações são científicas,
mas que serão refutadas pela ciência ortodoxa por puro preconceito.
Dr. Archibald Keightley
Na verdade,só um leigo acharia que a refutação científica é uma
demonstração de preconceito. Não há maior demonstração de respeito por uma
teoria científica do que a tentativa fundamentada e bem aparelhada de sua
refutação pois tudo em ciência é refutado e refutável, todo o tempo,
principalmente se for um postulado construído dentro de um modelo científico
ortodoxo. É exatamente a refutabilidade de um postulado que o torna científico.
O que não pode ser criticado e , eventualmente, refutado, não é um postulado
científico, mas dogma. E os dogmas são assunto de religiões, não da ciência.
Na época que HPB publica a DS, 1888, esta abordagem epistemológica onde
tudo é suspeito até prova em contrário ainda ganhava força e pelo que eu e
Flavio vimos no chamado "Apêndice" do IIº Volume da DS,(que na
verdade vem a ser maior em tamanho do que o texto principal do IIº Volume em
si), a ciência era altamente especulativa e pouco calcada no experimentalismo.
Cética em relação a tudo que, mesmo de leve, lembrasse a religião, da
qual agora, no século XIX, se afastava como o diabo da cruz, ainda era uma
comunidade científica com poucas informações e muitas teorias e discursos.
Sendo isto o que havia na época, HPB achou que poderia entrar no debate
científico da mesma maneira, com afirmações bombásticas e uma pena enfurecida e
que, com isso, ocuparia um espaço no debate científico da época.
Não foi assim. Teosofia Blavatskyana não é, e nem nunca foi ciência,
mas sim um saber fundamentado em crenças, em tradições culturais e em fé.
Sua mais importante contribuição ao esoterismo foi mostrar que existe
sim uma cultura única por trás de todas as culturas, e que a aparente
diversidade tem pontos de conexão que nos fazem ao menos suspeitar que sejam
produto da mesma cultura, uma cultura planetária, que produziu pirâmides na
América Central e nos desertos do Egito, bem com em regiões subaquáticas do
Japão.
Ela tentou também pelo que lemos até agora, uma síntese de todos os
símbolos de várias culturas, mas este esforço continua até hoje sem que se
tenha chegado ainda a um consenso.
Carl
Gustav Jung
Carl Gustav Jung também tinha a mesma ambição quanto aos símbolos
humanos, e também não conseguiu seu intento. Eventualmente este tipo de síntese
cultural será conseguida, mas falta-nos ainda tecnologia e informação para
preencher os espaços em branco antropo-arqueológicos.
Dalai
Lama
Isso não tira o mérito de HPB de ter tido a iniciativa.
Não havia à sua época uma visão planetária em relação à humanidade. Os
povos eram heterogêneos e misteriosos uns para os outros. O tempo e o avanço
das comunicações interplanetárias derrubaram muitos dos véus que existiam
naquele século e como exemplo, o homem tibetano, (infelizmente graças a
brutalidade e ao imperialismo chinês, que tornou o Dalai Lama um fugitivo e
matou milhares de monges), foi trazido forçosamente ao convívio internacional.
Max
Heindel
O trabalho e o esforço de HPB na DS, acredito, deve ser valorizado como
a primeira tentativa de mostrar que o que chamamos esoterismo é na verdade o
eco de outras culturas, de outras visões de mundo.
A DS, óbvio, não esgota o assunto, claro, já que é trabalho para muitas
mentes, mas propõe uma linha de trabalho que está longe de ter sido
adequadamente continuada pelos seus seguidores.
Henrique José de Souza e sua
esposa Helena Jeferson de Souza, a "parelha manúsica"
As rupturas dentro do movimento após sua morte, com Besant e Leadbeater
em Adyar, Rudolph Steiner na Alemanha, com a Antroposofia, ou Max Heindel,
teosofista americano de origem dinamarquesa, criador da Fraternidade
Rosacruz, (uma escola que, apesar de seu nome grandiloqüente, na verdade tinha
os dois pés fincados na tradição blavatskyana), ou a Eubiose em solo
brasileiro, de Henrique José de Souza, nenhuma delas produziu uma continuação do esforço real de
HPB, que era catalogar o conhecimento esotérico em uma única obra e doá-la ao
mundo.
Rudolph
Steiner
Este esforço, ambicioso, já de per si mereceria aplausos e realmente
não entendo a obsessão, a meu ver desnecessária, de HPB, em conseguir um status
científico para este trabalho, o qual nunca foi produto da ciência, mas segundo
ela mesma relatava, consequência de narrativas de três grandes mestres invisíveis
a maioria dos mortais, da Fraternidade Branca, conceito e entidade apresentados ao mundo não iniciático também por ela.
Seu texto era e sempre será um texto esotérico notável, como outros que
a precederam.
E o que é um texto esotérico? Vejamos.
Podemos a meu ver dividir os textos esotéricos em essenciais ou
compostos. Os esotéricos compostos, por sua vez, podem ser de três tipos:
magistas, místicos e, como já comentamos, os religiosos.
Os esotéricos essenciais são aqueles que não tem intenções outras a não
ser reportar informações de outras eras e povos. Ele não ensina técnicas, ele
não faz longas discussões sobre a natureza da divindade.
A DS é um texto esotérico essencial, sua função é revelar ao mundo a
existência de um outro plano de existência, aonde energias desconhecidas atuam
e desenvolvem transformações e evoluções paralelas a esta do mundo hodierno. A
DS não oferece meios para se atingir este mundo. Apenas o aponta e diz:
"-Está Lá", e ponto.
Agora vejamos os compostos, magistas, misticos e religiosos.
Como exemplo de livros esotéricos Magistas eu cito Dogma e Ritual da Alta Magia
de Eliphas Levi, o Tratado Elementar de Magia Prática de Papus, as narrativas
sobre cabala prática, que infelizmente estão dispersas estrategicamente em
monografias que ainda não foram reunidas em um tomo organizado. Ali são dados
meios e fórmulas pelas quais conseguir certos efeitos que transcendem as leis
deste Universo, na realidade ao nosso redor.
Os esotéricos místicos são aqueles que buscam a integração com Deus,
seja qual for o nome que ele receba na tradição em questão, e visam ministrar
ensinamentos que afastem a ilusão da distância entre o Todo Poderoso e o
indivíduo que lê este texto. São exemplos o Bhagavad Gita, os Quatro Evangelhos
Cristãos, e mesmo as Sutras Budistas se bem que em Budismo esta categoria, a de
uma entidade superior, é desnecessária ao processo de Iluminação do praticante,
mas as consequências são semelhantes. Neste tipo de livros esotéricos existe um
forte componente didático. A intenção primordial é mostrar o caminho, ou
melhor, um caminho que leve a fusão com a plenitude.
Já como textos esotéricos religiosos podemos relacionar o Corão, a
Bíblia Judaica, no caso a Torah, ou os registros escritos do Kojiki e Nihon Shoki,
nos séculos VII e VIII, que mais tarde transformar-se-ão na base da religião
Xintoísta.
Talvez sobre estes textos possa se dizer que são as tábuas de cada
nação, de que Nietzsche fala em Genealogia da Moral. Nestes escritos
encontramos, via de regra, normas de comportamento e conduta que constituirão a
ética de uma religião.
Friederich
Nietzsche
O certo é que, seja qual for o tipo de texto esotérico, nenhum deles
tem qualquer pudor científico, ou seja, afirmam-se como expressões da verdade
independente de quaisquer demonstrações. Repetindo: o curioso é que
principalmente textos esotéricos religiosos gostem de se apresentar como
produto de reflexão e não da fé ou crença. As crenças são certezas, do tipo que
só religiosos possuem. Cientistas ao contrário, vivem mergulhados na dúvida e
por mais elegante que seja seu postulado ele estará sujeito a ser destronado se
fatos novos surgirem no horizonte dos acontecimentos.
Esta é a verdadeira humildade científica, jamais supor que saiba tudo
sobre todas as coisas pois esta onisciência seria o próprio fim da ciência em
si.
A DS, equivocadamente, quer ser um livro de ciência desde suas
primeiras páginas, quando na verdade poderia encaixar-se no modelo de livro
esotérico essencial.
Suas narrativas são indemonstráveis, inverossímeis, e dependem, como eu
disse , da crença de quem as lê; não há nem o conforto de um suporte matemático
em suas afirmações.
Sim , por que a ciência ortodoxa também tem teorias e postulados
indemonstráveis na prática, como por exemplo aquelas teorias referentes à
natureza e dinâmica dos buracos negros. Ninguém, que se saiba, chegou perto de
um o suficiente para confirmar as projeções teóricas sobre ele, mas estas
projeções nascem e se sustentam em cálculos matemáticos complexos e rigorosos e
da análise crítica criteriosa dos dados observacionais disponíveis. Não se
trata de uma informação que surge de modo gracioso.
Antes de se tornar pública, foi objeto de análises e ataques
sistemáticos e se for uma informação séria e bem fundamentada, passará por
estes ataques incólume. Nada há de agressivo nisso, não é uma questão pessoal
contra o cientista que propõe a tese. Isto é o método científico em
funcionamento. Todo postulado científico, toda teoria é atacada de todos os
modos possíveis , permanentemente, de forma a que, enquanto resistir a estes
ataques teóricos, se mantenha como paradigma.
Portanto, como já disse, a DS em momento algum tem qualquer
característica de proposta científica, antes de tudo porque lhe falta o cuidado
demonstrativo que qualquer trabalho científico tem que ter. Ao ler a DS seja
qual for nossa motivação para isso, estamos às voltas com uma narrativa que, (ao
contrário das Estâncias deste desconhecido livro de Dizyan, que tem um forte
caráter metafórico, poético e simbólico), compõe-se de um conjunto de
afirmações de sua autora baseadas em textos que, de maneira ortodoxa, nem ela
mesmo consultou. Indagada certa vez sobre o sem número de referências que cita,
em como as teria consultado, relatou que apenas fechava os olhos e os textos
vinham a sua mente e ela os redigia a partir desta visão.
Foi assim que HPB redigiu a DS.
É bom lembrar que eu e Flavio somos esoteristas rosacruzes. Por muitas
vezes, por sermos esoteristas, dedicamo-nos a leitura de textos que descrevem o
indescritível, mundos e visões improváveis, como a visão de Ezequiel, o trecho
mais hermético da Bíblia Judaica e base do Misticismo Merkavah, a proto-cabala.
Bíblia ou a Torah, com certeza, não querem ser livros científicos, mas,
isto sim, esotérico-religiosos segundo minha própria classificação, os quais sustentam a
fé judaica e outros tipos de fé, há séculos.
Suas afirmações são afirmações no contexto da fé, onde provas , se elas
forem necessárias, como já disse, estarão no coração de quem a lê.
Na verdade, nenhum leitor de um texto esotérico religioso vai ao livro
em busca de provas, mas sim de inspiração. Não lhe interessa se o que está ali
é ou não demonstrável, mas sim se ao ler aquelas linhas seu ser se regozija e
se rejubila e ele reconhece valores harmônicos com suas crenças. O que não quer
dizer que não existam aqueles que por insegurança ou por ignorância do que signifiquem
critérios científicos, queiram dourar a pílula da fé com o ouro da
cientificidade, sem sucesso, já que um é óleo e o outro é água. Ou aceitamos a
priori, como plausíveis e interessantes os fatos descritos na DS ou nem
começaríamos a lê-la, quanto mais continuar neste esforço de leitura de um
texto tão obscuro, e, no caso desta edição em particular, pessimamente
traduzido por Raymundo Mendes Sobral. Portanto, a DS não é, e nem deveria
tentar ser um texto de características científicas, mas sim, antes de qualquer
coisa, um texto que demanda fé de quem o lê, nas coisas que ele afirma.
[1] Ludwig Andreas Feuerbach (Landshut, 28 de julho de 1804 — Rechenberg, Nuremberg,13 de setembro de 1872)
[2]
Este é o lema da
Sociedade Teosofica, o qual foi traduzido do sânscrito – Satyam nasti para Dharma. A palavra Dharma
foi traduzida como religião, mas também significa, entre outras coisas, doutrina,
lei, dever, direito, justiça, virtude. Portanto, em sentido amplo, o lema da
S.T. afirma que não há dever ou doutrina superior a verdade.
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