Por Mario Sales
“Fico muito preocupado quando converso com um Frater ou uma sóror no qual diviso uma fascinação e um encantamento com assuntos esotéricos vagos e imprecisos. Principalmente se esse Frater ou esta sóror tem já alguns anos de Ordem. Na sua falta de clareza de objetivos, na falta, portanto, de objetividade, antecipo que fará pouco progresso como místico ou como esoterista. Não que, na minha opinião, o estudante rosacruz não deva se comportar como um enciclopedista e ter interesse em várias áreas do conhecimento esotérico. O que me preocupa é quando este conjunto de informações não parece trazer uma melhoria real a sua qualidade de vida, transformando-se em um peso a mais em sua existência, uma erudição inútil e pedante e não uma alavanca para desfazer os obstáculos que, eventualmente, todos enfrentamos.”
Trecho de “Precisamos de Mais Objetividade”, ensaio publicado em 13 de maio de 2011
"Da mesma maneira que o inconsciente influencia o consciente e subjetiviza o que parece extremamente objetivo, do mesmo modo nossos pensamentos e a educação psicoterapêutica ou o processo iniciático verdadeiro, como já discutimos antes, podem nos ajudar a objetivizar o subjetivo no inconsciente e modular e melhorar o desempenho de nosso subconsciente".
Trecho de “Objetivo x subjetivo, consciente x subconsciente”, ensaio publicado em 12 de novembro de 2011
Esse tema retorna a minha mente de forma insistente, como se
eu nunca o tivesse considerado, como se algo ainda houvesse a ser escrito sobre
ele.
Pelo trecho em epígrafe fica claro que não é assim. O que
parece é que a questão não se resolve e, às vezes mesmo, parece ter se agravado
com o passar do tempo.
Oito anos atrás, quando escrevi aquele ensaio, eu achava que
pudesse encarar a questão das mentes desordenadas em relação aos seus dons
psíquicos e intelectuais como algo pontual, inevitável em meio a
heterogeneidade de tipos e personalidades-alma que habitam este planeta. Como
se sabe, a única semelhança entre os seres humanos é serem todos diferentes uns
dos outros. Uns mais capazes, mais lúcidos, outros não. Uns mais convictos e
outros destruídos pela incerteza.
Hoje não posso dizer que um esforço na tentativa de pelo
menos amenizar a questão, tenha sido colocado em prática.
Eu me refiro apenas à AMORC, não
ao Martinismo nem a Maçonaria.
Tenho a impressão que uma ordem
atemporal, universal, que recolheu conhecimentos de várias culturas e civilizações
ao longo de séculos tem uma bagagem e uma densidade de informações que precisam
de uma mente no mínimo disciplinada para serem digeridas, absorvidas,
consolidadas dentro do espírito. São temas que demandam sensibilidade, sutileza
de pensamento e compreensão de conceitos demasiado abstratos para serem
tratados com superficialidade.
Por isso é importante, principalmente
nas coisas do espírito e do conhecimento espiritual, uma dose extra de
objetividade.
E quando se fala em objetividade
no espírito implicitamente estamos falando de organização emocional, de
sentimentos esclarecidos e de uma mente equilibrada.
Não se pode ter a serenidade
necessária para procedimentos de compreensão que solicitam um esforço mental continuado
se não estivermos pelo menos emocionalmente equilibrados. Pensar bem não é
apenas consequência de uma formação intelectual demorada, mas de um processo de
amadurecimento pessoal que contemple o indivíduo com virtudes como paciência,
com as dificuldades e consigo; uma vida pessoal estável onde as necessidades afetivas
estejam supridas, ou pelo menos elaboradas; e, finalmente, clareza de objetivos
quanto ao que se pretende com o estudo de assuntos místicos.
AMORC não enfatiza este aspecto
embora, “in passant”, se refira ao tema em algumas monografias.
Os livros deixados por Spencer
Lewis focam mais nestas questões. Sempre comento neste espaço o último capítulo
de “Princípios Rosacruzes para o Lar e para os Negócios” intitulado “O
Esqueleto no Armário”, expressão norte americana para os problemas ocultos e
não resolvidos.
Neste capítulo, Lewis lembra que
antes de empregar as técnicas de visualização criativa e de desenvolver a
habilidade de entrar em modo receptivo quanto às inspirações intuitivas,
precisamos ter a nossa parte psicológica devidamente equilibrada, e isto não é
uma questão mística, mas psicoterapêutica por vezes.
Sem esta condição previa de, dentro do possível, ter seus sentimentos pessoais, suas inseguranças, seus
problemas de relacionamento com as pessoas e com a sociedade resolvidos, ou ao menos encaminhados, a
prática da arte mística é duramente prejudicada. Muitas vezes, o “chamado” de
que sempre falamos, quando um indivíduo sente interiormente que deve se
associar a uma ordem esotérica tradicional como AMORC, não é na verdade um
chamado autêntico, mas apenas a expressão de uma curiosidade mórbida acerca do estranho
e do obscuro, curiosidade esta que logo se verá decepcionada pela falta de
acontecimentos de caráter espetacular e circense, digamos assim, por longo
tempo em sua afiliação.
Está em Mateus 13:20-23 “O que foi semeado em pedregais é o que
ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo,
antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição, por causa da
palavra, logo se ofende; e o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a
palavra, mas os cuidados deste mundo, e a sedução das riquezas sufocam a
palavra, e fica infrutífera; mas, o que foi semeado em boa terra é o que ouve e
compreende a palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro sessenta, e outro
trinta.”
É fundamental ao místico ter “raiz
em si mesmo”, não ser suscetível aos “cuidados deste mundo” além de ter
serenidade para atravessar os períodos de “angústia e perseguição”.
É esse aspecto subjetivo da
personalidade que destrava nosso cérebro e nos permite absorver adequadamente noções
e informações que nos serão úteis no cotidiano.
A memória, nós médicos sabemos de
há muito, é duramente afetada pela tensão, pela ansiedade.
Angústias e perseguições fazem
parte da existência, e nossa capacidade de atravessar a tormenta com equilíbrio
vem de nossa serenidade psicológica, não necessariamente de qualquer dom
espiritual.
A mesma serenidade que se desenvolve
pela meditação verdadeira, aquela que esvazia a mente de preocupações e que
desfaz os fantasmas da dor e do fracasso.
Esta é a parte subjetiva de nosso
comportamento objetivo.
É a gramática do inconsciente, como chamava Sigmund
Freud, que devemos considerar com tanta seriedade quanto a nossa espiritualidade
e fé em Deus.
Estas são as minhas reflexões de
momento. Muito mais pode ser dito, mas deixo a critério de cada um e de suas
meditações descobrir outros aspectos deste complexo relacionamento em nós do
nosso corpo com o nosso espírito. Espero que sejam bem-sucedidos nesta busca
deste Santo Cálice, que os rosacruzes chamam de “Paz Profunda”.