Por Mario Sales
Infelizmente quando falamos, falamos com nossa boca.
Os que nos ouvem, ouvem-nos com seus próprios ouvidos. Por
causa desta simples constatação, não é possível uma comunicação sem equívocos,
sem enganos, sem mal-entendidos.
As palavras são seres de comportamento instável.
Se estão sós, comportam-se através de suas significações.
Quando acompanhadas, assumem conotações que as modificam, as
enriquecem e multiplicam seu sentido ou sentidos.
Nesse aspecto, palavras e pessoas são idênticas. As influências
dos que nos circundam nos modificam e seria triste e lamentavelmente limitante
não termos os outros para mudar nossas compreensões, desafiar nossos padrões,
contestar nossas crenças.
Vivemos para modificar os outros, nos modificar e sermos
modificados.
A modificação não é, necessariamente, evolução, mas toda
evolução é, com certeza, uma mudança.
Portanto, se nos voltarmos para o papel do diálogo, do falar
e do ouvir, da mesma maneira encontramos este confronto de contrastes entre narrativas,
descrições, interpretações, que ao se encontrarem, aí sim, necessariamente se
modificam e se adaptam.
Existe a nossa fala, na nossa privacidade, nos nossos
solilóquios. E existe outra fala, a fala possível diante do outro, aquele que
nos intimida ou inspira, que nos motiva ou constrange, se bem que, certas vezes
o que nos inspira também nos embaraça ao mesmo tempo.
Esta é a descrição do complexo fenômeno do diálogo, que
julgamos ingenuamente tão simples e que esconde sutilezas e mistérios tão
profundos.
Somos incapazes de acompanhar em tempo real a alquimia dos
sentidos da nossa fala e das nossas compreensões. E assim, diante do
desconhecido, devemos nos recolher a nossa humildade e aceitar nossa incapacidade
de manter sob controle todas as coisas que nos sucedem, ou que sucedem ao nosso
discurso, à nossa fala.
Nossas palavras, uma vez pronunciadas, não são mais nossas; pertencem
aos ouvidos de outros, das pessoas que nos ouviram e sabe lá o que e como compreenderam
do que dissemos.
Imagine então nossas ideias, descritas por nossas palavras.
O que sabem os outros de nossas crenças?
O que de fato conseguimos transmitir das imagens que vão em
nossa mente, dos conceitos e valores que abraçamos?
Existe entre nós hinduístas uma prática chamada o ensinar
pelo silêncio.
Certos mestres são capazes de ensinar apenas com sua
presença, sem pronunciar qualquer som, qualquer silaba. Isso é belo e
transcendente.
Quem sabe será o próximo passo da evolução? Quem sabe, no
futuro, como os amantes e os apaixonados, saberemos o que vai no coração do
outro sem necessidade de diálogos ou explicações, mas apenas pela percepção do
olhar do outro, ou por uma contração na pele?
Isso, no entanto, dependerá de avançarmos no relacionamento
entre todos nós, de forma a que nos amemos da mesma forma, todos nós, membros
da raça humana.
E o amor, o verdadeiro, não é algo dado, mas uma conquista,
uma mudança e uma evolução, a manifestação de um estado de refinamento que
ainda não temos, mas tenho esperança, conheceremos um dia, todos nós,
mergulhados neste contexto de relacionamentos.