por Mario Sales
“Examinem
alguns fragmentos de pseudociência e encontrarão um manto de proteção, um
polegar para chupar, algo a que se agarrar. E o que nós (cientistas) oferecemos em troca? A
incerteza, a insegurança.”
Isaac Asimov
Tenho orgulho de minha ordem, tanto pela sua história quanto
por seu esforço secular em busca da preservação de um conhecimento que, não
fosse isso, teria desaparecido nas areias do tempo.
Principalmente me envaideço de participar da mesma Ordem que
homens de visão como Lavoisier, Renée Descartes e Isaac Newton também
participaram.
Se bem que a Ordem é aquilo que todos os seus membros são,
seu prestígio sempre foi aquilatado pelos mais nobres entre nós. Seja pelo
aspecto espiritual ou pelo científico, pelo aspecto místico ou filosófico.
Talvez por isso, por tentar espelhar esses nobres
representantes do pensamento ocidental, minha tristeza seja tão grande ao ver o
obscurantismo invadir nossas confrarias, disfarçado de esoterismo e de
mistério.
O fenômeno é compreensível. É mais fácil para um racionalista
e materialista distinguir entre mito e realidade, apegar-se ao comprovável, ao
verificável, e não às impressões subjetivas. Mesmo alguns psicólogos tentam evitar
a subjetividade, tentando escapar sob a égide do behaviorismo, da interpretação
da mente sob o ponto de vista de conceitos como consciência e vida interior.
Embora Skiner, pai do comportamentalismo, não goze mais do prestígio que já
conheceu, seus experimentos são deveras interessantes, se bem que, na minha
opinião, generalizar conclusões sobre o comportamento humano a partir de testes
de condicionamento com animais, como ele o fez, é inadequado frente a
complexidade humana.
Rosacruzes estão, ao contrário, mergulhados no subjetivismo
até os cabelos. E, ao contrário dos budistas, não tem a mesma disciplina e
treinamento mental que deveriam ter.
Hoje somos uma legião heterogênea de personalidades, que tem como única semelhança entre si a curiosidade. Não há nos nossos estudos nem
mesmo um filtro, um critério de separação entre conhecimentos significativos e
aqueles que não trazem nenhuma contribuição séria a consolidação do espírito.
Embora Spencer Lewis tenha feito um gigantesco esforço para
dar direção experimental ao trabalho rosacruciano no século passado, bastou duas
décadas para que esquecêssemos de suas recomendações, aposentássemos nossos
laboratórios, tornados apenas uma lembrança desde a morte de George Buletza,
responsável pelo departamento de pesquisas da antiga Suprema Grande Loja, na Califórnia.
Hoje dedicamo-nos, tanto nas monografias como na Universidade Rosacruz Internacional, apenas ao que não implique experimentalismo estrito senso,
como as ciências humanas, que não demandam estruturas de pesquisas dispendiosas
e mesmo assim não perdem o status de cientificas.
O mais perto que chegamos do positivismo sonhado por Lewis é
a arqueologia, área em que não temos um investimento direto, mas com a qual
dialogamos com frequência.
Ao contrário, talvez por influência do trabalho da Tradicional
Ordem Martinista, que diferente da AMORC é uma ordem de caráter declaradamente
cristão, vejo muitos fratres e sorores confundirem rosacrucianismo e religião.
Isto, no entanto, não seria grave, caso não significasse uma
porta de entrada para o obscurantismo.
Enquanto a fé une o homem ao Altíssimo, desenvolve sua sensibilidade
as coisas do espírito, ela é uma forte aliada do místico. Quando, entretanto,
fé implica desconfiança e mesmo menosprezo pela ciência, pelo esforço de
conhecer, através de um método consagrado de verificação passo a passo do que é
obtido pela experiência, nesse caso fé passa a ser algo perigoso e danoso ao
trabalho místico e esotérico.
Como disse antes, nosso ambiente é altamente heterogêneo e é
cômico pensar que algumas décadas atrás a Ordem nos convidava a comparecer aos
nossos corpos afiliados no intuito de encontrar mentes afins.
Hoje, nada é tão incorreto quanto isso. Nossas confrarias
podem ser qualquer coisa, menos homogêneas e harmônicas, mesmo com um aumento
substancial de discursos éticos em nossas reuniões, em detrimento de exercícios
mentais, termo que prefiro ao consagrado experimento.
Citei acima os budistas, e isto porque, envolto em um manto
de religiosidade, o Budismo é uma escola para a mente e para o aperfeiçoamento
do comportamento mental. Ou seja, tudo o que a rosacruz AMORC deveria ser.
Os budistas, com sua postura de respeito as evidências cientificas externas, ao mesmo tempo que respeitam as evidencias internas, provenientes de uma pratica meditativa persistente, causam inveja.
Os budistas, com sua postura de respeito as evidências cientificas externas, ao mesmo tempo que respeitam as evidencias internas, provenientes de uma pratica meditativa persistente, causam inveja.
É triste ver um irmão de Ordem de Newton, pai da mecânica,
valorizar informações que não tem sustentação ou fundamento. Ou fascinar-se
pelo discurso da CIENTOLOGIA, uma linha de autocondicionamento, de fundamento
behaviorista, como se a AMORC não tivesse fornecido elementos melhores e mais
elevados de melhoria da determinação e do desempenho mental.
Esta benevolência com tudo e com todos, conduta aliás que
não encontra reciprocidade em outros ambientes, fizeram os rosacruzes de AMORC,
dentro da ideia de tolerância, acatarem com entusiasmo tudo que não fosse
rosacruciano, mas que parecesse interessante, atitude que gerou em determinado momento uma intervenção administrativa
da Grande Loja, solicitando que os Grande Conselheiros e seus monitores
regionais ficassem mais atentos aos temas discutidos em ambiente de corpos
afiliados, filtrando com bom senso e sem censura, aqueles que fugissem ao
escopo da pratica rosacruciana ortodoxa.
Lembro-me, na época que exerci o cargo de mestre do
capítulo rosacruz da minha cidade, do desconforto do palestrante e de alguns
membros quando, cumprindo apenas o protocolo, citei que a fala do palestrante
não representava a opinião oficial da Ordem, sendo apenas a posição do
palestrante.
Além de abrirmos nossas portas para estudos não
necessariamente ligados aos nossos trabalhos, como por exemplo as revisões de
graus, lidamos algumas vezes com a arrogância daqueles que não compactuam com o
espírito de tolerância de nossa Ordem.
Isso infelizmente não é tudo.
Em tempos de crenças absurdas (como o medo infundado de
vacinas, responsáveis pela melhoria da saúde e pelo aumento exponencial da
população, ou do movimento que defende que a terra é plana, fazendo com que revirassem
de revolta em seus túmulos Copérnico e Eratóstenes de Cirene, que entre os
séculos III e II A.C. conseguiu estabelecer a circunferência do planeta com
grande precisão), os membros de AMORC não estão imunes a este obscurantismo
inexplicável em uma época aparentemente de tanto avanço tecnológico.
Tudo isso era, ao que parece, previsível, e Carl Sagan,
antes de morrer em 1996, já alertava que nos encaminhávamos para um terrível
paradoxo, que unia a ignorância do homem comum sobre os métodos e os conceitos
científicos contemporâneos com a alta tecnologia que caracteriza nossa vida
atual.
O homem moderno, como em outras épocas, tem medo.
Medo da miséria material, do sofrimento e da morte.
Medo da miséria material, do sofrimento e da morte.
Exatamente os três aspectos da existência que causaram forte
impacto no jovem Sidarta Gautama, mais tarde conhecido como o Buda.
O problema é que mesmo que a sociedade goze de uma riqueza e
um conforto que jamais conheceu, não extinguimos totalmente as disparidades sociais e econômicas, e bolsões de miséria e violência persistem, o que é hipervalorizado por espíritos
intelectualmente pouco elaborados, que consideram a exceção como regra.
Os rosacruzes de AMORC são membros da sociedade e como disse,
não estão isentos das dúvidas que assolam muitos espíritos, nem estão livres,
magicamente, de vicissitudes do próprio carma, como a doença, o sofrimento, a
dor.
Pessoas incultas ou imaturas creem em soluções fáceis e
rápidas para problemas complexos. Pior: supõem que as técnicas, que hoje parecem
simples, não foram objeto de dezenas ou centenas de anos de pesquisas, testes e
verificações, e tratam-nas como uma desconfiança descabida.
Alguns rosacruzes também.
Assim, estes rosacruzes confundem o estudo da Magia com o “pensamento
mágico”. Aceitam informações sem verificação e não são capazes de aplicar o
Ceticismo Metodológico instituído como técnica de aquisição de conhecimento pelo
Frater Renée Descartes. O esforço de Lewis, sua preocupação em destacar termos
como “técnica”, “confiança na experimentação e verificação de resultados” em
vez de fé cega, aos poucos de dilui.
Se lermos as monografias, alguns destes conceitos estão lá,
mas agora ocultos, misturados com fortes componentes religiosos. Um sinal disso
foi a mudança da primeira monografia do sexto grau de templo, que fazia referência
ao Buda e que agora faz referência ao Cristo. Embora não haja dúvida de que o
ministério de Jesus foi marcado principalmente pelos atos de cura, a função
desta introdução era marcar a importância do equilíbrio para a perspectiva rosacruz
de saúde, enquanto que ao citar o Cristo arranhamos perigosamente um dos três principais
universos religiosos do ocidente, dando margem a interpretações equivocadas,
como supor que a técnica rosacruz de terapia, esse legado tanto egípcio como essênio,
possa ter alguma conotação de caráter religioso e não essencialmente técnico.
Cristãos talvez não vejam assim, mas a AMORC não é formada
apenas por cristãos. Como sou hinduísta, vejo esta situação com muita clareza.
Não podemos, não devemos permitir que nosso corpo de
conhecimento dê margem a equívocos interpretativos o que é facilitado pelo discurso
que descuidadamente permite a confusão entre esoterismo e religião. Sendo como
é o Cristo um personagem de enorme importância na história da espiritualidade,
mas também base para várias linhas religiosas as mais díspares, a prudência
deveria evitar usá-lo como símbolo de nosso sistema terapêutico.
O medo e a insegurança geram a busca por estabilidade e
conforto psicológico, exatamente as duas coisas inexistentes na vida humana.
Estamos flutuando em cima de uma rocha suspensa no vazio do
espaço. Nada me parece mais instável do que isso.
Por outro lado, fisicamente somos finitos, fadados ao gradual
desgaste físico e ao envelhecimento, não só do nosso corpo, mas também de
nossos entes queridos.
Veremos morrer quem amamos além de também morrermos, na
carne. Não existe tal coisa como a estabilidade ou o conforto físico ou psicológico
permanente.
Descartes dizia que “tudo o que o homem faz é em busca da
felicidade”.
Discordo mais uma vez, pois na minha opinião tudo que
buscamos é a serenidade, e não a felicidade.
A felicidade, como descrita, é estável; a serenidade, dinâmica.
A felicidade é polar, um dos pratos da balança; a serenidade
é a própria balança.
É para esta vida tecnológica, insegura, instável e incerta
que a ciência nos prepara. Ela nos ensina a conviver em paz com a incerteza,
com a ignorância e com o fracasso, três das companhias mais constantes do
cientista. Só os religiosos e os ignorantes têm certezas; cientistas vivem
mergulhados na dúvida.
E isto os faz viver melhor.
O curioso é que esta dúvida, mãe da ciência e filha do
conhecimento, é considerada um defeito por aqueles que tem dificuldade para
pensar ou pensam com muita simplicidade.
ISAAC ASIMOV (1)
Como lembra Asimov na frase em epígrafe, o homem comum quer
algo para se agarrar, alguma certeza, e a ciência lhe dá apenas “incerteza e
insegurança”.
O místico moderno precisa recuperar o espírito alquímico,
experimental, paciente, perseverante. Devemos, nós rosacruzes, deixarmos as
igrejas e os templos e voltarmos aos laboratórios que abandonamos nas últimas
décadas. É lá, nestes laboratórios, com um trabalho persistente e paciente que
honraremos o todo poderoso, que prestaremos ao Deus de nosso coração, ao Deus
de nossa compreensão nossa homenagem com nosso labor e oração.
O que caracteriza o rosacruz de AMORC não é sua fé em Deus e
na espiritualidade, mas acima de tudo isso, o seu perfil de pesquisador do
Oculto, de investigador minucioso e criterioso dos fenômenos naturais,
porém incomuns, ligados as capacidades desconhecidas e por isso não
desenvolvidas em todos os homens e mulheres da humanidade. Nós temos dons
maravilhosos não manifestos, que em muito facilitariam nosso cotidiano se desenvolvidos
fossem. Esse é nosso objetivo, como Ordem. Isso, não devemos ou podemos
esquecer.
Muitos de nós pagaram com a vida seu amor a este
conhecimento, a essa busca, como foi o caso de Cagliostro.
Muitos perderam a vida mesmo tendo este conhecimento,
mostrando que ele apenas nos diferencia, mas não afasta de nós as atribulações
do carma, como no caso de Lavoisier.
A vida dos homens e mulheres é instável e insegura pela
própria natureza da sua fragilidade. Mesmo a existência da raça humana, como
lembra o físico Marcelo Gleiser, é um fenômeno raro e delicado, que representa
um acontecimento biológico a ser comemorado e preservado; mas segurança e conforto não é nossa característica.
Para usar uma frase comum na internet “tempos difíceis geram
homens fortes, homens fortes geram tempos fáceis (confortáveis); tempos fáceis
geram homens fracos.” É isso que estamos testemunhando, o surgimento de uma sociedade
infantil, mentalmente preguiçosa e por isso, perigosamente obscurantista,
olhando com desconfiança para a única razão pela qual atingimos este grau de
conforto e civilização: a ciência.
Esta situação me faz lembrar do Faroeste americano.
O pistoleiro de maior fama era exatamente o maior prêmio dos
pistoleiros menores. Quem matasse em duelo aquele que era o mais rápido, tornava-se
o mais rápido. Atacar a ciência é demonstrar sua importância como referência, e
mesmo os que a atacam gostam de usar expressões como “isto está provado” ou “isto
é científico”.
Perigosos tempos os nossos, como de resto foram todas as
épocas antes desta.
Nós, como rosacruzes, somos por definição “Portadores da
Chama”, “Guardiões da Luz”. E de que Luz estamos falando? A luz do
conhecimento.
Que nossas portas e mentes estejam sempre fechadas ao demônio
do obscurantismo e da ignorância.
Como todos os demônios, ele tem uma fala macia e promete
tesouros a quem lhe dá ouvidos.
Cuidado. Não existe prêmio para quem faz o Bem.
Servir à humanidade, e servir bem, já é a própria recompensa
de quem serve.
Lembremos desta fala: “Acautelai-vos contra a Ignorância, ela
é destruidora da Luz”.
(1) Isaac Asimov (em russo: Исаак Юдович Озимов; transl.:.: Isaak Yudavich Azimov; Petrovich, Russia Soviética, atual Russia, período entre 4 de outubro de 1919 e 2 de janeiro de 1920 — Brooklin , 6 de abril de 1992) foi um escritor e bioquímico americano, nascido na Russia, autor de obras de ficção científica e divulgação cientifica.
Serenidade que conhecemos como Paz Profunda!
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