Por Mario Sales
CARL SAGAN
Na fala via internet, na apresentação ao vivo, nem sempre
temos este tipo de controle.
Existe sempre a sombra do equívoco por trás do que se diz, o
perigo de ser mal interpretado ou, ainda, de ser corretamente interpretado e
ter um feedback não muito agradável com o qual tem que se lidar em tempo real.
Na fase em que estou ando avesso a discussões e debates.
Aliás faz anos que tais coisas me causam profundo tedio.
Aprendi que o debate pressupõe que eu posso convencer alguém
de algo que ele não quer ouvir falar.
Lembro-me nessas reflexões da frase de Lacan sobre relações romântico
amorosas em que afirma que amar é procurar “dar o que não se tem a alguém que
não quer receber”, o que transforma o exercício do relacionamento romântico em
um caos previsível e inevitável de sentimentos.
Os debates filosóficos são da mesma natureza. As pessoas
amam suas posições pessoais acerca dos vários assuntos que possam considerar,
sentem-se seguras em relação as suas conclusões e contrariá-las é causar
desconforto na maioria das vezes, é mostrar-se aparentemente hostil ao seu modo
de ser e por isso o antagonista filosófico deixa de ser um mero adversário de
ideias para se tornar um inimigo mortal, ou algo perto disso na vida social.
Isso é muito cansativo. Existem muito poucas pessoas que
anseiam por novas perspectivas da realidade, que concedem todo o tempo a outros
a possibilidade de mudar suas posições, desde que lhe apresentem argumentos
plausíveis acompanhados de preferência de demonstrações empíricas que os
sustentem.
Estão de cabeça aberta ao todo, claro que não tão abertas,
como advertia Sagan, com humor, que o cérebro caia, mas dispostas e ansiosas
para conhecer novos e enriquecedores pontos de vista.
A maioria dos seres humanos não é assim, infelizmente.
Abrigam em seus corações a pior de todas as crenças: de que
o mundo é estável e de que aquilo que é verdade hoje deverá continuar a ser
verdade amanhã.
Essa rigidez mental causa muito sofrimento para o próprio indivíduo
e para terceiros e é algo inadministrável, ela impede o fluxo dos fatos e da história,
o fluxo das ideias e das interpretações, e ausência de fluxo, como todos sabem,
é morte.
Indivíduos com posturas rígidas são sempre como zumbis
espirituais, mortos que caminham.
Viver é respirar, e respirar é desfazer-se do ar usado para
poder respirar um ar novo e fresco.
Ninguém inspira sem antes expirar, com desapego ao ar que se
vai, sem tristeza por sua partida.
Sem essa troca constante do velho pelo novo as coisas não continuam
a ser como sempre foram.
A eternidade, para ser eterna, se alterna.
Nenhuma propagação de onda viva é linear já que como
lembrava Mario Quintana, “a linha reta é um traço sem imaginação”.
Tudo pulsa, tudo vibra, tudo oscila.
E pessoas rígidas de pensamento tendem a desaparecer na
poeira, como troncos de árvore queimadas, mortas e escuras se desfazem com o
vento.
Conhecedor desses fatos, não tenho nenhuma atração pelo
chamado “debate de convencimento do outro”, embora esteja sempre ansioso por
descobrir posturas diferentes da minha.
Mas nesse caso as pessoas não precisam estar presentes. Seus
textos falam por elas.
Livros são bons interlocutores pois explicam calma e
detalhadamente seus pontos de vista sem que possamos interrompê-los em sua
exposição.
Os livros nos disciplinam, nos ensinam o silencio e atenção,
nos mostram como ouvir, quietos, outros pensamentos que não os nossos.
E assim podemos discutir com pessoas vivas ou não, sobre
suas posições e ideias de mundo, sem que haja qualquer risco de confronto neste
conflito.
Exposições presenciais não são assim.
E por isso acho que interromperei minhas contribuições nesse
sentido.
Minhas posições, eu as exponho aqui, no blog, desde 2010.
Alguns as considerarão relevantes, concordando ou não com
elas; outros, como é natural, rechaçarão meus argumentos, como descabidos, mas tudo
dentro do espírito elegante do debate das idéias, sem momentos de tensão, sem
constrangimentos.
Esses ensaios, aliás, me permitem realizar algo como uma
correspondência com centenas de pessoas simultaneamente. É triste que o hábito
de escrever tenha cessado entre as pessoas e que escrever pouco e superficialmente
tenha se tornado uma virtude.
Ler uma carta implicava um ritual semelhante ao do livro, em
que éramos obrigados a ouvir o outro, sem interrompê-lo, até que ele encerrasse
sua linha de raciocínio. Agora, as conversas são telegráficas e banais, muitas
vezes sem respeito as regras da gramatica, sem pontuação que nos ajude a
acompanhar o ritmo da pessoa que nos escreveu aquele bilhete. Aliás, escrever
tornou-se algo cansativo, irritante, e a opção preferencial pela fala gravada,
os famosos áudios, mostra esta disposição.
Paciência. A linguagem é, antes de um monumento estático, um
ambiente vivo de relacionamento.
Como tal se modifica de tempos em tempos, tanto na forma
como no conteúdo.
Nosso papel é acompanhá-la, com humildade, embora na minha
opinião não devemos abrir mão do esforço de explanar nossos sentimentos e
ideias com clareza e isso, só o texto, organizado e
gramaticalmente correto, permite.
É melhor escrever que falar. E se falar, falemos com o auxílio do texto, lendo-o, falando com a tranquilidade de quem pensou antes o que deveria e como deveria dizer.
Querido amigo, concordo em partes (com quase tudo...rsrs).
ResponderExcluirVeja bem, a eloquência da escrita é algo de suma importância e de uma beleza nata!
Porém, os áudios (via WhatsApp), possuem sua importância, pois como explicitei ao senhor (há um tempo atrás), a voz carrega nossas emoções e assim, mais fidelidade do que muitas vezes a escrita (quero dizer quando utilizamos a interlocução do WhatsApp).
Bem, esse era o ponto em que não concordava (:
Amei as reflexões em que me levou à fazer.
Algumas frases levarei comigo, como essa, "a eternidade, para ser eterna, se alterna."
Paz profunda.