Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

CLAREZA

 Por Mario Sales


CARL SAGAN



Nos convites que recebo no ambiente da Pandemia, para fazer comentários para lojas Rosacruzes ao longo do país, existe sempre um toque de ansiedade e receio.Parece que no blog me sinto amparado pelas letras, sua estabilidade, o fato de poderem ser consultadas e reinterpretadas mais de uma vez, a proteção de uma pontuação com vírgulas e aspas que me auxiliam a enfatizar e destacar aquilo que seja necessário para a melhor transmissão da idéia, mas que também guie a leitura de quem vai ao texto, dizendo quando respirar, quando hesitar, antes de continuar a leitura.

Na fala via internet, na apresentação ao vivo, nem sempre temos este tipo de controle.

Existe sempre a sombra do equívoco por trás do que se diz, o perigo de ser mal interpretado ou, ainda, de ser corretamente interpretado e ter um feedback não muito agradável com o qual tem que se lidar em tempo real.

Na fase em que estou ando avesso a discussões e debates. Aliás faz anos que tais coisas me causam profundo tedio.

Aprendi que o debate pressupõe que eu posso convencer alguém de algo que ele não quer ouvir falar.

Lembro-me nessas reflexões da frase de Lacan sobre relações romântico amorosas em que afirma que amar é procurar “dar o que não se tem a alguém que não quer receber”, o que transforma o exercício do relacionamento romântico em um caos previsível e inevitável de sentimentos.

Os debates filosóficos são da mesma natureza. As pessoas amam suas posições pessoais acerca dos vários assuntos que possam considerar, sentem-se seguras em relação as suas conclusões e contrariá-las é causar desconforto na maioria das vezes, é mostrar-se aparentemente hostil ao seu modo de ser e por isso o antagonista filosófico deixa de ser um mero adversário de ideias para se tornar um inimigo mortal, ou algo perto disso na vida social.

Isso é muito cansativo. Existem muito poucas pessoas que anseiam por novas perspectivas da realidade, que concedem todo o tempo a outros a possibilidade de mudar suas posições, desde que lhe apresentem argumentos plausíveis acompanhados de preferência de demonstrações empíricas que os sustentem.

Estão de cabeça aberta ao todo, claro que não tão abertas, como advertia Sagan, com humor, que o cérebro caia, mas dispostas e ansiosas para conhecer novos e enriquecedores pontos de vista.

A maioria dos seres humanos não é assim, infelizmente.

Abrigam em seus corações a pior de todas as crenças: de que o mundo é estável e de que aquilo que é verdade hoje deverá continuar a ser verdade amanhã.

Essa rigidez mental causa muito sofrimento para o próprio indivíduo e para terceiros e é algo inadministrável, ela impede o fluxo dos fatos e da história, o fluxo das ideias e das interpretações, e ausência de fluxo, como todos sabem, é morte.

Indivíduos com posturas rígidas são sempre como zumbis espirituais, mortos que caminham.

Viver é respirar, e respirar é desfazer-se do ar usado para poder respirar um ar novo e fresco.

Ninguém inspira sem antes expirar, com desapego ao ar que se vai, sem tristeza por sua partida.

Sem essa troca constante do velho pelo novo as coisas não continuam a ser como sempre foram.

A eternidade, para ser eterna, se alterna.

Nenhuma propagação de onda viva é linear já que como lembrava Mario Quintana, “a linha reta é um traço sem imaginação”.

Tudo pulsa, tudo vibra, tudo oscila.

E pessoas rígidas de pensamento tendem a desaparecer na poeira, como troncos de árvore queimadas, mortas e escuras se desfazem com o vento.

Conhecedor desses fatos, não tenho nenhuma atração pelo chamado “debate de convencimento do outro”, embora esteja sempre ansioso por descobrir posturas diferentes da minha.

Mas nesse caso as pessoas não precisam estar presentes. Seus textos falam por elas.

Livros são bons interlocutores pois explicam calma e detalhadamente seus pontos de vista sem que possamos interrompê-los em sua exposição.

Os livros nos disciplinam, nos ensinam o silencio e atenção, nos mostram como ouvir, quietos, outros pensamentos que não os nossos.

E assim podemos discutir com pessoas vivas ou não, sobre suas posições e ideias de mundo, sem que haja qualquer risco de confronto neste conflito.

Exposições presenciais não são assim.

E por isso acho que interromperei minhas contribuições nesse sentido.

Minhas posições, eu as exponho aqui, no blog, desde 2010.

Alguns as considerarão relevantes, concordando ou não com elas; outros, como é natural, rechaçarão meus argumentos, como descabidos, mas tudo dentro do espírito elegante do debate das idéias, sem momentos de tensão, sem constrangimentos.

Esses ensaios, aliás, me permitem realizar algo como uma correspondência com centenas de pessoas simultaneamente. É triste que o hábito de escrever tenha cessado entre as pessoas e que escrever pouco e superficialmente tenha se tornado uma virtude.

Ler uma carta implicava um ritual semelhante ao do livro, em que éramos obrigados a ouvir o outro, sem interrompê-lo, até que ele encerrasse sua linha de raciocínio. Agora, as conversas são telegráficas e banais, muitas vezes sem respeito as regras da gramatica, sem pontuação que nos ajude a acompanhar o ritmo da pessoa que nos escreveu aquele bilhete. Aliás, escrever tornou-se algo cansativo, irritante, e a opção preferencial pela fala gravada, os famosos áudios, mostra esta disposição.

Paciência. A linguagem é, antes de um monumento estático, um ambiente vivo de relacionamento.

Como tal se modifica de tempos em tempos, tanto na forma como no conteúdo.

Nosso papel é acompanhá-la, com humildade, embora na minha opinião não devemos abrir mão do esforço de explanar nossos sentimentos e ideias com clareza e isso, só o texto, organizado e gramaticalmente correto, permite.

É melhor escrever que falar. E se falar, falemos com o auxílio do texto, lendo-o, falando com a tranquilidade de quem pensou antes o que deveria e como deveria dizer.

Um comentário:

  1. Querido amigo, concordo em partes (com quase tudo...rsrs).
    Veja bem, a eloquência da escrita é algo de suma importância e de uma beleza nata!
    Porém, os áudios (via WhatsApp), possuem sua importância, pois como explicitei ao senhor (há um tempo atrás), a voz carrega nossas emoções e assim, mais fidelidade do que muitas vezes a escrita (quero dizer quando utilizamos a interlocução do WhatsApp).
    Bem, esse era o ponto em que não concordava (:
    Amei as reflexões em que me levou à fazer.
    Algumas frases levarei comigo, como essa, "a eternidade, para ser eterna, se alterna."
    Paz profunda.

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