Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

terça-feira, 1 de setembro de 2020

PARA QUE SE ILUMINAR?

 Por Mario Sales



Para que queremos a iluminação?

Por que a buscamos como se fosse um objetivo de felicidade?

Talvez alguém tenha nos dito que a iluminação é o momento mais importante da senda mística, que ela é uma meta, mas também um marco de sucesso nesta caminhada.

Talvez da mesma forma tenham esquecido de nos dizer que a iluminação, se for como parece ser, é a ruptura com valores que hoje nos são caros, como amor por filhos, netos, cônjuges, etc

Na iluminação, mãe e pai deixam de ser referencias como hoje os conhecemos.

A arte que admiramos, as músicas que nos emocionam, tudo perde cor e viço e passam a fazer parte de um todo ilusório, visto realmente como ilusório e não mais como algo pelo qual se emocionar.

A iluminação traz a perfeita equanimidade, o perfeito equilíbrio.

Dessa forma não mais nos entristeceremos, mas também não mais nos alegraremos, pois a beatitude será permanente e por isso, sem a oscilação da vida comum.

Sem lágrimas, sem risos, sem apegos; sem dor, mas também sem prazer; sem sofrimento, mas também sem bem estar físico. Só o êxtase. Só a luz.

Experimente viver, mal comparando, por alguns meses no polo norte do planeta.

Tudo é branco, sempre branco, permanentemente branco. Dizem mesmo que os esquimós têm dezenas de nomes diferentes para o branco, nuances que só eles percebem.

Passe alguns meses nesse ambiente sem cor, sem contraste.

Será que sua primeira sensação será conforto, bem estar? Você que nasceu em um mundo de cor e árvores, de grama e terra molhada, suportará com conforto essa transição para o branco permanente, para o frio, muito frio, constante?

Iluminar-se é perder as ilusões, e com elas perder referenciais de existência.

Estamos prontos para isso?

Este questionamento foi feito alguns anos atrás por um monge zen contemporâneo, oportunamente trazendo a discussão para um nível mais realista, e pasmem, menos ilusório.

Nascemos em Maya, crescemos e reproduzimos em Maya, morreremos por causa de Maya, já que é em Maya que temos a sensação de estarmos vivos por um tempo e depois, não. Se a Morte é mais uma ilusão, a Vida, como a concebemos, também é.

Creio que a Iluminação não é uma experiência única, mas sim uma sucessão de estágios, cada vez mais elevados, de percepção e consciência.

Mesmo assim, ainda no primeiro estágio de iluminação, modificaremos nossas percepções da assim chamada realidade, e a vida calcada nos opostos, nos contrastes, desaparecerá.

Antecipo uma certa dose de embaraço que deve ser ocultado pelo êxtase do acontecimento.

Para recorrer a uma metáfora, a sessão de cinema se encerrará, as luzes da sala de projeção serão acesas e, subitamente, voltaremos ao que chamamos de mundo real.

As vezes o filme nem era tão bom assim, e será bom mesmo que termine; mas, e se for um filme entusiasmante, inspirador, emocionante, ficaremos felizes que acabe? Queremos mesmo que se encerre?

Da mesma maneira, juntamente com o monge zen, indago: por que queremos tanto a iluminação?

Para que a queremos?

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