Por Mario Sales
“Foi graças às cartas de Martinez de Pasqually que pudemos fixar a ortografia exata de seu nome, estropiado até então pelos críticos (1); foi ainda graças aos arquivos que possuímos e ao apoio constante do Invisível, que logramos demonstrar que Martinez não teve jamais a idéia de transportar a Maçonaria aos "princípios essenciais", que sempre desprezou, como bom Iluminado que foi. Martinez passou metade de sua vida combatendo os nefastos efeitos da propaganda sem fé desses pedantes de lojas, desses pseudo-veneráveis que, abandonando o caminho a eles fixado pelos Superiores Incógnitos, quiseram tornar-se polos no Universo e substituir a ação do Cristo pelas suas e os conselhos do Invisível pelos resultados dos escrutínios emanados da multidão. Em que consistia o Martinezismo? Na aquisição pela pureza corporal, anímica e espiritual, dos poderes que permitem ao homem entrar em relação com os Seres Invisíveis, denominados anjos pela Igreja, chegando não somente a sua reintegração pessoal, mas também à reintegração de todos os discípulos de vontade. Martinez fazia vir à sala de reuniões todos os que lhe pediam a luz. Traçava os círculos ritualísticos, escrevia as palavras sagradas, recitava suas orações com humildade e fervor, agindo sempre em nome do Cristo, como testemunharam todos aqueles que assistiram às suas operações, como testemunham ainda todos os seus escritos. Então, os seres invisíveis apareciam, resplandecentes de luz. Agiam e falavam, ministravam ensinamentos elevados e instigavam à oração e ao recolhimento; tudo isso ocorria sem médiuns adormecidos, sem êxtase, sem alucinações doentias. Quando a operação terminava, os Seres Invisíveis tendo sido embora, Martinez dava os seus discípulos os modos de chegarem por si mesmos à produção dos mesmos resultados. Somente quando os discípulos obtinham sozinhos a assistência real do Invisível é que Martinez lhes outorgava o grau de Rosa-Cruz, como mostram suas cartas, com evidência.”
“Martinezismo, Willermosismo, Martinismo e Franco Maçonaria” por Papus
“Os anjos são homens de uma ordem superior, e nada mais. Não são os anjos “ministros” nem “protetores”, não são tampouco “Arautos do Altíssimo”, e muito menos os “mensageiros da ira” de Deus, criados pela imaginação do Homem. Pedir a proteção deles é tão insensato quanto supor que se possa captar-lhes a simpatia mediante qualquer espécie de propiciação; pois eles, do mesmo modo que os homens, são criaturas sujeitas a imutável lei cármica e cósmica. A razão é óbvia”
Doutrina Secreta, Volume I, página 307, Ed Pensamento,1973
Existe evidentemente um conflito de compreensões entre
Teosofia e Martinezismo. Papus, ex teósofo, abandonou as fileiras da Sociedade
de Blavatsky para reabrir uma ordem de características históricas e culturais tipicamente francesas para franceses, e mais que isso, com um caráter operacional
completamente diferente da visão teosófica ortodoxa, já que o Martinezismo se
baseava em operações teúrgicas, leia-se invocação de seres invisíveis celestes,
Anjos, ou pelo menos um deles, que denominava-se “A Coisa”, Le Chose, e que
apresentou-se como “O Filosofo Desconhecido”, codinome depois assumido pelo
próprio Saint Martin em seu ministério particular.
Blavatsky é clara: Anjos não são mais do que seres humanos evoluídos,
que não devem ser tratados como deuses ou como possuidores de alguma autoridade
esotérica indiscutível, uma afirmação coerente com o espírito iconoclasta do
ensinamento teosófico.
Para ser mais claro ainda, para Blavatsky, invocações
teúrgicas são além de erros operacionais, equívocos na busca de iluminação.
Curioso é que o secretário de Martinez de Pasqually, Saint
Martin, participante ativo das reuniões dos Cohen e redator dos cadernos
ditados pela “Coisa”, mais tarde repudiasse, como Blavatsky, tais
procedimentos, se bem que por outros motivos.
Ouçamos as ponderações de Saint Martin, citadas por Papus (“Martinezismo, Willermosismo, Martinismo
e Franco Maçonaria”):
Ou seja, por mais bem intencionadas que as narrativas da
Coisa parecessem, não haveria como estabelecer sua autenticidade. O Martinezismo,
além de anti teosófico, também tinha um caráter anti rosacruciano contemporâneo,
já que Spencer Lewis construiu uma doutrina na busca interior das verdades
necessárias, evitando a chamada confirmação externa das percepções esotéricas,
que tanto prejuízo traz ao neófito e mesmo a alguns iniciados antigos.
Digo “rosacruciano contemporâneo” porque ao longo da história
tivemos sim, nós, rosacruzes, nossos momentos magistas e invocacionais. Nem
sempre nossa estratégia de busca das camadas elevadas da espiritualidade
baseou-se como hoje se baseia, em auto investigação, em um caminho para dentro.
Também nós, rosacruzes, evoluímos, passando de um período de simpatia por
manifestações externas pela busca eminentemente cardíaca, como falava Saint
Martin.
Hoje sabemos que o Deus de nossos corações guarda toda
informação que precisamos, e que informações de terceiros, sejam homens comuns
ou “anjos” precisam ser checadas com nossa intuição pessoal, com nossa
sensibilidade, expondo-as a Shekinah, a presença divina em nós.
Pessoas como Papus acreditavam em uma erudição esotérica, no
acúmulo de todo tipo de informação sobra a tradição, independente da estratégia
que representassem, ou como se essas estratégias não tivessem um tempo de
validade.
Deus é eterno, a compreensão esotérica de Deus não. E se
existem verdades nos textos esotéricos que permanecem válidas até hoje, isso
não significa de maneira nenhuma que tais textos não devam ser relidos à luz
das mudanças psicológicas e sociais dos últimos séculos.
Foi isso que Spencer Lewis fez quando realizou
brilhantemente a atualização dos conhecimentos rosacruzes transmitidos pelos
rosacruzes europeus chefiados por Hyeronimus.
Outra consideração: se enquanto rosacruzes tivermos alguma
hesitação quanto a aceitar que o método Martinezista, mesmo bem-intencionado,
fosse apesar de tudo equivocado, lembremos que Blavatsky baseia sua critica nos
ensinamentos dos mestres ascensionados da Fraternidade Branca, um deles seu
mestre pessoal, El Morya, e o outro Ku-Thu-Mi, coautores da Doutrina Secreta
por ela redigida, e este último, segundo Spencer Lewis, Hierofante e
responsável pela Ordem Rosacruz.
Pode-se dizer, portanto, que dizer que anjos não são fontes
as quais deva-se dar uma reverencia divina não é uma afirmação de Blavatsky em
si, mas de dois mestres da Fraternidade Branca, à qual como rosacruzes estamos
hierarquicamente submetidos.
Portanto, não só Martinez estava equivocado, mas também
Papus, na tentativa de fazer reviver uma Ordem e dar-lhe um caráter Martinezista.
O Martinismo, como o nome diz, está ligado a Saint Martin,
que rejeitou como vimos as práticas teúrgicas, em função de seus riscos para a
sanidade além de sua inadequação como recurso de iluminação.
Todo conhecimento deve receber um tratamento intelectual que
o classifique e separe, colocando algumas informações em uma categoria de “métodos
históricos de busca da espiritualidade” e reservando uma categoria para as técnicas
adequadas e ainda úteis a esse mesmo objetivo.
Buscar no próprio coração a presença de Deus e sua força me
parece que é e sempre foi o método mais correto de crescer em consciência.
Outras técnicas têm um valor histórico e simbólico; em termos práticos contemporâneos, entretanto, apenas isso, nada mais.