Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 31 de março de 2021

O EQUÍVOCO MARTINEZISTA

 Por Mario Sales



“Foi graças às cartas de Martinez de Pasqually que pudemos fixar a ortografia exata de seu nome, estropiado até então pelos críticos (1); foi ainda graças aos arquivos que possuímos e ao apoio constante do Invisível, que logramos demonstrar que Martinez não teve jamais a idéia de transportar a Maçonaria aos "princípios essenciais", que sempre desprezou, como bom Iluminado que foi. Martinez passou metade de sua vida combatendo os nefastos efeitos da propaganda sem fé desses pedantes de lojas, desses pseudo-veneráveis que, abandonando o caminho a eles fixado pelos Superiores Incógnitos, quiseram tornar-se polos no Universo e substituir a ação do Cristo pelas suas e os conselhos do Invisível pelos resultados dos escrutínios emanados da multidão. Em que consistia o Martinezismo? Na aquisição pela pureza corporal, anímica e espiritual, dos poderes que permitem ao homem entrar em relação com os Seres Invisíveis, denominados anjos pela Igreja, chegando não somente a sua reintegração pessoal, mas também à reintegração de todos os discípulos de vontade. Martinez fazia vir à sala de reuniões todos os que lhe pediam a luz. Traçava os círculos ritualísticos, escrevia as palavras sagradas, recitava suas orações com humildade e fervor, agindo sempre em nome do Cristo, como testemunharam todos aqueles que assistiram às suas operações, como testemunham ainda todos os seus escritos. Então, os seres invisíveis apareciam, resplandecentes de luz. Agiam e falavam, ministravam ensinamentos elevados e instigavam à oração e ao recolhimento; tudo isso ocorria sem médiuns adormecidos, sem êxtase, sem alucinações doentias. Quando a operação terminava, os Seres Invisíveis tendo sido embora, Martinez dava os seus discípulos os modos de chegarem por si mesmos à produção dos mesmos resultados. Somente quando os discípulos obtinham sozinhos a assistência real do Invisível é que Martinez lhes outorgava o grau de Rosa-Cruz, como mostram suas cartas, com evidência.”

“Martinezismo, Willermosismo, Martinismo e Franco Maçonaria” por Papus



“Os anjos são homens de uma ordem superior, e nada mais. Não são os anjos “ministros” nem “protetores”, não são tampouco “Arautos do Altíssimo”, e muito menos os “mensageiros da ira” de Deus, criados pela imaginação do Homem. Pedir a proteção deles é tão insensato quanto supor que se possa captar-lhes a simpatia mediante qualquer espécie de propiciação; pois eles, do mesmo modo que os homens, são criaturas sujeitas a imutável lei cármica e cósmica. A razão é óbvia”

Doutrina Secreta, Volume I, página 307, Ed Pensamento,1973

Existe evidentemente um conflito de compreensões entre Teosofia e Martinezismo. Papus, ex teósofo, abandonou as fileiras da Sociedade de Blavatsky para reabrir uma ordem de características históricas e culturais tipicamente francesas para franceses, e mais que isso, com um caráter operacional completamente diferente da visão teosófica ortodoxa, já que o Martinezismo se baseava em operações teúrgicas, leia-se invocação de seres invisíveis celestes, Anjos, ou pelo menos um deles, que denominava-se “A Coisa”, Le Chose, e que apresentou-se como “O Filosofo Desconhecido”, codinome depois assumido pelo próprio Saint Martin em seu ministério particular.

Blavatsky é clara: Anjos não são mais do que seres humanos evoluídos, que não devem ser tratados como deuses ou como possuidores de alguma autoridade esotérica indiscutível, uma afirmação coerente com o espírito iconoclasta do ensinamento teosófico.

Para ser mais claro ainda, para Blavatsky, invocações teúrgicas são além de erros operacionais, equívocos na busca de iluminação.

Curioso é que o secretário de Martinez de Pasqually, Saint Martin, participante ativo das reuniões dos Cohen e redator dos cadernos ditados pela “Coisa”, mais tarde repudiasse, como Blavatsky, tais procedimentos, se bem que por outros motivos.

Ouçamos as ponderações de Saint Martin, citadas por Papus (“Martinezismo, Willermosismo, Martinismo e Franco Maçonaria”):

"Não poderíamos denominar os três reinos que vossa escola designava "natural, espiritual e Divino", natural, astral e Divino? Todas essas manifestações que vêm após a iniciação, não seriam do reino astral? Uma vez tendo colocado os pés nesse domínio, não se entraria em sociedade com os seres que aí habitam, cuja maior parte, se me for permitido, em assunto dessa natureza, servir-me de uma expressão trivial, é má companhia? Não se entra em contato com seres que podem atormentar, até ao excesso, o operador que vive nessa multidão, ao ponto de suscitar-lhe o desespero e de inspirar-lhe o suicídio, como testemunharam Schoroper e o Conde de Cagliostro! Sem dúvida que terão os iniciados os meios mais ou menos eficazes para se protegerem das visões; mas, em geral, parece-me que essa situação, que está fora da ordem estabelecida pela Providência, pode ter antes consequências mais funestas do que favoráveis ao nosso progresso espiritual".

Ou seja, por mais bem intencionadas que as narrativas da Coisa parecessem, não haveria como estabelecer sua autenticidade. O Martinezismo, além de anti teosófico, também tinha um caráter anti rosacruciano contemporâneo, já que Spencer Lewis construiu uma doutrina na busca interior das verdades necessárias, evitando a chamada confirmação externa das percepções esotéricas, que tanto prejuízo traz ao neófito e mesmo a alguns iniciados antigos.

Digo “rosacruciano contemporâneo” porque ao longo da história tivemos sim, nós, rosacruzes, nossos momentos magistas e invocacionais. Nem sempre nossa estratégia de busca das camadas elevadas da espiritualidade baseou-se como hoje se baseia, em auto investigação, em um caminho para dentro. Também nós, rosacruzes, evoluímos, passando de um período de simpatia por manifestações externas pela busca eminentemente cardíaca, como falava Saint Martin.

Hoje sabemos que o Deus de nossos corações guarda toda informação que precisamos, e que informações de terceiros, sejam homens comuns ou “anjos” precisam ser checadas com nossa intuição pessoal, com nossa sensibilidade, expondo-as a Shekinah, a presença divina em nós.

Pessoas como Papus acreditavam em uma erudição esotérica, no acúmulo de todo tipo de informação sobra a tradição, independente da estratégia que representassem, ou como se essas estratégias não tivessem um tempo de validade.

Deus é eterno, a compreensão esotérica de Deus não. E se existem verdades nos textos esotéricos que permanecem válidas até hoje, isso não significa de maneira nenhuma que tais textos não devam ser relidos à luz das mudanças psicológicas e sociais dos últimos séculos.

Foi isso que Spencer Lewis fez quando realizou brilhantemente a atualização dos conhecimentos rosacruzes transmitidos pelos rosacruzes europeus chefiados por Hyeronimus.

Outra consideração: se enquanto rosacruzes tivermos alguma hesitação quanto a aceitar que o método Martinezista, mesmo bem-intencionado, fosse apesar de tudo equivocado, lembremos que Blavatsky baseia sua critica nos ensinamentos dos mestres ascensionados da Fraternidade Branca, um deles seu mestre pessoal, El Morya, e o outro Ku-Thu-Mi, coautores da Doutrina Secreta por ela redigida, e este último, segundo Spencer Lewis, Hierofante e responsável pela Ordem Rosacruz.

Pode-se dizer, portanto, que dizer que anjos não são fontes as quais deva-se dar uma reverencia divina não é uma afirmação de Blavatsky em si, mas de dois mestres da Fraternidade Branca, à qual como rosacruzes estamos hierarquicamente submetidos.

Portanto, não só Martinez estava equivocado, mas também Papus, na tentativa de fazer reviver uma Ordem e dar-lhe um caráter Martinezista.

O Martinismo, como o nome diz, está ligado a Saint Martin, que rejeitou como vimos as práticas teúrgicas, em função de seus riscos para a sanidade além de sua inadequação como recurso de iluminação.

Todo conhecimento deve receber um tratamento intelectual que o classifique e separe, colocando algumas informações em uma categoria de “métodos históricos de busca da espiritualidade” e reservando uma categoria para as técnicas adequadas e ainda úteis a esse mesmo objetivo.

Buscar no próprio coração a presença de Deus e sua força me parece que é e sempre foi o método mais correto de crescer em consciência.

Outras técnicas têm um valor histórico e simbólico; em termos práticos contemporâneos, entretanto, apenas isso, nada mais.

4 comentários:

  1. Querido Mario, boa noite.

    Eu me chamo André, sou casado, tenho 27 anos e moro no Espírito Santo. Encontrei o seu blog hoje (31/03) e gostei muito de algumas coisas que encontrei por aqui, mesmo não entendendo muito bem a maior parte das coisas que tive a curiosidade em ler.

    O motivo da minha mensagem, ao meu ver, é simples.

    Há algum tempo eu passo em frente a uma loja Rosacruz AMORC e sempre tive curiosidade em saber o significava aquele templo. Eu realmente não fazia ideia do que era aquilo, mas sempre tive imensa curiosidade pois fica numa avenida muito movimentada aqui na capital do Estado e, até algumas semanas atrás nunca tinha visto ninguém entrar ou sair da loja, até que um dia resolvi ir até a porta e vi que existia um banner dizendo que todas as terças-feiras era oferecida uma meditação aberta ao público. Nesse momento a minha curiosidade aumentou, pois vi o banner no exato dia em que baixei um aplicativo para aprender a meditar. Sempre quis praticar meditação mas nunca soube por onde começar.

    Enfim, comecei a pesquisar sobre essa ordem na internet onde encontrei o site e acabei fazendo contato com a loja do meu Estado via Facebook para visitar a meditação e conhecer mais sobre o que é ensinado, pois fiquei extremamente interessado no assunto, e fui informado que as meditações estão suspensas pois o meu Estado está em lockdown até o dia 4 de abril.

    Continuo buscando informações via internet, inclusive, me cadastrei no que eles chamam de "câmara externa" e gostei MUITO do conteúdo. Acredito que essa ordem "atravessou" o meu caminho por algum motivo e já estou há algumas semanas lendo sobre o "rosacrucianismo" se assim posso dizer, mas me sinto um pouco perdido pois eu não gostaria de me filiar sem saber, realmente, no que eu estaria "me metendo".

    Comecei a ler o material da câmara externa e, como disse, gostei muito. Mas pelo que eu entendi (se é que entendi direito) as monografias são exercícios teóricos e práticos e levam algum tempo para que possamos receber os próximos materiais etc. O fato é que, na câmara externa são oferecidas 4 monografias: O caminho da luz, A arte da criação mental, Sejamos prósperos e Egrégora.

    Eu gostaria de saber, se esses são os "primeiros passos" dos estudos rosacruz, se devo prosseguir mesmo sem saber em que momento passar para a próxima monografia (apesar de que eu já li todas elas, só não fiz a parte prática) ou se devo frequentar uma terça feira quando pudermos e questionar tudo isso pessoalmente para alguém da ordem.


    Enfim, meu texto ficou um pouco desconexo e não sei se é porque me sinto um pouco desconfortável em falar sobre isso com um desconhecido mesmo tendo sentido um enorme carinho em seus textos e, ao ler, é como se eu te conhecesse.

    Se puder me responder via e-mail para conversarmos sobre as dúvidas que tenho, eu agradeço.
    Gostaria de enviar por aqui o meu número de WhatsApp, mas sinto um pouco de receio. Tentei encontrar o seu e-mail mas não obtive sucesso, por isso, estou comentando.

    Um forte abraço.

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  2. Ps.:
    Me perdoa ter feito um comentário tão aleatório nesse texto, que por sinal, eu nem li. Eu só optei por comentar na postagem mais recente mesmo.

    Os textos que li e gostei, são do ano de 2020. E o primeiro texto que eu li (já não lembro o nome, pois li uns 5) foi publicado no dia 27 de junho de 2020. Lembro a data pois essa é a data do meu aniversário rsrs

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  3. André ja respondo seu email. Abraços

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  4. Prezado Frater Mário,
    Meu nome é Antonio Bedran (não consegui logar-me mas o Frater tem meu contato) sobre seu prestimoso texto “O EQUÍVOCO MARTINEZISTA”, escrevo para cumprimentá-lo e dizer que “lavou-me a Alma” e que meus modestos estudos me colocam em total alinhamento com o que posicionou de forma tão fundamentada. Declarado de forma direta pelo Imperator Dr. Lewis, Madame Blavatsky era Rosacruz, no segundo texto de sua autoria sobre ela, público, inclusive.
    Gratíssimo! Quisera que mais membros da TOM refletissem sobre os fatos e referências sólidas de sua argumentação. Principalmente os vários que conheci que abandonaram seus estudos na AMORC (ou agem como se os ignorassem), interpretando os Manuscritos da TOM sem o concurso das chaves Rosacruzes.

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