Por Mario Sales FRC
Não confunda compreensão com um
vocabulário mais amplo. Os escritos sagrados são benéficos para estimular o
desejo de realização interior, se uma estrofe de cada vez for assimilada
lentamente. Caso contrário, o estudo intelectual contínuo pode resultar em
vaidade, falsa satisfação e conhecimento não digerido.
Sri Swami Yukteswar Giri,
"Autobiografia de um Iogue
Contemporâneo" de Paramahansa Yogaananda
Sociedade Histórica da Pensilvânia, Filadelfia
Na
Sociedade Histórica Da Pensilvânia existe uma carta, entre outras, de Sir Isaac
Newton (25 de dezembro de 1642 [calendário juliano]
ou 4 de
janeiro de 1643 no [calendário
gregoriano] — Kensington, 20 de
março de 1727 [calendário
juliano] ou 31 de março de 1727 [calendário
gregoriano]) para Robert Hooke, (18 de julho de 1635 — 3 de março de 1703) cientista experimental inglês do século XVII, seu
adversário científico.
Nela, Newton cita uma frase de Bernardo de Chartres, filosofo platônico
do século XII. A frase em questão é “se vi mais longe é porque estava nos
ombros de gigantes”, (nanos gigantum humeris insidentes) numa alusão ao conceito de
“descobrir a verdade a partir de descobertas anteriores. Não se trata de modo
algum de uma citação vulgar. É talvez o mais importante conceito do trabalho
científico.
Isaac Newton, físico e rosacruz
A ciência, como todos sabem, é a busca pelo esclarecimento das causas dos
fenômenos naturais, perceptíveis ou não, muitas vezes, causas estas contrárias
às percepções do senso comum.
De qualquer forma a ciência ortodoxa trabalha com o mundo manifesto. A
ciência não lida com conceitos inefáveis ou espirituais. Não é sua função.
Tais investigações de natureza mais íntima são do campo do misticismo.
E por que faço esta distinção?
Já chego lá.
Vamos, didaticamente, acompanhar uma metáfora.
Robert Hooke
Imaginem um praticante de esportes de competição. Um atleta de corridas
com obstáculos.
Com certeza será treinado desde muito jovem, logo se perceba nele
tendencia e talento para esse tipo de disputa. Terá um técnico, alguém que lhe
ensinará as técnicas e métodos necessários ao aprimoramento de seu desempenho;
entretanto, o papel do técnico terminará aí.
No dia da competição, e mesmo durante os treinamentos, a solidão do
atleta, onde ele tem apenas a companhia de seu próprio corpo, será total.
Bernardo de Chartres
Seu sucesso vai depender do seu esforço e disciplina pessoais e das
condições em que estiver no dia da disputa.
Tudo que seu técnico poderá fazer na hora da competição será sentar-se,
observar e torcer para que nada dê errado durante o evento. Não terá, no
entanto, maneira nenhuma de interferir durante o desafio de seu pupilo pois
neste momento, como foi dito, a solidão do competidor é absoluta e
indiscutível.
Ao contrário do atleta solitário, em ciência e na cultura em geral, nós
somos muitos, ao mesmo tempo. Precisamos uns dos outros todo o tempo, como
fontes de informação ou de inspiração para o nosso próprio trabalho. Não existe
solidão intelectual, solidão teórica.
Microscópio de Hooke
Somos, enquanto pesquisadores, como disse o filosofo Bernardo de Chartres, “anões nos ombros de
gigantes”. Se isso vale para a literatura, para a ciência vale mais ainda, pois
fazer ciência é acumular dados e evidencias empíricas e matemáticas que
fortaleçam convicções antes baseadas apenas em especulação. A ciência não é uma
experiencia solitária. Precisamos dos relatos dos acertos e dos erros daqueles
que nos precederam e por isso os pesquisadores não são insubstituíveis, mas as
suas anotações estas sim, são fundamentais. Até onde um for, antes de passar
pela transição, se anotou seus passos e experimentos, poderá ser o ponto de
partida daquele que vier depois.
O cientista, assim como o intelectual, não conhece nem pode conhecer a solidão
do atleta. Ao contrário do atleta que vive do aqui e do agora, do momento da
glória ou do fracasso conseguido a duras penas e em função tanto de seu talento
e esforço como de circunstâncias às vezes imprevisíveis, cientista e
intelectual conversam com vivos e mortos, através dos textos, a herança de
nossa cultura.
Esta metáfora visa estabelecer um paralelo entre a prática esotérica e a
prática mística.
Quem me acompanha aqui no blog sabe que faço distinção entre estas duas
coisas, dando ao termo esoterismo o significado de prática intelectual de
consulta e leitura de textos antigos da tradição, e para misticismo reservo o
significado de busca solitária do Deus interior.
Se muitas vezes o misticismo bebe do esoterismo, em nenhum momento se
confundem.
Posso agora dizer que o esoterista é como o cientista, pois precisa dos
textos anteriores para compreender outros textos, mas o místico é como o
atleta, que está completamente só em seu esforço pessoal de busca íntima.
Ao contrário do esoterista que pode discutir com outros esoteristas o
significado deste ou daquele trecho do livro que estuda, a busca mística é
pessoal e intransferível e mesmo aqueles entre nós, místicos, que já receberam
a bênção de ter um mestre pessoal, um Adepto, que o tenha aceitado como
discípulo, sabem que o esforço pessoal é única e exclusivamente
responsabilidade do discípulo e o Mestre só pode torcer para que ele, seu
discípulo, seja bem-sucedido em seus desafios.
A nenhum Mestre verdadeiro é permitido interferir no desempenho de seus
chelas, sob pena de enfraquecê-lo e impedir que este desenvolva as habilidades
que aquele desafio lhe proporcionará.
Se alguém, generosamente, quiser descrever suas sensações e impressões
acerca de sua busca pessoal e solitária pela iluminação, o fará no intuito de
dar um depoimento sobre aspectos absolutamente particulares que serão
específicos de sua própria existência.
A cada místico, em cada encarnação, caberá uma história de vida peculiar.
Místicos não são produzidos em série. São absolutamente diferentes uns dos
outros, seguem diferentes tradições, tem diferentes cor de pele, hábitos,
idiomas e forma física. Alguns usam ternos, outros andam seminus. Uns são
magros, outros obesos.
A única coisa que os une é a sede de Deus, a fome pela iluminação, e a
solidão em que realizam essa busca ininterrupta, vida após vida.
Como eu disse acima, o sucesso ou o fracasso do místico, como o do
atleta, dependem de treino, talento, mas também de circunstâncias nem sempre
previsíveis, que ao fim e ao cabo representarão também testes de
aperfeiçoamento e fortalecimento do buscador.
Dito isso, podemos entender que existem textos esotéricos e textos
místicos.
Textos esotéricos são, sim, baseados em outros textos. São interpretações
ou variações de documentos mais antigos sobre os quais o esoterista meditou.
Já textos místicos são depoimentos, narrativas de caráter pessoal, mas
que serão compreendidas por aqueles que também estão na mesma senda e que
buscam o Cálice Sagrado pelas mesmas veredas, solitária e diligentemente.
Textos místicos, ao contrário dos esotéricos, são, sempre, totalmente
originais, como a vida daqueles que os inspiram, pois relatam experiencias de
vidas que jamais se repetirão, que não poderiam se repetir já que dizem
respeito apenas e tão somente aquele que faz o relato.
Nesse viés, Cristo não era cristão, Buda não era budista, e nem Maomé era
Maometano.
Esses homens eram místicos que compartilharam experiencias pessoais. É
apenas depois deles que surgem os esoteristas, comentando, por páginas e
páginas, o provável significado dos atos e palavras daqueles iluminados.
Portanto, Místicos não podem ser compreendidos a partir dos livros que
leram, nem da bibliografia que consultaram porque eles trazem um olhar original
sobre tudo que foi escrito antes. No caso do Cristo, falamos do messias
profetizado no Velho Testamento e, depois dele, na Última Ceia, criou-se uma
“nova e eterna aliança”, que atualizou a anterior e modificou, de tal modo, a
perspectiva do Divino, que foi criado um Novo Testamento.
O Cristianismo, o Budismo, o Islamismo e mesmo o Judaísmo, não estão nos
seus livros, mas na sua vivência. Viver uma experiencia mística é algo peculiar
e solitário como a competição de um atleta em uma corrida de obstáculos.
Se alguém quiser entender um texto místico, leia-o e medite em silencio
sobre ele. Não tente dissecá-lo pois dissecar um ser vivo pressupõe matá-lo,
antes de qualquer coisa.
Absorva-o em seu espírito e deixe que decante em sua alma. Não o digira,
como faríamos com um alimento solido. Respire-o, inale-o, como fazemos com a
fonte de toda a vida, o NOUS.
E não se preocupe em compreendê-lo com sua cabeça, mas com seu coração;
nem tente dirigir a energia para aqui ou para lá, pois a energia vai para onde
precisa ir.
Tudo isso faremos de modo solitário e pessoal.
Cada um respira do seu jeito.
Esta é a essência da vida: sempre igual, mas sempre diferente e peculiar.
Esse texto alegrou o meu coração.
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