por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Lembro-me de que 30 anos atrás, se não me falha a memória, tínhamos dentro da AMORC o hábito de recomendar aos recém chegados que, “caso desejassem unir-se à pessoas de mentes afim com o ideal rosacruz, poderiam procurar os corpos afiliados ( na época chamados corpos subordinados) e freqüentar suas atividades”.
O que se dizia nas entrelinhas era que em ambiente rosacruciano o membro encontraria uma homogeneidade de interesses e uma multiplicação de esforços na direção do objetivo comum, o desenvolvimento do estado de Consciência Cósmica.
Muitas foram as decepções na época, as quais redundaram em progressivo afastamento de muitos neófitos da Ordem. Nem todos tiveram uma experiência ruim, mas é fato que, supondo que um corpo afiliado abrigasse uma coleção de pessoas de nível mental diferenciado, quando constatavam que estavam em meio a simples seres humanos, alguns, mais imaturos, não tão raramente, sentiam frustração e desalento.
Outro fator de aceleração do afastamento era a convocação precoce, às vêzes ou quase sempre por falta de opções numéricas, para um cargo ou administrativo ou ritualístico.
Principalmente os cargos administrativos geraram, como ainda geram, grandes dores de cabeça para as administrações locais e à Grande Loja.
Alguns membros antigos diziam que estes fatos não deveriam ganhar destaque, pois faziam parte dos testes de aptidão, as famosas “peneiras” a que cada estudante rosacruz é submetido ao longo da senda dentro ou fora do corpo afiliado.
O fato é que os dois problemas citados permanecem até hoje, e o que vemos é, ao invés de Homogeneidade, uma intensa Heterogeneidade no desempenhos dos nossos pronaoi, capítulos e lojas, sendo que alguns poucos tem um curso e um desempenho administrativo e/ou ritualístico brilhante enquanto um grande número amarga condições difíceis, mal conseguindo dar conta de suas obrigações.
Neófitos que compareçam a esses locais, levados pela crença de que encontrarão um ambiente como costumamos dizer, harmonioso, surpreendem-se com o sem número de embaraços que o Mestre do corpo afiliado tem às vêzes para proceder a um simples ritual rotineiro.
São muitas exigências, muitos compromissos, muitas reuniões, muitos ensaios, o que pressupõe que o membro que assuma um cargo no corpo afiliado ver-se-á precocemente às voltas com um sem número de obrigações que não consegue às vêzes satisfazer.
Existe sempre um grupo de resistência, um núcleo duro de frateres e sorores que de maneira permanente sustentam financeiramente a estrutura física, e muitas vêzes também, a ritualística do corpo. Só que as pessoas não são eternas no aspecto físico e uma renovação é fundamental, de forma a que novas energias venham se juntar as antigas e continuar o trabalho templário.
Temos de lá pra cá tido uma piora deste quadro e, se ao mesmo tempo, aumentou o número de afiliados em todo o Brasil, e muitos buscam os portões da Ordem, trazidos por afinidades de outras vidas ou por mera curiosidade, muitos são também os que desistem da senda, geralmente a partir da quarta remessa de monografias.
Acredito sinceramente que esta rotatividade, esta população flutuante e em fluxo, não se sente tão à vontade de sair apenas porque possuam falta de determinação ou porque não tenham ultrapassado as tais peneiras de que falam alguns. Nem muito menos aceito o argumento de que a qualidade dos capítulos é apenas fruto da capacidade da comunidade local em desenvolver adequadamente os procedimentos protocolares do nosso manual administrativo.
Sou rosacruz e membro de AMORC há 37 anos.
Conheci, ao longo destes anos, raras e inesquecíveis pessoas com quem tive a honra de dividir a condição de afiliados da Ordem. São pessoas absolutamente dedicadas à causa rosacruz e que, como eu, serviram a Ordem como oficiais administrativos e ritualísticos abnegados, com a mesma seriedade com que cuidavam dos interesses de sua própria família, convencidos de que seu altruísmo já era em si sua própria recompensa.
Do mesmo modo, contemplei as flutuações de qualidade ao longo das administrações, de forma que uma equipe de grande competência nem sempre era substituída por um grupo com a mesma habilidade e energia.
E, na minha opinião, isto não se deve apenas ao destino, mas ao pouco profissionalismo e amadorismo com que o trabalho de administrar os corpos afiliados sempre foi feito.
Sempre acreditamos que bastava a boa vontade do membro para que o trabalho fosse bem feito.
Não é tão simples. Aspectos legais e financeiros, logística de transporte para eventos de todo um corpo ritualístico, transporte seguro e confortável para eventos da Ordem Juvenil, tudo isso demanda um tipo de abordagem o mais profissional e padronizada possível, isto tudo sem falar no aspecto mais delicado de nossos corpos afiliados: sua viabilidade financeira, que hoje depende exclusivamente de eventos festivos e da mensalidade dos membros pagantes.
Minhas idéias sobre como solucionar essas questões são as mais variadas, desde o estabelecimento de uma quarentena para neófitos, que os impeça de assumir quaisquer cargos antes da primeira iniciação de templo, até a terceirização de funções administrativas para uma equipe estável e profissional, remunerada, que cuide das questões administrativas de modo rotineiro, deixando o mestre e seus oficiais livres para dedicar-se a assuntos reflexivos e filosóficos.
Isto não quer dizer que nenhum de nossos membros tenha capacidade para desempenhar esse papel, mas apenas que não se verá obrigado a desempenhá-lo quando não se sentir apto a isso, e nem o Mestre do corpo afiliado precisará preocupar-se com detalhes cada vez mais numerosos que, dependendo do secretário, serão extremamente penosos de cuidar.
Se a Ordem considera arriscado o aspecto de criação de vínculos empregatícios com pessoas que poderão trazer grandes dores de cabeça na Justiça Trabalhista, ao mesmo tempo deve considerar a possibilidade de que a profissionalização de nossos procedimentos gerará uma uniformidade de condutas que só o profissionalismo traz.
Precisamos urgentemente de uma informatização selvagem de nossos procedimentos, o meio mais adequado e rápido de homogeneização de condutas em todo o país, mantendo a possibilidade de acompanhamento em tempo real pela Grande Loja.
Isto permitiria que Curitiba não se arriscasse aqui e ali com funcionários locais, mas criasse a sua própria empresa de administração, com funcionários treinados para fazer o serviço necessário para a manutenção administrativa do corpo afiliado. E isto em caráter nacional.
Devemos ainda considerar o assunto tabu de como transformar nossos corpos afiliados em empreendimentos prósperos como é da doutrina rosacruz preconizar para todas as nossas atividades ao contrário destes numerosos.
Coordenado sempre pela Grande Loja, um esforço para implantação de atividades rentáveis ligadas a cada grupo rosacruz em cada comunidade na face da Terra, seria muito bem vindo.
Embora alguns estudantes rosacruzes sintam-se mal com a idéia do lucro, como um total apaixonado pela AMORC o que me incomoda profundamente é a penúria material de alguns corpos afiliados, indigna daquilo que os rosacruzes pregam em seus discursos.
Se um neófito chegar as nossas portas deve ao menos ser recebido com dignidade material mínima.
O tal “ambiente harmonioso” começa em condições materiais adequadas e considerando que não somos um grupo religioso, mas uma Ordem iniciática, com um viés Calvinista, para nós estudantes rosacruzes, mesmo em um país católico, a miséria não é o cartão de visitas da santidade, muito pelo contrário.
Como, no entanto, tornar um capítulo ou uma Loja um ambiente próspero e auto-suficiente?
Parece-me que a saída é a implementação de Livrarias Místicas em todo o país, uma rede com sede em Curitiba, de venda de materiais tanto rosacruzes como de outras tradições, como a tradição judaica, a tradição sufi ou a tradição zen budista.
O comércio de livros e objetos ligados a práticas místicas é uma parte importante dos fundos de um corpo afiliado, mas como nem sempre, ou melhor, na maioria das vêzes não é conduzido com o profissionalismo de mercado necessário, não resulta em lucro e em fundos para dar a tal dignidade material ao capítulo.
Prosperidade atrai prosperidade e acredito que com essa guinada profissionalizante, a motivação dos membros será revitalizada e não teremos uma flutuação tão intensa quanto temos hoje. Muitas mensalidades serão pagas de maneira mais regular, já que boletos bancários substituirão os discursos que hoje chamam o membro a responsabilidade de não interromper suas contribuições.
E embora para muitos, desacostumados com disciplina financeira, possam supor que estas medidas vão contra a noção de fraternidade, argumento que a irregularidade e a desatenção com as necessidades materiais de seu corpo afiliado a que muitos estão acostumados, esta sim é uma atitude que não condiz com a ética rosacruz
O estranho é que quando temos membros que pertencem a duas Ordens iniciáticas, ou seja, são rosacruzes e maçons ou rosacruzes e membros de outra escola espiritualista, segundo testemunhei, só esquecem de manter em dia suas contribuições (bem mais baixas que em outras ordens) na AMORC, orgulhando-se de comentar que pertence a esta ou aquela entidade que, com certeza, tem menos escrúpulos de lembrá-lo de suas obrigações.
Não é justo.
Precisamos repensar estas coisas.
Minhas sugestões são apenas isso, sugestões, e estão abertas a críticas e comentários, mas de qualquer forma precisamos mudar a maneira de cuidar de nossos corpos afiliados e, se possível, abandonar o amadorismo administrativo, perdendo a inibição e os escrúpulos de influência católica, de gerar prosperidade material para nossa Amada Ordem.
A heterogeneidade de nosso mundo demanda essa postura.
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