Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 10 de março de 2013

O OLHAR DO INICIADO


por Mario Sales

Alguns maçons e mesmo alguns rosacruzes supõem viver o pleno misticismo e serem dotados de poderes ocultos apenas por estarem filiados à estas Ordens.
Quando uma vez discursando em minha Loja Maçônica defendi a tese de que não havia misticismo na Maçonaria, tive um irmão que sentiu-se extremamente desconfortável, e não fosse o espírito fraterno , talvez  a conversa não teria sido tão polida.
Mesmo quando defini meus conhecidos critérios para o uso destas expressões, dizendo que concebia Misticismo como a busca de Deus em nosso interior, uma busca totalmente pessoal, independente da religião exterior do buscador, e Ocultismo como o conjunto de práticas visando a intervenção e o domínio nas coisas da Natureza (Magia) ou/e coisas dos céus (Teurgia); e Esoterismo, por fim, a condição de segredo imposto aos seus membros e a preservação do mesmo através de um juramento, criando um sem número de códigos para a comunicação, meu irmão mesmo assim não aceitou a minha posição.
Em sua opinião, havia misticismo sim na Ordem Maçônica, bastava ver que todo Maçon trabalha em Loja sobre a égide do GADU, solicitada no início da sessão e, quanto ao Ocultismo, expressava-se este na Cadeia de União.
Sim, é verdade que essas coisas têm em si um caráter por um lado místico e por outro ocultista. Concedo.
Mas são, hoje, os únicos sinais de tais aspectos, quase como resquícios de algo maior, mais parecidas com cinzas frias de um incêndio avassalador no passado longínquo.
A finalidade mais importante do conceito de GADU (Grande Arquiteto do Universo) sempre foi, de fato, social, e não mística. Havia a necessidade de nivelar crenças e credos, de forma a desfazer dentro do possível, o risco de um conflito religioso em Loja, paixões estas que já deixaram lembranças terríveis na história da Humanidade, história da qual a Maçonaria participou.
Cito o caso do Massacre dos Huguenotes, dos reis católicos contra os huguenotes protestantes,que iniciou-se em 23 e 24 de agosto de 1572, em Paris, e prosseguiu por meses, tendo até hoje um número de mortos não definidos entre 7 e 70 mil pessoas, de acordo com o relato, e por ter acontecido nesta data, também conhecido por Massacre da Noite de São Bartolomeu.

A Maçonaria gosta de supor-se de supor-se uma Ordem Ocultista e Mística, apenas por ser Esotérica, coisa que hoje em dia também não é mais.
Não é Mística, e quem está além das colunas sabe que eu não estou cometendo uma injustiça. A busca pessoal de cada um , seja maçon ou não, autoriza-o a ter como objetivo em sua vida dentro da Ordem Maçônica aquilo que bem desejar (já que somos homens livres), mas isto nada tem a ver com as práticas , os ritos e mesmo a mecânica do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Já o ritual da Rosacruz Amorc, o mesmo que foi introduzido por Cagliostro, este sim é focado no aspecto místico. É difícil até, dadas as características do ritual, que durante o mesmo ocorram discussões de cunho administrativo. Não há espaço psicológico para isso.
Mesmo o discurso do Mestre está em um contexto de busca interior e serve mais ao propósito de reflexão sobre temas os mais elevados do que sobre questões mundanas, mesmo que internas à Ordem Rosacruz.
É um ritual voltado a busca interna do Deus em nós, do Mestre Interior, um ritual místico, portanto.
Ali exercita-se, rotineiramente, a mudança de plano de percepção. Busca-se, durante aqueles pouco minutos, vivenciar-se um estado diferenciado daquele que estamos habituados, no nosso cotidiano.
E a este estado pode-se chamar de o Estado do Iniciado.
E que estado é este?
Primeiro, a perda temporária da noção de Ego e de Individualidade. Segundo, a percepção da vida como uma Ilusão, formada de valores transitórios, efêmeros, seja nos relacionamentos pessoais, familiares, seja na nossa idéia de nós mesmos. Terceiro, o mergulho na experiência de comunhão com o Deus de nossos corações, o Deus de nossas compreensões, aonde fenômenos como Vida e Morte perdem significado e só a Vida Eterna da Alma ganha realidade.
Todo rosacruz sai, ou deveria sair de um ritual rosacruciano com a mente aliviada, por alguns instantes, do fardo da ilusão.
Uma das primeiras e mais profundas é a descrita em Marcos 3, 31-35:
"Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e, estando fora, mandaram-no chamar.
E a multidão estava assentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos te procuram, e estão lá fora.
E ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos?
E, olhando em redor para os que estavam assentados junto dele, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos.
Porquanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe."
Esta é a noção verdadeira de fraternidade, o olhar do iniciado, o qual vivenciamos apenas por alguns instantes, a cada ritual rosacruciano.
Esse olhar, que não vê senão a Vida, que não vê senão uma grande família humana, onde laços de parentesco, seja como filhos ou como pais, não tem mais a importância que teriam fora dali, são uma visão de mundo tão peculiar que muitos, a maioria, não consegue suportar.
Nós estamos encaixados como peças de um quebra cabeça em posições psico sociais definidas. Acreditamos nestas posições e nestes rótulos, vivemos por eles, morremos por eles. Ao Iniciado tais noções não são permitidas, com na fala do Cristo citada acima. Tudo muda. Não somos mais quem achávamos que éramos.
Tudo em nosso redor se modifica.
Portanto, o primeiro sinal da Iniciação verdadeira é o estranhamento de todas as coisas, as coisas do Mundo.
Paramahansa Yogananda lembra em seu famoso texto "Autobiografia de um Yogue Contemporâneo" o critério definido por Patânjali em suas sutras (1: 17-18) sobre os dois tipos básicos de iluminação ou Samadhy.
Diz ele que existem dois tipos de Samadhy: um é o samprajanata samadhy, aonde ainda persiste uma diferenciação entre Conhecedor e Conhecido, algo como uma distinção entre o Eu e o Isso; e outro estágio, o assamprajnata samadhy, aonde esta distinção desaparece, e tudo se funde no Um.
O Iniciado comum está no Samprajnata samadhy. Ele sabe que não é deste mundo, sabe que não pertence a este mundo mas ainda se afeta com as coisas do mundo.
No assamprajnata samadhy a iniciação se completou e agora, o indivíduo sabe que não é deste mundo, sabe que não pertence a este mundo, e não mais se afeta com as coisas deste mundo.
A isto chamamos de "divina indiferença", um estado de completa desidentificação com os valores mundanos e um mergulho total na união com a Mente Cósmica ou Mente Suprema.
Este olhar indiferente, aonde tudo faz parte de tudo, aonde não existem mais diferenças entre pessoas, em que até os vínculos familiares foram abandonados, este é o Olhar do Iniciado.
Quem na Maçonaria, ou mesmo na Rosacruz AMORC, pode dizer que tem este olhar? Quem como Gautama, o Buda, abandonaria sua jovem esposa e seu filho recém nascido, hoje, e mergulharia na floresta em busca de Iluminação Espiritual?
Não tenho este número, mas com certeza muito poucos na Rosacruz, e quase ninguém na Maçonaria.
Diva Ogeda, minha amiga e Mestra na Rosacruz, dizia sempre que Misticismo era "pra se tomar na veia", não era uma experiência lúdica ou para todos.
Ser um místico tem o seu preço, como também ser um Ocultista. Por não entender exatamente o que significa Misticismo, a busca que torna tudo ao nosso redor sem importância, alguns supõem-se místicos quando na verdade possuem alguma religiosidade em seus corações.
São níveis diferentes de profundidade e isto, acredito, fica claro, pela fala do próprio Paulo, apóstolo em Gálatas, 2:20 :"...e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim...".
Quem de nós se sente assim? Quem de nós é um verdadeiro místico? Quem enfim, apenas por estar na Ordem Maçônica ou na Ordem Rosacruz, possui este Olhar, o Olhar do Iniciado?

domingo, 3 de março de 2013

LOJA RECIFE, ARTESÃOS, MARÇO DE 2013


REFLEXÕES


por Mario Sales



Luz é o que se diz da energia radiante que nos banha e do conhecimento que nos educa.
Refletir é o que acontece com a luz que se projeta sobre uma superfície polida e retorna até nossos olhos, ou o que também se diz sobre a prática de pensar.
Refletimos, nos iluminamos, quando pensamos e quando a luz toca em nosso corpo, reflete neste corpo e provoca nossa aparição ao olhos dos outros.
Não temos luz própria, no aspecto ótico. Se somos visíveis é porque a luz refletiu em nós. Alguns acham que tem luz própria no pensamento. Também não é verdade e somos reflexo do conhecimento que absorvemos ao longo da vida.
Como nossa imagem visível é o reflexo da luz do Sol ou das lâmpadas em nós, também o que sabemos fazer e mesmo o que conhecemos é reflexo do que outros nos ensinaram.
Tanto a luz solar quanto a luz do conhecimento executam um caminho tortuoso de reflexos em várias superfícies até nos atingir e tanto uma como a outra não discriminam pessoas, atingindo a todos que a elas forem expostos, da mesma forma, com a mesma intensidade.
Alguns materiais absorvem mais a luz que outros, como é o caso de corpos negros ou de cor clara, sendo aqueles grandes absorvedores e estes grande refletores.
Mentes claras, queiram ou não, também refletem a luz que recebem a todos à sua volta. É de sua natureza ser assim.
Mas o pensamento não é capaz de produzir a não ser reflexos da luz original.
Como quando a imagem está à frente de um espelho, e vemos a nós mesmos ali, refletidos. Parece-nos que produzimos outro ser, outro mundo, mas trata-se, todos os que tem bom senso sabem disso, de uma mera ilusão de ótica, um fenômeno físico, inevitável, já que todo corpo iluminado produz reflexo. 
Não é o próprio corpo que emite luz, mas reflete, ao espelho que o reflete, a luz que recebeu de outra fonte.
E mesmo que a mente pareça produzir imensos pensamentos, refletir pensamentos é como refletir imagens entre dois espelhos, um às nossas costas e outro à nossa frente, de tal forma que espelho reflita o outro espelho e pareçamos ter produzido uma sucessão de cópias e um espaço profundo diante e atrás de nós, quando na verdade, só nós existimos, só nós mesmos somos reais, e aquela profusão de imagens desapareceria imediatamente se com um martelo, destruíssemos quaisquer um dos espelhos.

Muitos pensamentos humanos são apenas luzes refletidas, aparentemente profundos, mas na verdade superficiais como o vidro dos espelhos, e frágil como eles, passíveis, de modo fácil e súbito, de desaparecer dos nossos olhos.
Aconteceu com linhas de pensamento que revolucionaram o planeta, custaram muitas vidas, preciosas vidas, e sumiram na poeira da História; aconteceu com líderes políticos, com tiranos; aconteceu com escolas filosóficas, com verdades da ciência, com verdades da moral social.
Tudo desapareceu, ou como espelhos que se quebraram e levaram com eles os reflexos que aparentavam existir dentro deles, ou como espelhos que se moveram lateralmente e perderam o ângulo correto que permite a ilusão do infinito.
Dois espelhos, ou muitas mentes, precisam estar na posição certa para parecerem viver um sonho de eternidade ou grandeza ou imortalidade que se desfará eventualmente, já que nenhum espelho fica na mesma posição para sempre, ou mesmo dura para sempre.
Imagens são apenas imagens, reflexos, como nossos pensamentos. É deste estofo, deste material dos sonhos e das fantasias que muitos se utilizaram para arrastar outros para suas posições, que também chamamos, visões de mundo.
Imagens mobilizaram milhares de exércitos, eletrizaram multidões, em todos os períodos da História.
Imagens mentais, idéias de mundo, expressas em palavras, em discursos, palavras de poder na boca daqueles que sabem manipular este poder.
Viajando da imagem para o som que evoca a imagem, o Iniciado aprende com a lição de Ulisses ao passar pelo Canto das Sereias.
Perto de poderosas e perigosas imagens,é preciso estar sempre preparado: cera nos ouvidos, amarrados com cordas fortes ao mastro de nosso barco para não perder o rumo de nossa viagem.
Oremos e vigiemos.
Nunca é demais lembrar.