por Mario Sales,FRC,SI
Por definição, eu sou um intelectual, um teórico, alguém
afeito aos textos e às interpretações destes textos. O pensamento do
intelectual se alimenta de informações e dados e conceitos que ele articula com
o intuito de descrever panoramas e paisagens do mundo que o cerca de acordo com
seus pressupostos de base.
Sim, como lembrava Kant, todos nós partimos de idéias a
priori, convicções, que nos levam a traçar um caminho próprio em meio às
informações, as quais estão à disposição de todos, de uma forma peculiar e
única.
Mesmo terreno, mesmo relevo, estratégias de caminhada
diferentes.
Contemplando a realidade, os pensadores acabam, não por
descrevê-la com fidelidade, mas sim por interpretá-la.
Embora a ciência positivista nos fale de conhecimento
fundamentado em fatos, nem toda fundamentação existente pode livrar o homem de
ciência da intromissão, indesejada, mas inexorável, inevitável, de sua própria
subjetividade.
Assim, belos discursos muitas vezes ocultam apaixonadas
convicções. A lógica se oferece como auxiliar tanto para os bons quanto para os
maus.
Posso argumentar com precisão a favor ou contra a tirania,
dependendo de minhas convicções, as quais estão lá, a priori, dentro de mim,
antes do discurso, antes da argumentação.
Os campos de concentração nazistas de Auschwitz-Birkenau são
um exemplo da lógica e da organização a serviço do mal, da destruição e da
morte.
Por isso o intelecto é chamado de “A Falsa Luz”, aquela que
brilha sem calor e sem vida, a luz artificial.
Os valores espirituais, entretanto, são mais profundos e
confiáveis, e muitas vezes geram discursos óbvios, aparentemente sem nenhuma
originalidade, mas refletem uma realidade muito mais confiável e estável que as
miríades caleidoscópicas do intelecto.
Portanto, é preciso ter cuidado com o intelecto,
principalmente quando se é um intelectual.
É preciso não se deixar arrastar pelo Ego e não se fascinar
pela própria eloquência, confundindo a lógica interna de um discurso com a
realidade a qual ela se refere.
Há muito tempo conheço esta ilusão.
E por isso mantenho meu discurso na coleira da
espiritualidade, e embora ele ladre e rosne às vezes, está sob o controle
desta.
Não tenho mais o prazer que tinha quando jovem da polêmica
pela polêmica, de discutir exaustivamente sobre qualquer coisa apenas por
exercício. Se me empenho em um debate isto tem a ver com motivos mais elevados,
a defesa de valores espirituais ou morais, mas não opiniões pessoais.
Não me importo mais com a vitória ou a derrota em contendas
orais, ao gosto da Ágora de Atenas e dos Sofistas. Nada disso me atrai ou me dá
prazer.
Aliás, não busco outra coisa na existência que a serenidade,
este bem tão precioso quando difícil de ser preservado.
Às vezes, a serenidade lembra a água que enche nossas mãos,
na pia, enquanto fazemos nossa higiene matinal, e que nos ajuda a lavar o
rosto, mas, ao mesmo tempo escorre pelos dedos. Para que consigamos nos
refrescar e terminar as abluções, enchemos as mãos mais de uma vez no fluxo de
água da torneira, e a água torna a escorrer e a escapar de nós, por mais que
façamos para retê-la.
A verdade é que o frescor da água é diretamente proporcional
ao seu fluxo e se a água que colocamos nas mãos não escorresse e não fosse substituída
por outra porção mais fresca, seu efeito benéfico se esmaeceria em pouco tempo.
A água , quando estagnada, tende a perder seu frescor, e apodrece.
Talvez este seja o segredo da serenidade, não algo a
conseguir e reter, mas uma determinada qualidade de fluxo de eventos a manter. O
espírito é fluido e ágil e o intelecto, mecânico e lento. O espírito plana e
voa no espaço e o intelecto precisa do solo para se deslocar. O intelecto se
apoia em alguma coisa que ele chama sólida enquanto o espírito e as coisas do
espírito flutuam, e fluem, ininterruptamente.
É, portanto, característica da vida serena, o fluxo
constante, com leves oscilações de velocidade ou de intensidade, mas constante.
Não como uma torneira, que em si já é uma imagem ligada a razão, mas como um
riacho, ao qual, mesmo as gotas que caem de nossas mãos retornam e pelo qual
são reaproveitadas.
O ciclo da economia Universal é fechado, e é dentro dele que
sempre estaremos. Nada possuímos, porém de tudo desfrutamos, por um tempo, nada
mais.
Tudo que existe flui por nossas mãos, não é nosso, não vem
de nós, mas passa por nós.
Assim, também as idéias que atravessam nossa mente não são
nossas, e isto é que o Ego não consegue suportar.
Ele, pela sua própria função individualizadora, precisa
supor-se criador daquilo que recebe por captação, e não por elaboração solitária.
Refletir sobre algum conceito, mais do que acessar nossa
memória e nosso próprio raciocínio, é entrar em sintonia com a mente universal
e dela extrair imagens e noções que sozinhos, não conseguiríamos.
E tudo isto dentro do alcance de nossa consciência, que
equivale ao alcance de nosso rádio. Só podemos ouvir estações que nosso rádio
interior possa captar.
É este senso de pertencimento à Consciência Cósmica que o
rosacruz deve desenvolver. Ele nos fortalece, diminui nossa solidão e
insegurança. Uma vez que tal compreensão se estabeleça, perceberemos que nunca
estamos sós, e por isso, no Salmo, Davi diz que antes que ele ore, Deus já sabe o que vai em seu coração (salmo 139,versículo 4).
Quando oramos, não falamos para Deus, mas para nós mesmos.
Ouvimos nossa prece no intuito de organizar nossos
sentimentos, nossas angustias, mas antes que o fizéssemos, o Altíssimo que tudo
sabe, já conhecia nossas necessidades e já elaborava soluções para nossos
problemas.
Conexão é o objetivo fundamental de todos os místicos,
independente de sua linha, de sua cultura.
Ao fim e ao cabo, é só o que importa.
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