por Mario Sales, FRC, SI, MM
Como vocês sabem, eu costumo
diferenciar o sentido das palavras misticismo, esoterismo e ocultismo, dando a
primeira o significado de conjunto de práticas que visam o contato com o Deus
de nossos corações; a segunda, o conjunto de práticas intelectuais, cercadas de
segredo, ligadas a interpretação de textos e símbolos antigos; e, finalmente, a
terceira, o significado de conjunto de práticas ligadas a tornar possível a
intervenção no real, de modo incomum, seja no plano da terra (magia), seja no
plano do céu (teurgia).
De posse deste
critério, podemos dizer que certas ordens são mais místicas e menos esotéricas;
outras mais ocultistas e menos místicas; outras ainda, nada místicas, nada
ocultistas e nada esotéricas, como é o caso da ordem maçônica na atualidade, a
grosso modo uma filial estilizada do Rotary.
Eu sou um rosacruz e
pertenço à Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC) há 40 anos. Pelo tempo, já
me desfiz de ilusões e fantasias acerca das práticas esotéricas e/ou ocultistas.
E fiz uma opção nitzchiniana pela busca, em qualquer trabalho, seja místico,
esotérico ou ocultista, por resultados no Mundo da Vida, conquistas objetivas,
não meramente metafísicas, não os “fantasmas” característicos de mentes pouco elaboradas,
para usar um termo caro a Espinoza.
É minha posição que
tais “fantasmas”, ligados a ignorância e à superstição, não só perturbam a
evolução como também impedem a serenidade no cotidiano. São antes de algo que
nos enriqueça como seres humanos, uma distração na senda para um coração mais
conectado com a Consciência Cósmica, um estímulo ao ego e à vaidade inútil e
com grande capacidade de nos colocar em um looping infinito.
O trabalho esotérico
e o ocultismo, com suas fórmulas complexas e rituais exóticos, não equivalem a
1% do valor do esforço místico sincero. E neste esforço, nesta busca pelo
Cálice Sagrado, só a meditação é necessária como instrumento de crescimento
espiritual.
É verdade que
precisei superar minha ignorância e insegurança lendo muitos textos de várias
tradições para alcançar esta percepção. Assusta pensar que a cultura que
acumulamos retarde nosso avanço e seja inútil para dar o salto de fé que
precisamos para alcançar a iluminação.
Assusta porque o
desenvolvimento da sensibilidade passa pela cultura e pelo conhecimento. Ambos
são elementos formadores de uma personalidade nobre e diferenciada.
No entanto a erudição
pode causar, e causa, a falsa impressão de que sejamos senhores de nossa
existência e centros de importância em um contexto no qual somos apenas um dos
elos de uma enorme sequência de elos, como os nós do cordão martinista nos
lembra.
E como humildade não
é uma virtude, mas uma técnica de liberar espaço em nós para que a Shekinah, a
presença de Deus, se manifeste através de nós, quaisquer falsas sensações de que
somos especiais em qualquer sentido, enquanto seres isolados deste fluxo de
almas, prejudica a consecução de nosso objetivo último, a fusão ou a Yoga com
Aquele que não pode Ser Nomeado.
Se algum dia formos
capazes de desfrutar deste poder dado aos que com ele se fundem, será por sua presença
em nós, não por algum poder nosso exclusivo, e isto escapa a maioria dos
principiantes na escola e na senda mística, quanto mais na senda esotérica.
Quando vejo grupos de
discussão interessados em conhecer as diversas experiências iniciáticas
organizadas ao longo da história da humanidade, talvez na tentativa de
demonstrar sua erudição, me pergunto para que serve e a quem serve este
esforço.
Lembro-me da ácida frase
de Saint Martin que ecoa no akasha nos últimos 3 séculos: “- será preciso tudo
isso para ver Deus? ”
E a resposta que
insiste em repetir-se é um sonoro não, que nos mostra a pouca atenção dada ao
Munda da Vida, fora de nós, mas também ao imenso Mundo Espiritual, dentro de nós,
o qual nos conecta a Inteligência Universal.
Uma e outra coisa são
danosas.
A falta de atenção ao
Mundo da Vida demonstra que não entendemos o papel e a razão de uma tradição
literária esotérica, e de símbolos herméticos que a acompanham. Cada texto ou
cada símbolo são apenas cartas de nossos irmãos do passado enviadas para seu
futuro, que é o nosso presente, aonde podemos consultar excertos de sabedoria
que estes irmãos lograram atingir.
E de que serve uma
sabedoria que não pode ser aplicada, mas que uma vez aprendida, torna-se apenas
mais uma parte de um gigantesco acervo de idéias sem uma contrapartida no real?
Ou seja, qual o valor
de um intelecto hipertrofiado em detrimento de uma visa social à míngua,
desidratada?
Se estamos em Maya,
se estamos em Malkuth, qual seria o nosso papel senão desfrutar desta estadia,
entendendo bem os possíveis ensinamentos que podem ser conseguidos neste
ambiente virtual e real, a um só tempo?
Interpretar um símbolo
antigo e não usar seus ensinamentos uma vez que estes sejam desvelados para
melhorar nosso grau de interação social e psicológica, como se estas coisas
fossem de menor importância diante das revelações do mundo esotérico, há muito
tempo é um comportamento que me preocupa e que, na minha visão, apenas disfarça
um desajuste psicológico que habilmente se mimetiza de erudição.
Que sites ou temas
com estas características que eu descrevi proliferem, embora seja compreensível,
me preocupa.
Ao verdadeiro
esoterista é dada a missão de, através da exegese dos textos e símbolos,
entender que a evolução espiritual é a única e mais importante missão de todo e
qualquer iniciado, e que esta evolução só é conseguida pela interação social,
pela melhoria de nossa capacidade de sermos misericordiosos, generosos, humildes,
pacientes, tolerantes, cuidadosos com os sentimentos de outras pessoas, tudo aquilo
que é realmente difícil de ser e que todos os dias somos desafiados a
demonstrar, no Mundo da Vida, no mundo das relações humanas.
Na Ordem Maçônica e
na Ordem Rosacruz, durante o ritual, somos lembrados de que o templo em que
estamos é apenas e tão somente uma representação do verdadeiro mundo, que está
fora do templo.
O Norte, o Leste (ou
Oriente), o Sul e o Oeste, devidamente determinados, estão ali para nos lembrar
de que o templo é um local de ensaio para o que vamos tentar ser fora dele, um
local de treinamento, e apenas isto, não o local onde o nosso verdadeiro
desafio será enfrentado.
Não.
Templos e livros,
símbolos e Ordens são locais de aprendizado e não devem, em nenhum momento ,
serem confundidas com o mundo real, o Munda da Vida.
São setas na estrada,
não a estrada em si, e quem confundir uma coisa com a outra, corre o risco de
ficar paralisado no caminho, fascinado pelas cores de uma placa e esquecendo do
que realmente precisa se lembrar, de caminhar, de seguir em frente, de
continuar seu percurso, mesmo que a paisagem seja fascinante e nos cause receio
abandoná-la e não mais encontrar outra tão bela.
Foi Parmênides que
venceu, ao longo dos séculos, a disputa por um paradigma que permitisse o
conhecimento científico e sólido que nos deu nossa sociedade e tecnologia, mas
o mundo, na verdade, nunca foi e nunca será parmenídico, pois a natureza é
mutante, e só Heráclito descreveu-a com fidelidade. Neste fluxo que Zigmunt Balman
rebatizou de “mundo líquido” é natural que todos queiramos botes e barcos em
que nos sintamos menos arrastados pela Vontade do Universo, só que isto não impede
que o rio continue seu inexorável percurso, e que sua corrente não nos afete
bem como a todas as coisas ao nosso redor.
Nosso papel, na busca
de equilíbrio e serenidade, é entender que o esoterismo (bem como o ocultismo),
segundo o critério descrito acima, devem servir ao misticismo e não o
contrário. Se, como vejo na Internet ou pessoalmente, conhecimento esotérico
signifique erudição e vaidade e ocultismo a busca fantasiosa de poder pessoal,
o verdadeiro objetivo da existência (evoluir espiritualmente) terá sido
olvidado, e o incauto que assim procede ficará girando muitas encarnações em
torno de um mesmo ponto da jornada.
Ao caminhante cabe
caminhar e se parar que seja apenas para recobrar suas forças, descansar, por
algum tempo.
Como Heráclito diz, o
fluxo é permanente e “nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio, duas vezes”.
A serenidade só será
alcançada quando, em vez de tentarmos reter o fluxo, ou sair do fluxo,
permitirmos que este fluxo flua por dentro de nós, e não ao nosso redor. Neste
instante e que consigamos esta transmutação alquímica de relacionamento com a natureza
das coisas tudo para à nossa volta e só o fluxo em nós persiste.
Este é o portal da
eternidade que devemos buscar atravessar e reiniciar nossa caminhada em outro
patamar, em outro nível de evolução.
É isso.