Por Mario Sales FRC, SI
Emil Cioran
Estimular comportamentos éticos é sem dúvida um objetivo meritório. É a primeira função dos educadores e líderes sociais,principalmente com seu exemplo pessoal.
Existem, portanto, duas
formas de provocar modificações positivas de caráter em outras pessoas: pela
demonstração prática ou por elaborações teóricas convincentes, a técnica da
persuasão.
Dentre as técnicas teóricas
podemos distinguir também dois tipos: através de provocações teóricas
intelectualmente instigantes ou pelo método do discurso moralista.
Em uma coletividade de
pessoas voltadas para a finalidade de autoaperfeiçoamento, manda a boa
estratégia que se use o primeiro tipo de abordagem teórica, aquela que provoca
reações mais profundas. Para isso, não é preciso reinventar a roda.
A humanidade dispõe de um
acervo de reflexões intelectuais de grande beleza e elegância, acervo este
construído do trabalho intelectual de vários e magníficos pensadores ao longo
das épocas.
São filósofos e poetas, além
de escritores místicos que deixaram suas ideias registradas em textos
iluminados sobre variados temas importantes à convivência humana, à construção
de uma personalidade digna e a estruturação de um suporte intelectual que possa
fortalecer o espírito de tantos seres humanos que tem em comum, na experiência
da existência, a perplexidade com a força do acaso em nossas vidas e o receio
do sofrimento e da morte, seja a nossa ou de entes queridos.
Embora tenhamos várias
vezes, a vaidade de acreditar termos a habilidade de organizar em palavras, a
partir de nossa própria experiência, um conjunto de textos, que descrevam
ideias e sensações capazes de servir de farol para a vida de outras pessoas,
poucos entre nós tem este talento, este dom, de falar sobre as coisas da existência
sem o apelo a uma abordagem piegas e melodramática.
Abordagens que recorrem a
lugares comuns, com a profundidade de uma poça de chuva em uma estrada de terra,
abundam nas livrarias e constituem uma fonte de lucros fáceis, já que embora
existam pensadores que defendam que o homem supere, por seu próprio esforço, a
necessidade de muletas, o inevitável constrangimento da vida social, com suas
idas e vindas, principalmente no campo dos relacionamentos, faz com que o
exercito de necessitados espiritualmente de orientação aumente a cada dia.
Infelizmente, este fato
gera como todos sabem um mercado extremamente lucrativo para charlatães e
embusteiros de todas aas espécies.
A grande maioria das
pessoas tem um modo de pensar extremamente simplista, são psicologicamente
infantis e emocionalmente influenciáveis. E é exatamente dessa fragilidade que os maus intencionados se aproveitam para criar em torno de si uma legião
de seguidores dependentes, fenômeno tão comum em nossos dias como em épocas passadas.
E existem charlatães em todos os meios, seja na política como no
espiritualismo, no meio esotérico e mesmo entre respeitados escritores.
Mas esse é outro tema para
outro ensaio. Aqui nos cabe discutir a natureza dos discursos estimuladores do
caráter.
Consciente daquela herança
cultural supracitada que a humanidade detém, a Ordem Rosacruz tem por hábito
colocar na contra capa de suas apostilas trechos de pensadores consagrados,
página esta conhecida como Concordância,
no sentido de demonstrar que o assunto tratado naquela apostila encontra apoio
no pensamento de filósofos ou pensadores renomados de todas as épocas.
Mesmo assim, nós, artesãos,
temos visto uma piora na qualidade dos discursos internos, lidos nas reuniões
reservadas da fraternidade. Muitos textos lidos em loja nos parecem mais com um
conjunto de repreensões morais do que um estímulo a reflexão e a um
comportamento mais equilibrado.
Em alguns momentos, aos
mais antigos membros da Ordem, parece que nos tornamos um grupo de moralistas e
que nossos discursos internos visam nos dizer como devemos viver ao invés de
nos fortalecer com elementos conceituais consagrados que ajudem o
fortalecimento de nosso espírito crítico e nos municie nesta perigosa guerra
mental na qual estamos permanentemente envolvidos.
E de que tipo de guerra estamos
falando? Guerra contra as ideias superficiais, contra a mediocridade, contra a
charlatanice de toda a espécie. Guerra, enfim, contra a mesmice intelectual.
A única defesa contra a
mediocridade é a cultura. Nossos textos internos devem, embora acessíveis,
manter a característica de evitar cair no lugar comum da autoajuda, das frases
de efeito, das recomendações banais acerca de um comportamento social deste ou
daquele tipo.
Não são todos os textos que
apresentam estes vícios, mas alguns são difíceis de crer que tenham sido
preparados para uma reunião de elevação espiritual.
Sempre me orgulhei de
pertencer a uma Ordem que não discutia assuntos de natureza pessoal, que fazia
considerações sobre escolhas pessoais, orientação política ou sexual. Nosso
objetivo como rosacruzes é nos tornarmos seres humanos melhores a partir do
ponto em que estamos, e não a partir de um critério de perfeição determinado
por alguém em alguma sala fechada.
O espírito se manifesta de
variadas formas, ou como lembra o Bhaghavad Gita, o mesmo Krishna tem milhares de bocas e rostos. O que importa, portanto,
é estimular nossos membros a consumirem alimento espiritual de boa qualidade, a
lerem os filósofos, mesmo aqueles que como Cioran[1]
“nasceram sem o órgão da fé”. Não importa. Muitas vezes o raciocínio
de um ateu é mais interessante e preciso do que o discurso piegas de um crente. E um raciocínio adequado,
com ideias claras e distintas, ajuda as mentes a construírem uma personalidade
imune aos cantos de sereia dos vampiros de almas espalhados pelo planeta.
A Ordem Rosacruz, ao
contrário das religiões, não consola sofredores, mas os instrui, para que se
fortaleçam e cresçam em capacidade mental e espiritual.
Nossos discursos lidos em
ambiente reservado devem ser, portanto, didáticos e claros, mas sempre livres
do apelo fácil das recomendações de conduta, focando estimular cada um dos
membros a procurar, por seu próprio esforço, as respostas aos seus
questionamentos, não só na tradição esotérica, mas, principalmente, na tradição
intelectual filosófica e científica, que em si representa o esforço coletivo da
humanidade para libertar-se da ignorância, essa sim, nossa verdadeira e mais
perigosa inimiga.
Contra ela voltemos todas
as nossas forças.
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