Por Mario Sales FRC, SI
Recebi este trecho para meditação de um muito querido Frater
e amigo, um defensor da Ordem Rosacruz indiscutível, artesão da Ordem como eu.
O trecho, de rara beleza, esconde, entretanto, um detalhe
que me preocupou sobre maneira.
Meu último post para o blog (Discursos), não me agradou na forma embora eu reitere o conteúdo
como importante. No entanto, ao relê-lo, achei que não tinha sido claro o
suficiente nas minhas colocações. Foi, portanto, oportuno a chegada deste
trecho de uma monografia para exemplificar de forma indiscutível o tema que eu
debatia naquele texto.
Estamos transformando de maneira sutil e discreta, nossa
Ordem, de uma escola esotérica em uma religião, e isso é muito preocupante.
É claro que “ o amor a Deus é indissociável do misticismo e
só pode senti-lo quem vive em harmonia com as leis divinas.” O diferencial de
uma Ordem Esotérica é a percepção deste aspecto sem as vestes de um grupo
religioso, sem seu dogmatismo, sem rituais aonde a vela é mais importante do que
a luz que ela representa.
Portanto falar em Fé
Rosacruz, partindo do princípio de que os rosacruzes não creem na Ordem como devotos, mas sabem de seu papel na formação do espiritualismo
internacional, é uma afirmação delicada, preocupante e equivocada quanto a
natureza de nosso trabalho nestes últimos milênios.
Ao longo destes quarenta anos de envolvimento com o trabalho
rosacruciano na AMORC, tenho me esforçado, como palestrante e membro, a mostrar,
com dificuldade, a diferença entre as visões de um grupo meramente religioso e
outro, de natureza esotérico mística.
Nem todas as pessoas têm claro para si esta peculiaridade,
esta sutileza de diferençar uma e outra coisa.
Tal equivoco me fez por exemplo publicar um ensaio chamado “Desconforto”,
em 26 de dezembro de 2010, aonde eu comentava o mal-estar para membros da Ordem
budistas, umbandistas, hinduístas ou judeus, ao ver uma imagem de capa na
revista O Rosacruz, de dezembro de 2010, em que a nave do Sanctum Celestial é
reproduzida pelo artista Nicomedez Gomez, mas ao invés de no altar se
visualizar um triângulo de vértice para baixo violeta, via-se a imagem do
Cristo, como se estivéssemos em uma igreja católica.
Talvez muitas pessoas achem um excesso de zelo preocupar-se
com tais detalhes, mas recebi comentários de budistas rosacruzes que disseram
terem sentido o mesmo desconforto, o desconforto que atinge todos que se vêem
preteridos em suas crenças particulares, no momento em que uma dessas crenças
recebe um destaque especial, destaque este que dentro de uma Ordem Esotérica
com um grupo heterogêneo de pessoas não faz o mínimo sentido.
Não somos uma fé.
Não existe uma fé rosacruz, mas uma tradição preservada por
nossa Ordem que é, como de resto todas as tradições são, resultado do
cruzamento de várias culturas e compreensões de mundo, desde o Egito Antigo,
passando pela Grécia, Roma, pelos Essênios, pela Europa do Sul e do Norte, com
a participação ativa de pensadores de linha protestante na elaboração dos
Manifestos do século XVII, nos quais reproduziam símbolos universais,
atemporais, e como tal capazes de ser absorvidos por esoteristas pertencentes a
qualquer linha de crença religiosa.
As palavras têm um peso e um significado, e mesmo aqueles
que não se dão conta disso, são influenciados e levados a determinadas visões
de mundo por causa dessas palavras.
Por isso é preciso muito cuidado com o que escrevemos para
evitar equívocos, para não cairmos em discursos que lembrem uma fala religiosa,
principalmente em função da história perversa ligada a crenças e a diferenças
de visão de mundo. Precisamos nos esforçar, nós os responsáveis pelo trabalho e
pelos textos da AMORC, tenhamos ou não cargos burocráticos na sua
administração, de manter estes textos em um nível de neutralidade suficiente para
impedir que nossos fratres e sorores se sintam desconfortáveis.
É preciso lembrar que nem todos nós, membros da Ordem, embora
respeitemos o trabalho do Cristo, temos o cristianismo como religião. É preciso
lembrar que alguns de nós não tem religião alguma e se sentem confortáveis em
pertencer a um grupo em que sua sensibilidade espiritual não está submetida a
dogmas.
É preciso, finalmente, não esquecer que o rosacruz não tem fé em seu
conhecimento, mas confiança, oriunda de verificação de efetividade e
aplicabilidade desses conhecimentos e técnicas que compõem nosso saber
tradicional.
Esta fala não é minha, mas de Spencer Lewis, e está
disponível em todas as monografias que li, e que acredito que todos os artesãos
como eu leram, ao longo desses últimos quarenta
anos.
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