Por Mario Sales, FRC, SI
Talvez a parte mais importante da fala de Luiz Felipe Pondé
no vídeo aonde discorre sobre a Clínica do Trágico, vídeo disponível no YouTube e aqui em baixo no blog,
seja quando, ao final, já nas perguntas e respostas, quando indagado sobre o
papel do Bem e do Mal no contexto da frase de Caetano de que “o mal é bom e o
Bem, cruel” responde dizendo que na visão trágica do mundo não existe lugar
para trabalhar estas categorias, mas sim, sintetiza, considerar que “ a
crueldade do destino separa os adultos das crianças, ou melhor, os retardados
dos maduros” no sentido psicológico.
Dito de outra forma, esperar pelo melhor e preparar-se para
o pior, já que coisas ruins acontecem, como uma frequência indesejável.
Porque comento isso? Porque muitas vezes, vejo uma tentativa
infantil de nivelar ao mesmo plano a sabedoria dos iluminados com a
complacência dos inexperientes.
Existe no campo religioso e mesmo no campo místico, uma perigosa
auto hipocrisia, que se baseia em repetir para si mesmo que “tudo vai dar certo”,
aconteça o que acontecer.
E não é bem assim que as coisas são.
Um dos filósofos públicos, Leandro Karnal, tem uma piada
sobre o assunto. Diz ele, mais ou menos, que atirar-se do 10º andar pensando
firmemente “eu vou voar”, eu vou voar”, não criará asas em tempo suficiente
para evitar a morte certa no impacto com o solo lá embaixo.
E é este tipo de discurso fantasioso, imaturo, infantil, que
vemos muitas vezes retratado como o discurso correto do místico que crê ou que
tem fé.
Bom senso, prudência e caldo de galinha fazem bem mesmo para
os santos.
Convém que alguém que esteja entrando no Universo Místico,
entre sem sapatos e sem ruído, devagar, pé ante pé.
Como eu sempre repito, misticismo não é religião, embora eu
compreenda que seja sutil e difícil perceber esta diferença e acabemos
misturando categorias de ambas, muitas vezes derramando no ambiente místico valores
eminentemente religiosos e dogmáticos.
Quem tem fé na fé, apenas, deve pagar um preço alto de
natureza física, por isso.
Pois terá fé que tendo apenas fé todas as coisas que lhe
causam atribulação moral, material e espiritual serão superadas.
A fé pela fé gera paralisia, conformismo, um aguardar
passivo da intervenção divina para fazer por nós aquilo que é nossa obrigação.
Místicos tem uma parceria com o Divino, é fato, mas não
abdicam de seu papel nesta peça em que atuam, pois sabem que suas falas devem
ser ditas para que o espetáculo continue. E o show tem que continuar.
Ninguém iria assistir uma peça de teatro em que os atores
ficassem, no centro do palco, mudos, e pior do que isso, imóveis. Seria um
fracasso de crítica e de público.
Todos têm seus papéis. E devem desempenhá-los com empenho,
com som e fúria.
A diferença entre místicos e filósofos trágicos é a crença
na existência de sentido para tudo que fazemos como atores deste drama cósmico.
Filósofos trágicos acham que não existe sentido algum;
místicos sabem que o sentido da vida é a vida em si, como fenômeno dinâmico de
aperfeiçoamento pessoal e espiritual.
E, queiramos ou não, envelheceremos para nos tornar melhores
como pessoas do que éramos na infância.
E nosso equilíbrio mental será preservado se não
estabelecermos metas irrealizáveis, se formos prudentes, se mantivermos nossa
cabeça aberta, mas como dizia Carl Sagan, não tão abertas que nosso cérebro
caia de dentro dela.
O problema não é Maya, a Ilusão, mas acreditar que ela seja
real, da mesma forma que não há nada demais em vivenciar a aventura e o
espetáculo a nossa frente, por hora e meia, desde que saibamos que trata-se
apenas de arte e deleite, cultura e prazer.