Por Mario Sales
Encontrar o justo equilíbrio
entre segurança e liberdade, já dizia Bauman (e Obama) é muito difícil.
Se temos mais de uma, temos
menos da outra, não importa nossa vontade pessoal ou nossas crenças.
Em uma visão realista de um
mundo cada vez mais difícil de administrar, onde a violência e o mal persistem como
mórbida presença na sociedade, a instabilidade é a única certeza em todas as
nossas atividades profissionais e relacionamentos.
Místicos, pessoas
preocupadas em descobrir o que de mais profundo se oculta nas aparências, para
além dos físicos de partículas e dos psicanalistas, também participam da vida
social como qualquer ser humano.
Edmund Husserl
Todos os místicos têm em
comum o alento de serem capazes de ver um sentido e uma linha de proposito no
aparente caos que nos cerca. Um certo pensador alemão, chamado Husserl, dizia
que “a consciência é doadora de sentido” e, portanto, nada impede que os
céticos nos acusem de ver na vida um sentido que se baseia em nossas crenças
pessoais. Concedo tal posição, contra argumentando, entretanto, que não crer
também é uma crença, um paradigma, que permite uma visão da vida mais
objetiva, mas não mais ampla.
Sempre temos pressupostos a
partir dos quais examinamos o mundo. As desejadas lentes transparentes e
incolores não existem para a mente.
O ceticismo, no entanto,
para ser fiel a sua origem, deve, como diz a piada, ser cético também quanto a
si mesmo.
Quando um nobre rosacruz do
século XVII deu ao mundo com seu “Discurso do Método”, os primeiros traços do
ceticismo como ferramenta de investigação, buscava livrar a mente de ilusões e
fantasias, na construção de um conhecimento de certeza, confiável, sustentado.
É necessário lembrar que
este mesmo pensador rosacruz tinha uma crença inabalável na existência de Deus
e não desejava com suas especulações dar munição ao ateísmo, mas sim combater a
superstição.
Por que crer e ser cético ao
mesmo tempo sofre dos mesmos problemas citados antes entre segurança e
liberdade. Só que do mesmo modo que ter mais segurança garante uma liberdade
melhor e uma maior liberdade, seja no caráter religioso, intelectual ou de
imprensa, torna a vida em sociedade mais segura, o ceticismo, paradoxalmente,
pode ajudar a crer de forma mais fundamentada. Não apenas porque se quer crer,
mas por ser a crença produto de uma percepção interior indubitável, embora
pessoal e intransferível.
O problema é que a fé não
fundamentada em sensação e percepção interna, a fé do religioso que se baseia
apenas e tão somente em uma crença construída culturalmente, é diferente da
convicção mística da presença de Deus em nós e em todas as coisas.
Como neste campo estamos em
terreno perigoso e movediço, é preciso cuidado e prudência, já que estamos
falando de sensações subjetivas, do sujeito.
E como lembram os grandes
iniciados, místicos não trabalham com a hipótese antropomórfica da divindade.
Eles narram em seus textos e
cartas sentimentos pessoais e impressões que o atingem da mesma maneira que a
beleza de uma escultura ou o delicioso e fascinante desconforto que vem da
contemplação dos quadros de Dali, ou de Magritte, ou mesmo de Picasso na fase
cubista.
Não cremos, nós, místicos.
Sabemos que Deus está aqui, da mesma maneira que sentimos o vento invisível tocar
nosso rosto, ou a luz do sol nos aquecer a pele. No nível mais profundo,
sentimos em nosso íntimo o êxtase de estarmos em contato com pessoas e coisas
que perdem a estranheza quando mergulhadas em um contexto de interligação, que
é a lente dos óculos místicos para contemplar o mundo que nos cerca.
Lentes vermelhas, mundo
vermelho; lentes azuis, mundo azul; lentes foscas, pouco transparentes, e o
mundo assim será também, fosco, sem beleza, distorcido.
Depois do microscópio e do
telescópio, não ver alguma coisa, sabe-se, não quer dizer que ela não está lá.
Um ceticismo parcial e
metodológico é útil.
O ceticismo total, sem a
dose adequada, no entanto, conspira contra a busca da verdade.
É preciso ser cético quanto
ao ceticismo, por prudência, não por ideologia. A verdade deve estar no meio de
tudo, dançando como uma odalisca, vestidas com vários véus.
O mesmo pensador citado
acima, que falava que o sentido era dado pela consciência, também defendia que
o melhor método de investigar os fatos era manter todas as nossas certezas em
suspenso, entre aspas, enquanto durasse nossa busca, nossa analise do objeto de
estudo, fosse uma rocha ou uma sociedade primitiva.
A pressa é inimiga da
compreensão adequada.
Deixemos que nossa sensibilidade
à arte, à musica, à beleza enfim sejam nossas guias na busca da verdade, e não
a emoção ou a razão apenas.
Essa sensibilidade é a
metodologia mística de investigação, superior ao ceticismo puro e simples, pois
nos ensina a perceber o invisível como se sólido fosse sensibilidade que é uma
ferramenta altamente desenvolvida de compreensão dos fenômenos a nossa volta.
É isso.
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