por Mario Sales
Mandei
os primeiros dois ensaios para alguns amigos para colher suas reações.
Foram
as mais variadas.
Os
mais ligados ao discurso científico destacaram a coerência do texto com a
compreensão atual da neurociência. Os com formação científica tão sólida quanto
espiritualista demonstraram um certo embaraço diante das propostas, que não
poderiam em sã consciência contestar, mas que, embora não tenham dito de odo
explicito, deixaram uma impressão incomoda materialista.
E
finalmente, os de formação essencialmente espiritualista, disseram com todas as
letras que um raciocínio peca por relegar os aspectos espirituais a um plano
secundário ou mesmo inexistente.
O
fato é que, no meu entusiasmo e paixão, esqueci de dizer que de forma alguma,
nego a complexidade da alma, a sua existência, ou afirmo a preponderância do
corpo sobre o espírito.
Minha
concordância com Espinoza e com a visão neuro científica contemporânea advém de
que, simplesmente, não posso desprezar o aperfeiçoamento de nossa compreensão
dos mecanismos químicos e hormonais de nosso veículo de evolução, o corpo.
A
alma continua lá, intocável, em minha mente. Continuo a crer,
rosacrucianamente, que somos uma alma com corpo e não um corpo com alma.
O
que evidencio, entretanto, é que uma vez que melhore nossa compreensão de nosso
mais importante instrumento, podemos da mesma maneira transcender uma serie de
equívocos que fazem com que suponhamos nossos impulsos que são do corpo, ou que
encaremos com embaraço e vergonha pensamentos absolutamente naturais
considerando nossa condição peculiar de existência.
Em
um ensaio antigo (O Mergulho) usei a metáfora do escafandro para o corpo.
Compreender nosso escafandro pode ser vital a nossa sobrevivência no fundo do
oceano da existência. Como o instrumento, o escafandro não pode ser considerado
uma limitação, embora seja limitado. Ele nos possibilita a exploração das
profundezas do mar como a roupa do astronauta o protege da falta de oxigênio no
espaço. Da mesma forma o corpo precisa ser compreendido, não porque o espirito
não importe, mas porque ele, corpo, importa tanto quanto a alma, já que, em
termos de existência, um não sobreviveria sem o outro e a própria razão da
existência, existir para aprender, seria inviabilizada.
Não
me torno um espiritualista pior se me empenho em aumentar meu conhecimento
sobre a natureza que nos envolve, e cuja manifestação mais próxima é nosso próprio
corpo.
Munido
dessas informações que o método cientifico acumula, ano após ano, eu posso
compreender melhor minhas atitudes e, principalmente, olhar para mim mesmo com
mais misericórdia, incapaz a partir daí de ter um viés moralista ou marcado
pela culpa. Uma das frases mais interessantes de Spencer Lewis é aquela que diz
“todos os instintos foram colocados em nós por Deus; portanto, todos os nossos
instintos são santos”.
Conhecer
o corpo, as razões do corpo, seus mecanismos, é entender suas motivações e as
consequentes alterações que provoca em nossa mente e comportamento.
Muitas
foram as escolas que lidaram com o comportamento humano; infelizmente todas
limitadas por uma postura parcial do comportamento, ora compreendendo-o como
somente uma consequência da biologia, ora supondo-o derivado apenas de opções
espirituais e éticas, sem compreender que são universos interpenetrantes, que
colhem um do outro energias e realizam uma condensação das mesmas em
resultantes psicológicas e físicas, a um só tempo.
Uma
importante geneticista brasileira usou em uma fala uma expressão que me causou
grande impacto na época. Ela disse: “Genética não é destino.” De fato. Existe
um genótipo sim, uma herança, que terá de dialogar, entretanto, com um
fenótipo, com um ambiente e uma dada situação psicossocial, diálogo do qual
resultará o individuo como o conhecemos.
Da
mesma forma, pela própria natureza da relação íntima entre alma e corpo, nosso
comportamento também será afetado tanto por nosso karma quanto por nossos
movimentos bioquímicos que Espinoza tão brilhantemente antecipou e que a
neurociência hoje evidencia.
Não
são, no entanto, conhecimentos excludentes.
O
autoconhecimento não é apenas de natureza espiritual. Conhecer o corpo para
usar e relacionar-se melhor com o corpo é tão importante para o espírito quanto
o estudo e o aprimoramento filosófico.
Por
isso os yogues não falavam em apenas meditar, mas elaboraram uma serie de
práticas físicas, respiratórias e digestivas na intenção de encontrar o
equilíbrio entre o veículo e seu usuário.
A
alma não é a mente, mas antes tem na mente a resultante dos processos
eminentemente espirituais somados aos impulsos sublimados das demandas
essencialmente orgânicas (fome, sede, desejo sexual, reflexo de defecação,
frio, etc).
Nossa
compreensão deste processo de relacionamento evolui século após século e embora
intuamos muito de sua natureza, ainda estamos longe de compreendê-lo plenamente
e usá-lo a nosso favor, sem transformar em culpa o que é legítimo ou em
vergonha o que é , em princípio, santo, como lembrava Lewis.
Todo
conhecimento que recusar um de nossos aspectos em detrimento do outro é falso e
incompleto.
Precisamos
integrar em um único tecido toda a realidade, o que alias sempre foi o sonho do
nobre pensador holandês citado em epígrafe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário