Por Mario Sales
Nina é uma nova amiga, soror iniciante na senda lá do Rio de
Janeiro. Conversamos esta semana por pelo menos 3 hs, sem vídeo, explorando
suas dúvidas acerca de vários temas e aspectos do esoterismo.
Lá pelas tantas, a soror questiona como é possível superar o
coração de neófito e avançar no amadurecimento espiritual.
Milton Nascimento
Interessante questão, que eu discutiria com mais dois amigos
4 dias depois.
Opinei que não existe tal coisa como “um coração de
neófito”, mas sim uma “cabeça de neófito”, com suas dúvidas habituais,
incertezas e hesitações.
A razão, que nos ajuda em vários momentos, em outros nos
bloqueia e nos faz tropeçar. Nesses momentos a razão, nossa cabeça, como sempre
digo, não merece confiança.
Dúvidas sobre a senda, sobre decisões de ordem pessoal ou
profissional, insegurança quanto a ir para lá ou para cá, essas são situações
provocadas e mantidas pela razão, não pelo coração.
Talvez por causa do esforço iluminista no século XVIII, na
tentativa de libertar o homem de uma vida supersticiosa e atada de forma
angustiante à religião, a emoção tenha sido relegada ao plano das
características do comportamento que precisavam ser postas sob a redoma do bom
senso.
Como se isso fosse possível.
Uma reação a esse racionalismo excessivo foi praticamente
imediata, com o advento do romantismo na literatura do século XIX, romantismo
aqui como rebeldia específica ao cientificismo excessivo, numa demonstração
clara de não aceitação da razão como única gerenciadora de todos os nossos
comportamentos.
Na história da filosofia, (campo de saber que se inicia com
os Jônios, na Grécia), este ir e vir da emoção como virtude ou vicio sempre
aconteceu, principalmente quando, injustamente, associava-se a emoção apenas à
um fenômeno romântico sexual, momento de perda da moderação e do bom senso.
No “Symposium”, ou “O Banquete”, diálogo famoso de Platão, a
entrada de Alcebíades, apaixonado e bêbado marca a chegada do Caos emocional a
um ambiente que, até aquele momento, primava pela moderação e por belos
discursos acerca do tema, o Amor.
Ali se inicia o conceito de oposição entre a loucura do
sentimento e o equilíbrio do ser intelectual e racional. Essas duas correntes,
uma que faz um elogio daquilo que é racional e outra, que paradoxalmente, com
argumentos racionais, defende a importância da emoção, seguem ao longo dos
séculos debatendo e se hostilizando, em certos momentos.
Aos poucos fica claro que a emoção não é apenas e tão
somente, o veículo do desejo sexual ou da ligação entre amantes. Ela é, como
mostra Jean Jacques Rousseau, a área da sensibilidade, que muitas vezes nos
surpreende com certezas inexplicáveis acerca de assuntos que a razão não
consegue dar conta, seja pela profundidade do tema, seja com a velocidade que a
emoção trabalha.
Jean Jacques Rousseau
Blaise Pascal
Para os místicos, a importância da sensibilidade cardíaca é indubitável.
Por isso respondi para a soror que não existe tal coisa como coração de neófito, apenas cabeças de neófito.
São as crenças e as convicções acerca da vida, do mundo e de nós mesmos que nos tolhem a liberdade e a velocidade na evolução espiritual.
O coração romântico nada tem a ver com o coração que sente a vida em vez de pensá-la.
A paixão romântica, o páthos, a doença da alma, é tão
intensa e perturbadora porque está em ressonância com a ânsia da vida por si
mesma. Para a natureza, diz a biologia, a única função da paixão é levar a
procriação, a continuação da existência das raças, não só a nossa, mas todas as
raças sexuadas, de abelhas aos cães, do louva deus aos seres humanos.
A força do desejo, diz a Cabalá, da busca dos amantes uns
pelos outros, não reflete carinho de um pelo outro, como supõem os ingênuos apaixonados,
mas necessidade de aumentar, pela geração de novos seres, o número de corpos
disponíveis para as almas que querem evoluir.
Este, entretanto, é apenas um dos níveis em que a força de vida que nos atravessa incessantemente, trabalha.
A alma tem cinco níveis e este é o mais básico, Nefesh, o
nível do instinto, nem por isso menos sagrado.
Spencer Lewis lembrava que “todos os instintos foram
colocados em nós por Deus. Portanto, todos os instintos são sagrados”.
É a mesma onda de vida, o mesmo fluxo, que nos conecta com
toda a criação, e que nos faz sensíveis a conhecimentos que não estão em nós,
mas que podemos acessar por esta conexão, da mesma maneira que os indivíduos
que vemos na tela da tv não estão dentro do aparelho, mas extremamente longe
dali, e o que ocorra é que este aparelho nos coloca em sintonia com as ondas
projetadas do estúdio de origem daquelas cenas.
Pode-se dizer então que graças ao coração e sua ligação com
o fluxo da vida, vemos coisas sem os olhos e sabemos de coisas sem conhecê-las.
Todos os dias, pelo noticiário televisivo, vamos a Paris,
Moscou, Londres ou Washington sem ter que pisar nessas cidades.
Pela sensibilidade cardíaca estamos aqui e em Andromeda sem
nunca termos saído do planeta.
E isto cria, com um material que é recebido, mas o cérebro é
incapaz de processar, o que os pensadores do século passado classificaram de
espaço subconsciente e que Jung, corretamente, identificou não como um
manancial de doenças e recalques, como pensava Freud, mas um deposito de
informações infinito, como a plataforma GOOGLE na Internet.
Nesse mar de possibilidades e dados, podemos navegar e dele
extrair informações úteis acerca de quaisquer assuntos que possamos imaginar.
Nossa razão, entretanto, não conseguirá decodificar coisas que não compreende
por lhe faltarem as condições básicas de compreensibilidade, e tudo será
transformado em impressões imprecisas, oníricas muitas vezes, já que no sonho
tudo é permitido.
A razão é como um filtro para esta massa de dados que nos
chega pela sensibilidade do coração. O filtro limita nossas possibilidades de
acesso ao que nos chega e nossa consciência desse material só aumentará quando
nossa razão for modulada para filtrar menos o fluxo que nos atravessa.
Esta complacência aumentada ao fluxo, que alarga os
orifícios dos filtros, tem que ser gradual, ou a intensidade do fluxo poderia
causar desconforto ao nosso sistema nervoso, ou mesmo desequilibrá-lo.
Sabemos muito, mas conscientizamos apenas aquilo que nosso
cérebro consegue suportar.
Nossas limitações são neurológicas portanto, e é isso que
faz com que nossa cabeça precise de tempo e esforço para estar apta a processar
o conjunto gigantesco de dados que a sensibilidade nos traz.
Nossos corações são, portanto, nossa conexão com a sabedoria
universal. Todos os corações são corações de mestre, nunca de neófito. Já a cabeça
sempre será de neófito, nunca de mestre, já que pensa e, pensando, supõe-se a
autora das coisas que apenas recebeu de outras fontes.
Somos, pois, seres conectados a uma vasta rede, da qual
alguns de nós nem suspeitam a existência.
Outros saberão que ela existe, mas não sabem como acessá-la.
E existem aqueles que sabem acessá-la, parcialmente, enquanto
os mais sábios assumem o papel de meros retransmissores desta rede,
desaparecendo como indivíduos e ressurgindo como terminais de recepção.
Estes são os fatos.
Não existem, pois, como na canção, corações de estudante,
mas somente, corações de mestres.
É isto que chamamos, no jargão da rosacruz, o Mestre Interior.