Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 16 de outubro de 2021

CORAÇÃO DE ESTUDANTE

 

Por Mario Sales



“Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade”

Do poema de Milton Nascimento e Wagner Tiso

 

Nina é uma nova amiga, soror iniciante na senda lá do Rio de Janeiro. Conversamos esta semana por pelo menos 3 hs, sem vídeo, explorando suas dúvidas acerca de vários temas e aspectos do esoterismo.

Lá pelas tantas, a soror questiona como é possível superar o coração de neófito e avançar no amadurecimento espiritual.

Milton Nascimento

Interessante questão, que eu discutiria com mais dois amigos 4 dias depois.

Opinei que não existe tal coisa como “um coração de neófito”, mas sim uma “cabeça de neófito”, com suas dúvidas habituais, incertezas e hesitações.

A razão, que nos ajuda em vários momentos, em outros nos bloqueia e nos faz tropeçar. Nesses momentos a razão, nossa cabeça, como sempre digo, não merece confiança.

Dúvidas sobre a senda, sobre decisões de ordem pessoal ou profissional, insegurança quanto a ir para lá ou para cá, essas são situações provocadas e mantidas pela razão, não pelo coração.

Talvez por causa do esforço iluminista no século XVIII, na tentativa de libertar o homem de uma vida supersticiosa e atada de forma angustiante à religião, a emoção tenha sido relegada ao plano das características do comportamento que precisavam ser postas sob a redoma do bom senso.

Como se isso fosse possível.

Uma reação a esse racionalismo excessivo foi praticamente imediata, com o advento do romantismo na literatura do século XIX, romantismo aqui como rebeldia específica ao cientificismo excessivo, numa demonstração clara de não aceitação da razão como única gerenciadora de todos os nossos comportamentos.

Na história da filosofia, (campo de saber que se inicia com os Jônios, na Grécia), este ir e vir da emoção como virtude ou vicio sempre aconteceu, principalmente quando, injustamente, associava-se a emoção apenas à um fenômeno romântico sexual, momento de perda da moderação e do bom senso.

A emoção era vista apenas como sinônimo da paixão, o páthos, a doença que envergonhava os homens gregos e lhes retirava a capacidade de manter seu autocontrole.



 Alcebíades chegando ao Banquete


No “Symposium”, ou “O Banquete”, diálogo famoso de Platão, a entrada de Alcebíades, apaixonado e bêbado marca a chegada do Caos emocional a um ambiente que, até aquele momento, primava pela moderação e por belos discursos acerca do tema, o Amor.

Ali se inicia o conceito de oposição entre a loucura do sentimento e o equilíbrio do ser intelectual e racional. Essas duas correntes, uma que faz um elogio daquilo que é racional e outra, que paradoxalmente, com argumentos racionais, defende a importância da emoção, seguem ao longo dos séculos debatendo e se hostilizando, em certos momentos.

Aos poucos fica claro que a emoção não é apenas e tão somente, o veículo do desejo sexual ou da ligação entre amantes. Ela é, como mostra Jean Jacques Rousseau, a área da sensibilidade, que muitas vezes nos surpreende com certezas inexplicáveis acerca de assuntos que a razão não consegue dar conta, seja pela profundidade do tema, seja com a velocidade que a emoção trabalha.

Jean Jacques Rousseau


Blaise Pascal, filósofo, físico, inventor, teólogo, e matemático francês talvez tenha sintetizado melhor que ninguém o assunto ao dizer que "O coração tem razões que a própria razão desconhece".

Blaise Pascal




Para os místicos, a importância da sensibilidade cardíaca é indubitável.

Por isso respondi para a soror que não existe tal coisa como coração de neófito, apenas cabeças de neófito.

São as crenças e as convicções acerca da vida, do mundo e de nós mesmos que nos tolhem a liberdade e a velocidade na evolução espiritual.

O coração romântico nada tem a ver com o coração que sente a vida em vez de pensá-la.

A paixão romântica, o páthos, a doença da alma, é tão intensa e perturbadora porque está em ressonância com a ânsia da vida por si mesma. Para a natureza, diz a biologia, a única função da paixão é levar a procriação, a continuação da existência das raças, não só a nossa, mas todas as raças sexuadas, de abelhas aos cães, do louva deus aos seres humanos.

A força do desejo, diz a Cabalá, da busca dos amantes uns pelos outros, não reflete carinho de um pelo outro, como supõem os ingênuos apaixonados, mas necessidade de aumentar, pela geração de novos seres, o número de corpos disponíveis para as almas que querem evoluir.




Este, entretanto, é apenas um dos níveis em que a força de vida que nos atravessa incessantemente, trabalha.

A alma tem cinco níveis e este é o mais básico, Nefesh, o nível do instinto, nem por isso menos sagrado.

Spencer Lewis lembrava que “todos os instintos foram colocados em nós por Deus. Portanto, todos os instintos são sagrados”.

É a mesma onda de vida, o mesmo fluxo, que nos conecta com toda a criação, e que nos faz sensíveis a conhecimentos que não estão em nós, mas que podemos acessar por esta conexão, da mesma maneira que os indivíduos que vemos na tela da tv não estão dentro do aparelho, mas extremamente longe dali, e o que ocorra é que este aparelho nos coloca em sintonia com as ondas projetadas do estúdio de origem daquelas cenas.

Pode-se dizer então que graças ao coração e sua ligação com o fluxo da vida, vemos coisas sem os olhos e sabemos de coisas sem conhecê-las.

Todos os dias, pelo noticiário televisivo, vamos a Paris, Moscou, Londres ou Washington sem ter que pisar nessas cidades.

Pela sensibilidade cardíaca estamos aqui e em Andromeda sem nunca termos saído do planeta.

E isto cria, com um material que é recebido, mas o cérebro é incapaz de processar, o que os pensadores do século passado classificaram de espaço subconsciente e que Jung, corretamente, identificou não como um manancial de doenças e recalques, como pensava Freud, mas um deposito de informações infinito, como a plataforma GOOGLE na Internet.

Nesse mar de possibilidades e dados, podemos navegar e dele extrair informações úteis acerca de quaisquer assuntos que possamos imaginar. Nossa razão, entretanto, não conseguirá decodificar coisas que não compreende por lhe faltarem as condições básicas de compreensibilidade, e tudo será transformado em impressões imprecisas, oníricas muitas vezes, já que no sonho tudo é permitido.

A razão é como um filtro para esta massa de dados que nos chega pela sensibilidade do coração. O filtro limita nossas possibilidades de acesso ao que nos chega e nossa consciência desse material só aumentará quando nossa razão for modulada para filtrar menos o fluxo que nos atravessa.

Esta complacência aumentada ao fluxo, que alarga os orifícios dos filtros, tem que ser gradual, ou a intensidade do fluxo poderia causar desconforto ao nosso sistema nervoso, ou mesmo desequilibrá-lo.

Sabemos muito, mas conscientizamos apenas aquilo que nosso cérebro consegue suportar.

Nossas limitações são neurológicas portanto, e é isso que faz com que nossa cabeça precise de tempo e esforço para estar apta a processar o conjunto gigantesco de dados que a sensibilidade nos traz.

Nossos corações são, portanto, nossa conexão com a sabedoria universal. Todos os corações são corações de mestre, nunca de neófito. Já a cabeça sempre será de neófito, nunca de mestre, já que pensa e, pensando, supõe-se a autora das coisas que apenas recebeu de outras fontes.

Somos, pois, seres conectados a uma vasta rede, da qual alguns de nós nem suspeitam a existência.

Outros saberão que ela existe, mas não sabem como acessá-la.

E existem aqueles que sabem acessá-la, parcialmente, enquanto os mais sábios assumem o papel de meros retransmissores desta rede, desaparecendo como indivíduos e ressurgindo como terminais de recepção.

Estes são os fatos.

Não existem, pois, como na canção, corações de estudante, mas somente, corações de mestres.

É isto que chamamos, no jargão da rosacruz, o Mestre Interior.



quarta-feira, 13 de outubro de 2021

MESTRES

 

Por Mario Sales

 



Maravilhoso.

Este é o adjetivo adequado ao trabalho em pool de quatro lojas e um Capítulo Rosacruz, que de tão ativo deveria ser também uma Loja.

Deus me perdoe dizer isso, mas não fosse a pandemia não teríamos percebido o potencial de trabalhar em encontros on-line, unindo rosacruzes de diversas regiões do país e finalmente, integrando em ambiente fraterno em torno de reflexões comuns tantos buscadores sinceros e dedicados.

E se existem várias pessoas que podem ser citadas com palavras elogiosas, para não ser injusto, concentrarei minha homenagem nos mestres desses organismos, como o nome diz, os maiores servidores destes corpos afiliados.

Soror Gabriela Amparo, mestra do Capítulo Mogi das Cruzes; Frater Alessander Palma, mestre da Loja Florianópolis; Soror Jo Buran, mestra auxiliar da Loja Guarulhos; Frater Rodrigo Marinho, mestre da dinâmica Loja Recife, PE; Frater Paulo Pinheiro, abnegado mestre da Loja Curitiba; e a imprescindível Lourdes Lescano, patrimônio incalculável da Loja Guarulhos e AMORC-Brasil, no papel de Mestra de Cerimônias destes muitos eventos.

Todos os citados se encaixam na categoria de servidores da AMORC. E esta categoria é a mais comum entre nós. A fraternidade se sustenta neste trabalho discreto, anônimo, silencioso, somatório de muitas mentes e braços que se articulam como se fossem um só ser humano, uma só alma.

Nunca falamos disso, talvez por receio da vaidade, um dos mais poderosos demônios que nos combatem; mas cedo a tentação desta vez de tecer elogios a estes elementos fundamentais ao funcionamento e a existência desta que é a nossa casa, a nossa escola.

É prazeroso ver a alegria e a leveza com que esses mestres desempenham seu papel, sentindo-se recompensados pelo ato de produzir condições propicias ao compartilhamento do conhecimento e, quando pela graça de Deus é permitido, de sabedoria e espiritualidade entre todos os nossos membros.

Não esperam aplausos ou palavras de agradecimento. Sentem-se, de forma sincera, embaraçados quando isso ocorre. Sua paga é ver seus esforços sendo recompensados por eventos bem-sucedidos, testemunhando, de maneira inequívoca, a expansão da luz, como dizemos.

Eu conheci muitos servidores silenciosos, ao longo desses quarenta e oito anos de filiação.

Muitos já não estão neste plano. Pessoas da maior nobreza e dignidade, os quais, cada um a seu modo, considerando suas habilidades, fizeram a transição sem que recebessem nenhum galardão especial.

E nem por isso seu serviço teve menor importância ou menor valor estratégico.

A começar pela minha iniciadora, Angelica Stengel Colle, a responsável pela doação dos terrenos aonde está situada a Grande Loja, em Curitiba, cujo nome, curiosamente, não é citado no corpo do livro Historia da AMORC no Brasil, (fala-se em "familia Colle", e não em Angélica) texto fundamental para acompanhar o crescimento da fraternidade em nosso país.

Exemplos de colaboradores desconhecidos, no entanto, são muitos. E isso é o que nos mantém vivos enquanto instituição e organização.

Não podendo reverenciar um por um, deste momento histórico e de outros períodos, dirijo meus elogios e cumprimentos a estes seis mestres, que formam uma versão viva da estrela de Salomão, os dois triângulos que fundem o que está em cima com o que está em baixo.

Que seu trabalho continue abençoado.

Feliz a confraria que tem servidores deste calibre.

Feliz a Ordem que conta com colaboradores de nível espiritual tão alto e refinado.

domingo, 10 de outubro de 2021

PECULIARIDADES

 Por Mario Sales FRC

 

Não confunda compreensão com um vocabulário mais amplo. Os escritos sagrados são benéficos para estimular o desejo de realização interior, se uma estrofe de cada vez for assimilada lentamente. Caso contrário, o estudo intelectual contínuo pode resultar em vaidade, falsa satisfação e conhecimento não digerido.

Sri Swami Yukteswar Giri,

"Autobiografia de um Iogue Contemporâneo" de Paramahansa Yogaananda

Sociedade Histórica da Pensilvânia, Filadelfia

Na Sociedade Histórica Da Pensilvânia existe uma carta, entre outras, de Sir Isaac Newton (25 de dezembro de 1642 [calendário juliano] ou 4 de janeiro de 1643 no [calendário gregoriano] — Kensington, 20 de março de 1727  [calendário juliano] ou 31 de março de 1727 [calendário gregoriano]) para Robert Hooke, (18 de julho de 1635 — 3 de março de 1703) cientista experimental inglês do século XVII, seu adversário científico.

Nela, Newton cita uma frase de Bernardo de Chartres, filosofo platônico do século XII. A frase em questão é “se vi mais longe é porque estava nos ombros de gigantes”, (nanos gigantum humeris insidentes) numa alusão ao conceito de “descobrir a verdade a partir de descobertas anteriores. Não se trata de modo algum de uma citação vulgar. É talvez o mais importante conceito do trabalho científico.

Isaac Newton, físico e rosacruz

A ciência, como todos sabem, é a busca pelo esclarecimento das causas dos fenômenos naturais, perceptíveis ou não, muitas vezes, causas estas contrárias às percepções do senso comum.

De qualquer forma a ciência ortodoxa trabalha com o mundo manifesto. A ciência não lida com conceitos inefáveis ou espirituais. Não é sua função.

Tais investigações de natureza mais íntima são do campo do misticismo.

E por que faço esta distinção?

Já chego lá.

Vamos, didaticamente, acompanhar uma metáfora.

Robert Hooke


Imaginem um praticante de esportes de competição. Um atleta de corridas com obstáculos.

Com certeza será treinado desde muito jovem, logo se perceba nele tendencia e talento para esse tipo de disputa. Terá um técnico, alguém que lhe ensinará as técnicas e métodos necessários ao aprimoramento de seu desempenho; entretanto, o papel do técnico terminará aí.

No dia da competição, e mesmo durante os treinamentos, a solidão do atleta, onde ele tem apenas a companhia de seu próprio corpo, será total.

 


Bernardo de Chartres

 

Seu sucesso vai depender do seu esforço e disciplina pessoais e das condições em que estiver no dia da disputa.

Tudo que seu técnico poderá fazer na hora da competição será sentar-se, observar e torcer para que nada dê errado durante o evento. Não terá, no entanto, maneira nenhuma de interferir durante o desafio de seu pupilo pois neste momento, como foi dito, a solidão do competidor é absoluta e indiscutível.

Ao contrário do atleta solitário, em ciência e na cultura em geral, nós somos muitos, ao mesmo tempo. Precisamos uns dos outros todo o tempo, como fontes de informação ou de inspiração para o nosso próprio trabalho. Não existe solidão intelectual, solidão teórica.


Microscópio de Hooke


Somos, enquanto pesquisadores, como disse o filosofo Bernardo de Chartres, “anões nos ombros de gigantes”. Se isso vale para a literatura, para a ciência vale mais ainda, pois fazer ciência é acumular dados e evidencias empíricas e matemáticas que fortaleçam convicções antes baseadas apenas em especulação. A ciência não é uma experiencia solitária. Precisamos dos relatos dos acertos e dos erros daqueles que nos precederam e por isso os pesquisadores não são insubstituíveis, mas as suas anotações estas sim, são fundamentais. Até onde um for, antes de passar pela transição, se anotou seus passos e experimentos, poderá ser o ponto de partida daquele que vier depois.



 E é exatamente assim que a ciência, historicamente, tem avançado, num esforço coletivo, constante, de expansão do conhecimento a partir do trabalho, e do registro em anotações ou vídeo deste trabalho daqueles que nos precederam.

O cientista, assim como o intelectual, não conhece nem pode conhecer a solidão do atleta. Ao contrário do atleta que vive do aqui e do agora, do momento da glória ou do fracasso conseguido a duras penas e em função tanto de seu talento e esforço como de circunstâncias às vezes imprevisíveis, cientista e intelectual conversam com vivos e mortos, através dos textos, a herança de nossa cultura.

Esta metáfora visa estabelecer um paralelo entre a prática esotérica e a prática mística.

Quem me acompanha aqui no blog sabe que faço distinção entre estas duas coisas, dando ao termo esoterismo o significado de prática intelectual de consulta e leitura de textos antigos da tradição, e para misticismo reservo o significado de busca solitária do Deus interior.

Se muitas vezes o misticismo bebe do esoterismo, em nenhum momento se confundem.

Posso agora dizer que o esoterista é como o cientista, pois precisa dos textos anteriores para compreender outros textos, mas o místico é como o atleta, que está completamente só em seu esforço pessoal de busca íntima.

Ao contrário do esoterista que pode discutir com outros esoteristas o significado deste ou daquele trecho do livro que estuda, a busca mística é pessoal e intransferível e mesmo aqueles entre nós, místicos, que já receberam a bênção de ter um mestre pessoal, um Adepto, que o tenha aceitado como discípulo, sabem que o esforço pessoal é única e exclusivamente responsabilidade do discípulo e o Mestre só pode torcer para que ele, seu discípulo, seja bem-sucedido em seus desafios.

 



A nenhum Mestre verdadeiro é permitido interferir no desempenho de seus chelas, sob pena de enfraquecê-lo e impedir que este desenvolva as habilidades que aquele desafio lhe proporcionará.

Se alguém, generosamente, quiser descrever suas sensações e impressões acerca de sua busca pessoal e solitária pela iluminação, o fará no intuito de dar um depoimento sobre aspectos absolutamente particulares que serão específicos de sua própria existência.

A cada místico, em cada encarnação, caberá uma história de vida peculiar. Místicos não são produzidos em série. São absolutamente diferentes uns dos outros, seguem diferentes tradições, tem diferentes cor de pele, hábitos, idiomas e forma física. Alguns usam ternos, outros andam seminus. Uns são magros, outros obesos.

A única coisa que os une é a sede de Deus, a fome pela iluminação, e a solidão em que realizam essa busca ininterrupta, vida após vida.

Como eu disse acima, o sucesso ou o fracasso do místico, como o do atleta, dependem de treino, talento, mas também de circunstâncias nem sempre previsíveis, que ao fim e ao cabo representarão também testes de aperfeiçoamento e fortalecimento do buscador.

Dito isso, podemos entender que existem textos esotéricos e textos místicos.

Textos esotéricos são, sim, baseados em outros textos. São interpretações ou variações de documentos mais antigos sobre os quais o esoterista meditou.

Já textos místicos são depoimentos, narrativas de caráter pessoal, mas que serão compreendidas por aqueles que também estão na mesma senda e que buscam o Cálice Sagrado pelas mesmas veredas, solitária e diligentemente.

Textos místicos, ao contrário dos esotéricos, são, sempre, totalmente originais, como a vida daqueles que os inspiram, pois relatam experiencias de vidas que jamais se repetirão, que não poderiam se repetir já que dizem respeito apenas e tão somente aquele que faz o relato.

Nesse viés, Cristo não era cristão, Buda não era budista, e nem Maomé era Maometano.

Esses homens eram místicos que compartilharam experiencias pessoais. É apenas depois deles que surgem os esoteristas, comentando, por páginas e páginas, o provável significado dos atos e palavras daqueles iluminados.

Portanto, Místicos não podem ser compreendidos a partir dos livros que leram, nem da bibliografia que consultaram porque eles trazem um olhar original sobre tudo que foi escrito antes. No caso do Cristo, falamos do messias profetizado no Velho Testamento e, depois dele, na Última Ceia, criou-se uma “nova e eterna aliança”, que atualizou a anterior e modificou, de tal modo, a perspectiva do Divino, que foi criado um Novo Testamento.

O Cristianismo, o Budismo, o Islamismo e mesmo o Judaísmo, não estão nos seus livros, mas na sua vivência. Viver uma experiencia mística é algo peculiar e solitário como a competição de um atleta em uma corrida de obstáculos.

Se alguém quiser entender um texto místico, leia-o e medite em silencio sobre ele. Não tente dissecá-lo pois dissecar um ser vivo pressupõe matá-lo, antes de qualquer coisa.

Absorva-o em seu espírito e deixe que decante em sua alma. Não o digira, como faríamos com um alimento solido. Respire-o, inale-o, como fazemos com a fonte de toda a vida, o NOUS.

E não se preocupe em compreendê-lo com sua cabeça, mas com seu coração; nem tente dirigir a energia para aqui ou para lá, pois a energia vai para onde precisa ir.

Tudo isso faremos de modo solitário e pessoal.

Cada um respira do seu jeito.

Esta é a essência da vida: sempre igual, mas sempre diferente e peculiar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

QUEREMOS SABER

  

Por Mario Sales, FRC


ilustração referente ao texto de Carl Sagan 
chamado "Um Dragão na minha Garagem"

 

Certas coisas sabemos; outras, não.

Saber é conhecer com clareza e distinção aquilo que é conhecido. Não há necessidades de algum tipo de crença especial em algo que sabemos, porque saber é a ausência de dúvida acerca do que se sabe.

Assim, sabemos que um triangulo tem três lados, ou que um quadrado tem quatro.

Isto não depende de fé, mas de compreensão intelectual.

O mundo esotérico, por natureza, conduz-se em um jogo de velar e desvelar. De esconder alguma coisa que em princípio alguém, outra pessoa, quer descobrir.

O mundo esotérico, infelizmente, equivoca-se acerca de sua própria importância, fazem alguns séculos.

Um trauma que remonta ao período da inquisição, da perseguição a cientistas, belas mulheres e livres pensadores. Tudo isso passou, mas o trauma permaneceu. O esoterismo ainda se comporta como se muitos tivessem o único objetivo na vida de descobrir o que os ocultistas dizem ocultar.

E digo “dizem” por que em realidade, como já discuti em outro ensaio, “Crenças e Fatos”, não existem evidências abundantes das afirmações feitas nos livros esotéricos.

O esoterismo, no jogo dos saberes, não mostra suas cartas alegando que não pode fazê-lo, quando ao fim e ao cabo, ninguém, ou muito poucos, estão interessados em vê-las. Lembro a frase de Gerard Encausse, Pappus:

“Jogue nas mãos de um profano um texto esotérico. Ele, displicentemente, não o lerá. Se o ler, não o compreenderá. E se compreender, não acreditará.”

O ensino esotérico como preconizado por Spencer Lewis, baseado em experimentos de confirmação, no domínio de certas técnicas didaticamente ofertadas aos que as estudam, em monografias simples e diretas, foi aos poucos relegado a um plano secundário, e a ênfase em crenças e reflexões éticas aumentou.

As técnicas estão lá, os “experimentos”, ou visualizações mentais, ainda estão lá; mas salvo engano, corrijam-me se eu estiver equivocado, são tratadas hoje em dia como práticas não positivistas, mas exercícios de fortalecimento da fé.

Nessa hora, ficamos muito parecidos com uma religião, o que não somos, nem nunca fomos.

Dito isto, reitero meu pedido de alguns anos.

Em relação ao conhecimento esotérico, precisamos revisar nossos métodos didáticos e retomar a busca positivista de evidências de nossas afirmações.

Precisamos, antes de tudo, fazer um levantamento de nossos telepatas, de nossos telecinéticos, de nossos terapeutas. Precisamos recensear entre nós quais tem maior habilidade em projeções astrais, quais têm sonhos proféticos. Esses indivíduos devem ser convocados a discutir suas habilidades com seus colegas afins (fratres e sorores) que tenham habilidades semelhantes, de forma a construir um conhecimento comum e organizar meios de distribuir as informações práticas referentes a esses dons.

Temos condições, hoje, de fazer seminários virtuais acerca desses assuntos.

Temos também possibilidade de realmente saber quem, entre nós, domina e conhece tais habilidades e pode ensinar como fazê-lo.

Lemos frequentemente sobre feitos que nunca testemunhamos. Vivemos uma época de narrativas, como aqueles descritos na Doutrina Secreta, os quais Blavatsky chama de “fatos”, dos quais, entretanto, não dá nenhuma demonstração ou suporte empírico.

Lembro-me, que li em uma monografia, que durante uma simples convenção rosacruz, Spencer Lewis levitou no palco enquanto afirmava não estar em nenhum tipo de transe, demonstrando, para todos os presentes, suas afirmações.

Eu sigo seus passos.

Anseio que a Ordem recupere seu caráter positivista que a distingue no mundo esotérico.

Pelo menos para que nós, iniciados, possamos lidar com um saber constituído de solidas bases, e não de convicções que dependam de crença ou da fé.

Queremos saber, não crer, para citar Carl Sagan.

Não acho que seja pedir muito.