por Mario Sales
O forte desenvolvimento da Ordem Martinista nos últimos
anos, dentro da Ordem Rosacruz, abrigada por Spencer Lewis, e preservada por
Ralph Lewis, traz em seu bojo aspectos que deixam confusos frateres e sorores ao
longo dos anos e tem causado episódicos problemas aos Grandes Conselheiros da
AMORC em suas respectivas regiões.
E talvez o problema mais frequente seja o daqueles que,
percebendo a diferença de viés entre as duas Ordens, sentem-se desconfortáveis
de pertencer ao Martinismo e mesmo fazem uma campanha explícita contra a
prática martinista dentro da Ordem. É verdade que estas vozes aos poucos tem
diminuído e tendem a desaparecer, porque refletem pensamentos pouco flexíveis e
de difícil adaptação a novas possibilidades. De certa forma, também são
manifestações de anticlericalismo e considerando a história de perseguições e
mortes engendrada em certos períodos da Igreja, muitas vêzes contra rosacruzes,
entende-se o desconforto psicológico em abrigar uma Ordem Cristã.
Sim, porque ao usar-se o termo "Cristão" pensa-se
imediatamente em Cristianismo, e o "Cristianismo", como movimento
histórico, e a mensagem de Jesus o Cristo, como já vimos aqui, são coisas
absolutamente diferentes. Principalmente pelo fato de Jesus jamais ter
pertencido a nenhuma seita ou religião, de ter pregado uma prática de desapego
as coisas materiais e de ter vivido de modo simples e sem luxo, enquanto aquela
que se diz sua representante na Terra age como sabemos.
Louis Claude de Saint Martin
Nesta análise, entretanto, isto não vem ao caso. O que
importa é que falar em uma Ordem Cristã dentro de um meio esoterista e
religiosamente heterogêneo como é a Rosacruz, por mais que não sejamos
sectários, é querer que óleo e água se misturem.
Jacques de Livron Joachim de la Tour de la Casa Martinez de
Pasqually
Esoteristas não tem uma visão de Deus antropomórfica.
Martinistas também não, mas parecem ter, ao transformar o Cristo Jesus no
Grande Arquiteto do Universo, modificando uma antiga fórmula maçônica para
evitar conflitos religiosos em Loja. Isto é compreensível apenas se lembrarmos
que o Martinismo começou como Martinezismo, e que Martinez de Pasqualy era uma
judeu Marrano, cristianizado, e que além disto era membro da Ordem maçônica, de
onde extraíam-se membros para a Ordem Martinezista, conhecida como Ordem dos
Cavaleiros Eleitos.
Ao dar uma personalidade e um rosto àquele que significará a
representação de uma idéia, em princípio Universal, imediatamente esta mesma
idéia é desuniversalizada e restrita àquele símbolo (no caso Jesus, o Cristo) e
é difícil, a não ser para aqueles que já sejam cristãos, que tal modelo seja
aceito e compreendido como representante geral da idéia em si.
Além disso, como já disse, ver o Cristo e não pensar na
Igreja é muito difícil, embora hoje existam muitas igrejas cristãs diferentes
da Igreja Católica de Roma. E se lembrarmos que os autores do Fama e do
Confessio Fraternitatis, na Alemanha, eram protestantes anti papais viscerais, adeptos
da Reforma de Martinho Lutero, fica mais visível o conflito a que me refiro.
Johann Valentin Andreae
Ordens Esotéricas não são religiões, mas associações de
homens e mulheres voltadas ao estudo ou à prática dos ensinamentos ocultos da
Tradição em suas vidas. Crêem no poder da mente, são Panteístas, vêem Deus em
todas as coisas e em todos os seus Avatares, seja Maomé, Buda ou Jesus, Chico
Xavier ou Krishna. Não dão em geral importância maior a um do que a outro,
porque como místicos sabem que dentro de cada um destes iluminados, como dentro
de qualquer ser humano, está a mesma luz, já que nossas almas são, como aliás
ensina o Martinismo, emanações da alma de Deus, e portanto, da mesma natureza
divina.
Rosacruzes oram para dentro, ou no máximo diante de sua
própria imagem carnal no espelho, de forma a lembrarem sempre que o Deus de
nosso coração e de nossa compreensão reside dentro de nós.
Martinistas fazem saudações a símbolos externos, ao qual
prestam reverência ritualística, demonstrando sua devoção ao foco de sua
oração, o GADU Cristo.
É importante lembrar, a título de justiça, que os
ensinamentos de Saint Martin definem a Oração verdadeira e eficiente como
aquela que vê no coração de cada iniciado a porta pela qual se chega ao
Altíssimo e não em qualquer referencial externo, visão esta que se coaduna com
o pensamento rosacruciano.
De qualquer forma, embora haja uma ênfase no pensamento de
Louis Claude de Saint Martin, o martinismo que nos chega hoje, no século XXI é
produto de um amálgama de visões e posturas, aonde Saint Martin é apenas uma
delas, se bem que a principal.
Mistura-se no ritual aspectos do Ocultismo, já abandonados,
do século XVIII, do Cristianismo como visto pelos cristãos europeus, do Cabala
Cristão de Pico de La Mirândola e do Cabala Judaico de Luria.
Isto assim destrinchado de modo didático torna claro as
influências de um e de outro componente cultural e filosófico no que hoje
chamamos de TOM, mas dentro de um ritual pode parecer que estamos participando
de uma prática monolítica, Una, indivisível, o que não é verdade.
E existem pessoas que não conseguem pensar sobre isso, mas conseguem
sentir esta salada de influências juntas no caldeirão de uma única prática,
ainda mais que a carta de Stanislas de Guaita, que garante liberdade e
aceitação a todos os que frequentarem a TOM, às vêzes é esquecida por este ou
aquele dirigente mais autoritário, ao demonstrarem certos excessos de zelo
ritualístico que denunciam a mesma falta de compreensão e flexibilidade
daqueles que deveriam defender a TOM, dentro da AMORC, quanto daqueles que a
atacam como um problema desnecessário.
Absorver a TOM não foi um erro de Spencer Lewis ou de Ralph,
foi apenas a manutenção de uma tradição rosacruciana de muitos séculos.
Nós, rosacruzes, não somos uma religião, mas pode-se dizer,
estamos entre aqueles grupos chamados de Guardiões da Espiritualidade e de suas
manifestações mais elevadas.
Guardamos e protegemos muitas tradições ao longo de séculos
e a TOM é apenas mais uma, não a mais importante e provavelmente não a última.
Desde as pirâmides, preservamos a tradição Atlante, a tradição
dos ritos de Elêusis, os ritos Órficos, os ritos Zoroastrianos, os ritos
pitagóricos, os ritos essênios com seus conhecimentos terapêuticos, os ritos
alquímicos, as práticas ocultistas que hoje praticamente abandonamos, alteramos
os rumos e o conteúdo da Ordem Maçônica, insuflando-lhe o sopro do esoterismo,
e obviamente, preservamos os ensinamentos Cristãos mais profundos, através de
nossos pensadores do Círculo de Tübingen[1],
além de preservarmos no décimo grau de templo os ensinamentos da nobre ordem
dos Iluminatti[2].
Nós, rosacruzes, não somos uma religião, mas somos guardiões
de muitas expressões da espiritualidade, pois aonde houver uma vontade legítima
de buscar o divino, lá estaremos para velar e proteger esta iniciativa.
E se notarmos nesta iniciativa as características comuns a
todas as manifestações de Deus na face da Terra, tornaremos esta iniciativa
parte de nossos ensinamentos e a retransmitiremos adiante, mantendo nossa
missão de zelar pela perenidade disto que chamamos genericamente de Tradição.
Adam Weishaupt, fundador da Ordem dos Iluminati na Baviera
Este é o papel histórico desta nobre Ordem e a razão pela
qual abrigar a TOM é apenas decorrência de nossa própria natureza como
preservadores do sagrado.
[1] O historiador francês Paul Arnold foi o primeiro a considerar os três manifestos como a obra comum do "Círculo de Tübingen", ou seja, o grupo que se reuniu ao redor do (futuro) teólogo Johan Valentinus Andreae e dos juristas Tobias Hess e Christoph Besold, na Universidade de Tübingen (Alemanha). Frances Yates, no entanto, relacionou o rosacrucianismo "clássico" do século XVII unicamente a Frederico do Palatinado e sua corte inglesa em Heidelberg. Apesar do sucesso da tese de Yates, os historiadores Richard van Dülmen, Martin Brecht e Roland Edighoffer reconstituíam os fatos graças a uma pesquisa histórica aprofundada, que aconteceu a partir de 1977. Brecht e Edighoffer estudaram, ao mesmo tempo e independentemente um do outro, e finalmente provaram a autoria dos manifestos. Andreae se fez conhecer como o autor dos textos (sua “obra pessoal”) e Tobias Hess, defensor do milenarismo e partidário de Paracelso (que, como afirma o historiador Carlos Gilly, "Andreae honrou e defendeu após sua morte, como pai, irmão, mestre, amigo e companheiro"), teria sido o mestre e iniciador do grupo de onde saíram os manifestos da Rosa-Cruz.( http://pt.wikipedia.org/wiki/Rosa-cruz)
[2] Illuminati, (plural do latim illuminatus, "aquele que é iluminado"), é o nome dado a diversos grupos, alguns históricos outros modernos, reais ou fictícios. Mais comumente, contudo, o termo "Illuminati" tem sido empregado especificamente para referir-se aos Illuminati da Baviera, uma sociedade secreta da era do Iluminismo fundada em 1° de maio de 1776.
O texto a seguir foi escrito por um membro do Supremo Conselho da Ordem Cabalística da Rosa+Cruz fundada na França em 1888! Vemos que pelo menos uma década antes de HSL conseguir contato com Rosa+Cruzes franceses. Sempre me intrigou esta Ordem estar plenamente ativa assim como a Ordem Martinista (1890) e HSL precisar encontrar um ramo adormecido e descontinuado... HSL e RML tem uma tara por ramos descontinuados, pois novamente fazem parceria com a OMT que está adormecida na França e assim tenta garantir e reforçar sua legitimidade enquanto ordem tradicional, pois o martinismo tendo sido fundado anteriormente a AMORC lhe dá um selo de qualidade e garantia de tradicionalidade!!!
ResponderExcluirGostaria de comentários seus sobre o texto, uma vez que destoa do que você discursou sobre a essência do Rosacrucianismo.
HOW TO BECOME INITIATABLE TO THE FRATERNITY OF THE ROSE-CROIX
http://pastebin.com/9Z1k1agQ
Quem quiser saber mais sobre a OKR+C
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_Kabbal%C3%ADstica_da_Rosa-Cruz
Quem quiser saber mais sobre a OM
http://es.wikipedia.org/wiki/Orden_Martinista
A Maçonaria e a Rosacruz se consagraram no que concerne a encontrar, disponibilizar e guardar ensinamentos de diversas culturas, países e épocas. Concordo contigo sobre isso meu caro frater. No entanto, ao optar por manter os ensinamentos do martinimos, os símbolos, a administração e a própria Ordem separadas da Amorc, mas ao mesmo tempo, sob sua total proteção, a Amorc tomou uma decisão de manter e preservar uma segunda forma de ensinamentos, que como bem dito, são complementares (ainda que eu acredite que como ordem e conteúdo, o Martinismo serviria como única escolha, ao invés de ter que fazer parte de ambas).
ResponderExcluirNunca saberemos o que viu e o que intencionou HSL e RML ao tentar resgatar uma ordem praticamente adormecida. Talvez os delegados e grande mestres do Martinismo viram na AMORC uma oportunidade de expandir, de se organizar e de levar a luz do martinismo para um maior número de pessoas. Já do lado da AMORC, é inegável que ela foi bem sucedida ao estreitar relações com um dos fundadores e obter deles a carta-patente e a autorização depositária dos documentos, conhecimentos, símbolos e ritos.
A percepção que tenho hoje em dia é que nosso atuais dirigentes não fazem a menor ideia dos motivos pelo qual HSL e RML trouxeram o Martinismo para baixo das asas da AMORC, muito menos ainda há o brilho nos olhos de quem dirige o movimento. Dá a entender que é algo que precisa crescer, mas que dá trabalho de mais e retorno de menos.
O Martinismo é menos atrativo que a AMORC, os oficiais se revezam nas funções pois não há novos para assumir, quando um membro falta aos conventículos, não há uma preocupação em ligar para saber se está tudo bem, não há de fato uma fraternidade, nem uma irmandade, há apenas um punhado de colegas de classe que não compartilham seus conhecimentos.
Em tempo, com a amorczação do Martinismo (leia-se: transformando o conhecimento em monografias) e com a quantidade de alterações que o conteúdo vêm sofrendo ao longo das últimas décadas, fica cada vez mais difícil distinguir o que é original, dado que se pegar o sistema antigo e o sistema novo, notará claramente que inúmeros assuntos foram suprimidos. A pergunta que me faço é: onde foi parar o que foi suprimido?
FInalizando, prezados irmãos questionadores, sinto uma certa tristeza em ver os neófitos estudando os graus preliminares sem saberem que aquele conteúdo já não é mais o original. Me dá uma certa frustração em ver que os frateres e sorores não buscam a fundo o conhecimento. Mas, talvez seja esse o propósito, deixar o material tão didático quanto possível para diminuir a quantidade de questionamentos, afinal, quem questiona demais pode se tornar uma ameaça.
Meus sinceros votos de paz profunda.
Como sempre frater Mário, ao lê-lo me revigoro, me identifico, aprendo e amenizo dúvidas. Obrigada por partilhar seus questionamentos e conhecimentos.
ResponderExcluirUm abraço fraterno
carla