Entre os maçons a liberdade é quase completa.
Embora falem em hierarquia , nas lojas os irmãos são
instados a falar o que pensam, expor suas idéias sem medo, desenvolvendo pouco
a pouco o hábito e a serenidade de sustentar suas posições em meio a uma
sociedade formada, na maioria das vêzes, por pessoas apáticas e sem opinião.
Este é o papel mais importante da maçonaria hoje: formar
líderes sociais que possam intervir, em princípio positivamente, nos caminhos
que os seres humanos trilham como coletividade.
Este senso de liberdade, entretanto, às vêzes excede o bom
senso. Talvez a culpa destes excessos seja o termo Especulativo associado ao
nome da Ordem a partir do século XVIII. O sentido da palavra Especulativo,
de espelhos, espelhos que refletem a Luz da razão, que deste modo geram
reflexão racional, era deixar consagrado o horizonte desta nova maçonaria, uma
maçonaria ao sabor do Iluminismo daqueles tempos, algo que se apoiava no
trabalho de Descartes no séc XV, Espinoza no séc XVI e Kant no século XVII, na
Filosofia; e de Newton no séc XVIII na Física. Havia naqueles tempos uma fé
quase religiosa na capacidade do pensamento lógico, apoiado na matemática, bem
como na matemática, como método de interpretação e validação da Criação.
Antigos pensadores gregos que se dedicaram a Geometria foram ressuscitados para
fundamentar um mundo que, a partir daquele momento histórico, perdia a sua
instabilidade e suas arestas, polidas pela racionalização ostensiva de todas as
coisas.
Especulação, no entanto, perdeu seu sentido original ao
longo dos anos, entre os maçons.
Deixou de representar um pensamento racional e
lógico, portanto encadeado, para dar lugar ao sentido de especulação livre, no
sentido de sem regras ou limites.
Não existia para alguns maçons nada que os impedisse de
pensar o que quer que fosse, e a isso eles chamaram Liberdade de Pensamento.
O
que obviamente é um equívoco, já que o bom pensamento, se é que podemos falar
deste modo, é aquele que está ligado por um fio condutor, a chamada linha de
raciocínio, a mesma linha que dá qualidade as conclusões.
Aristóteles, ( Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.),
já lembrava ao definir as regras da lógica do pensamento, que premissas falsas
levam a conclusões falsas, ou seja, que se partirmos de pressupostos falsos não
concluiremos nada de confiável.
E um pressuposto falso, por exemplo, que é comum de se ver
entre maçons, é aquele de que símbolos simbolizam não uma ou duas coisas, mas
tantas coisas e idéias quantas eu possa inferir de cada um deles. E estas
idéias acerca do que um símbolo possa representar, não estão, segundo alguns
maçons, presas a nenhum tipo de significado anterior ou pétreo, sendo o símbolo
feito de um material praticamente aquoso, adequando-se à interpretação do
interpretador de acordo a vontade deste.
Este é, claro, outro equívoco.
Para mostrar porque, comecemos por alguns exemplos simples e
didáticos: as letras.
Suponham apenas por um momento que o som do E não fosse
aquele que conhecemos, ou que o A não soasse sempre como um A. A instabilidade
do som de uma letra causaria um verdadeiro caos em qualquer língua pois esta
instabilidade sonora se desenvolveria em progressão geométrica, a medida que
palavras, sentenças, parágrafos e textos inteiros fossem produzidos.
Tão importante é que a estabilidade do som de uma letra seja
mantido e preservado que diante da alteração, não do som, mas da tonicidade ou
da nasalidade de uma expressão, novos símbolos vem somar-se às letras para
orientarem o interpretador dos sons, também chamado leitor, na maneira correta
de emiti-los.
Isto vale para as letras como para as pautas musicais. Vale
para quaisquer representações simbólicas que queiramos fazer de nossas
atividades cotidianas, como indivíduos ou como sociedade.
Agora vejamos símbolos menos específicos que as letras ou as
notas musicais, sejam simples ou complexos, como defini em um artigo anterior no
blog sobre este tema intitulado "Os símbolos estáticos, os dinâmicos e
os pré-dinâmicos ou suavizados", de 23 de novembro de 2011.
Comecemos com símbolos geométricos, os primeiros que foram
objeto de estudo nos tempos em que o Ocultismo predominava. Vejamos por
exemplo, o mais simples de todos os símbolos geométricos: o ponto.
Um ponto, é bem verdade, isoladamente, pode representar
muitas idéias, mas via de regra, ele tem o que chamamos de "significado
principal", aquele que se sobressai sobre todos os outros e do qual todos
os outros derivam.
No caso do ponto, este significado principal é a Unidade.
Um ponto é sempre único, e não plural. Ele representa acima
de tudo a concentração e não a dispersão. Um conjunto de linhas saindo de um
mesmo ponto representaria bem a idéia de dispersão, como os aros de uma roda de
bicicleta, mas o ponto sózinho, solitário, sobre uma folha de papel, jamais
faria com que pensássemos em um processo de expansão, mas sempre e sempre em
uma condensação.
Mas condensação do que? Não importa, condensação de alguma
coisa, e aí um contexto explicativo, um texto enfim, é necessário para dar a
complementação desta explicação, para dar contornos a esta coisa que o ponto
representaria como estando condensada.
A lista é enorme: temos a Divindade, antes de se expandir na
Criação; a singularidade quântica dos cosmólogos, que antecedeu o Big Bang; o
centro de nós mesmos, nosso interior mais profundo; a mônada de Leibniz, sua
versão para a noção de alma, embora dissesse serem conceitos diferentes; e
assim por diante.
Portanto, como o A é sempre A, (e se quisermos representar o
seu som com uma modificação de timbre, por exemplo, o som de A anasalado,
precisaremos de um símbolo companheiro e auxiliar, o Til [~] ), o ponto sempre
será um símbolo do estado de condensação e da Unidade Indivisa, e nunca de
outra coisa qualquer, sendo possível especificarmos algum contexto específico
desta unidade com o auxílio de um texto auxiliar.
Existe entretanto outro meio de auxiliar a contextualização
de um símbolo, sem o uso de palavras ou um texto complementar.
Por exemplo, se eu coloco um ponto dentro de um círculo, terei
um símbolo complexo, composto, onde dois símbolos diferentes vem dialogar. É
comum vermos este símbolo aparentemente muito simples em textos dos séculos
XVII, representando a relação entre o Criador e a Criação, esta considerada
como o círculo periférico e aquele como a Unidade de onde esta periferia
surgiu.
Para que fique determinado que este ponto central é o
responsável por esta criação, geralmente neste símbolo do Círculo com um ponto,
o ponto é exatamente equidistante do círculo a sua volta, colocado de tal forma
que se iguala ao ponto e ao círculo produzidos por um compasso.
Este é mais um tributo que a simbologia faz à geometria e
aos seus instrumentos.
Da mesma forma que o ponto, o círculo sozinho, sem o ponto
no centro para dialogar com ele, não tem a mesma significação do que quando
acompanhado do ponto, da mesma forma que o A e o à são diferentes símbolos de
diferentes sons.
O Círculo sozinho tem, via de regra, em todos os grandes
símbolos compostos aonde aparece, o significado principal de Infinitude e
Eternidade, já que ele é a linha que não tem princípio nem fim. Ninguém, se for
um simbologista, olhará para um círculo solitário e terá outra compreensão, a
não ser aquela de que aquele círculo está representando o conceito de algo que
não tem princípio nem fim.
É interessante observar que certas línguas no passado não
possuíam esta palavra ou este conceito, de Infinito, sendo este tipo de idéia
própria de alguns arcabouços linguísticos, mas não de todos.
E nós só podemos pensar como falamos, da mesma forma que
falamos como pensamos. Palavra, língua mãe e pensamento, são faces de um mesmo
sólido, de uma mesma consciência, manifestando-se em diferentes meios.
O Círculo, portanto, e a própria noção de Infinito, têm uma
história e não foram percepções intuitivas ou espontâneas, sendo resultado de
reflexão e trabalho intelectual em uma época em que não existia a representação
numérica como a atual.
Devemos lembrar que os números que conhecemos (1,2,3,4, etc)
são denominados números arábicos, exatamente porque foram trazidos para a
Europa vindos da Arábia Saudita, à época, século XII, mais avançada que a
Europa em todos os campos da ciência. Antes dos números arábicos era a Geometria
e depois os terríveis algarismos romanos que fundamentavam os cálculos
matemáticos, e não a aritmética como temos hoje, este jogo de símbolos
numéricos.
Assim, o conceito de Infinito, primeiro na Matemática e não
na filosofia (e quando falo em Matemática, falo da Geometria) começou a ser
objeto de estudo no século VI AC, na Grécia Antiga. Embora os relatos ortodoxos
falem que culturas anteriores aos gregos não conheciam este conceito (árabes,
hindus, chineses, babilônios e egípcios), isto não corresponde aos fatos, já
que tanto hindus quanto chineses trabalhavam já com noções complexas como
Infinito e a noção do Zero. Não é a toa que a forma eleita para definir o
número Zero, símbolo do Nada, tenha sido o Círculo, ou mesmo uma forma Oval (0),
o que lembra a idéia de uma semente, de um ovo, com a possibilidade, o
potencial de manifestação da vida dentro de si. Os místicos sempre afirmaram
que a existência veio da não existência, que a grosso modo é representada pelo
Nada, se bem que "do Nada não pode vir alguma coisa". É que não havia
como representar a idéia de Imanifesto, que é diferente do Nada, mas já que um
e outro Não Existem optou-se por representar o Imanifesto pelo Nada, aquilo que
Não Existe, só que aqui, como no caso de um Ovo, não Nada, mas Algo, do qual
pode vir a existir outra coisa.
A noção de um círculo auxiliou o esforço intelectual de
construção de vários símbolos geométricos como demonstra a figura abaixo,
retirada dos trabalhos de Arquimedes:
Ao terminar o processo de construção desta idéia do circular
fechado, da curva sem fim, a Simbologia Geométrica foi enriquecida com um dos
mais complexos conceitos filosóficos e matemáticos de todos os tempos, o
conceito de Infinito, que quando aplicado ao Tempo transforma-se na chamada
Eternidade.
Por isso hoje, quando vemos um Círculo sózinho, pensamos em
ambas as coisas, Infinitude e Eternidade. Mas nem sempre foi assim e é bom que
não esqueçamos disso.
Os símbolos têm, pois, a sua historicidade e significação
bastante definidos, claros, lembrando Descartes, que dizia que "as (boas)
idéias deviam ser claras e distintas".
Pensamentos sem o balizamento da lógica e de uma
contextualização histórica não são pensamentos livres, como supõem alguns
maçons, mas apenas pensamentos desorganizados, e portanto, geram conclusões não
confiáveis.
Consideremos agora outra forma bastante simples, o
Triângulo, a primeira manifestação plana de uma estrutura fechada. Um
triângulo, como símbolo, antes de qualquer coisa e de qualquer exercício de
especulação, é o símbolo geométrico do trino, da grandeza três, simbolizada em
algarismos arábicos pelo ícone 3. Mas houve época em que não se tinha um
símbolo como este 3, tão consagrado hoje, e a representação tinha que ser feita
por outro meio. Então, era o triângulo ocupava este papel, lembrando que era
preciso na época usar símbolos para descrever terrenos, propriedades, coisas da
terra. Ora, a terra aonde pisamos, é plana; por isso os símbolos que diziam
respeito a esta mesma terra, eram planos. Não havia a tridimensionalidade na
mente, embora o homem da Grécia e da China já contemplassem o céu a noite e
pensasse o Cosmos, que em Grego significa a Ordem, neste caso, a Ordem da
Criação e do Universo. Eles construíram constelações com o desenho também plano
das estrelas, traçando linhas imaginárias ligando as estrelas de uma
determinada região do firmamento. Peixes, Áries, deus da guerra, Escorpião, são
projeções mentais a partir de traçados planos, lisos. Tudo é plano na mente do
homem antigo, e assim, a geometria é a geometria dos planos, no início.
Embora para mentes como a de Arquimedes a visão geométrica
contemplasse já os sólidos, vide como exemplo a escultura em seu túmulo,
redescoberta e recuperada por Cícero, a complexidade da mente do homem comum só
gradualmente chegou até a concepção de imaginar o mundo tridimensionalmente, já
que sólidos tinham dificuldade de sair de um desenho sobre o papel plano, pois
faltava o conceito de perspectiva que vai aparecer apenas na época do
Renascimento, principalmente entre os pintores italianos, magníficos construtores
de outra possibilidade de olhar.
No passado, no entanto, até a representação de sólidos era
antes de tudo, a soma de várias superfícies planas. Os símbolos ainda primavam
pela angulação, pelas linhas, por traços, sem a textura de nossos tempos.
Os desenhos tentavam, enquanto símbolos, representar
contagens, de bois, de carneiros, de sacas de trigo. Procuravam resolver
disputas de propriedade, como dito acima, não necessariamente representar
idéias.
Aliás os símbolos não procuraram as idéias, foram as idéias
de mundo que procuraram os símbolos, como a linguagem procurou as letras que a
representassem e desta forma, não deu a estes símbolos tanta liberdade como
supõem a maioria dos maçons que se aventuram a fazer incursões na área da
simbologia.
Ao olhar o triângulo, portanto, nada mais que o número 3
está determinado. Ao transformá-lo em símbolo, no entanto, precisamos de um
contexto que o defina, como o Til sobre o A que o anasala. Sem um contexto
explicativo, filosófico, esotérico ou religioso, o Triângulo é apenas e tão
somente, um Triângulo, e nada mais.
Uma das formas de dar um Til contextualizador a um
triângulo, sem usar palavras, é fazer com que ele dialogue com outro símbolo.
como o diálogo entre o ponto e o círculo.
Se eu colocar um ponto no meio de um triângulo,
imediatamente me vem a mente que não se trata apenas de uma grandeza numérica,
quantitativa, ali representada, mas uma representação qualitativa. Se este
ponto, no centro do triângulo, é perfeitamente equidistante de todos os
vértices então a significação fica ainda mais clara e peremptória: trata-se do
símbolo da Unidade na Trindade, aplicado a Religião Hindu e Cristã, como à
Filosofia Ocidental em vários momentos, um deles muito famoso, na dialética de
Hegel, que define o curso do encontro das idéias como o choque entre uma tese,
uma proposição, repelida ou sofrendo a contraposição de uma anti-tese, uma
antítese, que ao se digladiarem geram a síntese entre elas, a fusão de seus
aspectos principais. Tese, antítese e síntese fazem parte de um único movimento
do pensamento, o processo dialético.
A síntese, por sua vez, transforma-se em uma Tese e tudo se
reinicia.
Um simples ponto dentro de um triângulo e o número, a
quantidade, se transforma numa qualidade.
E o quadrado, com seus ângulos todos iguais? Que poderia
representar além do quatro, hoje expresso pelo símbolo 4?
Isto depende apenas de estar sozinho ou em confronto com
outro símbolo. Aqui neste caso, é preciso considerar o outro símbolo. Um
simples ponto teria dificuldade para dialogar com o quadrado, a não ser que
pensássemos em Empédocles de Agrigento, do séc VI AC, médico e filósofo
pré-socrático, que criou a teoria dos quatro elementos fundamentais da
natureza: água, terra, fogo e ar, teoria esta recuperada por Paracelso, o
famoso médico suíço, e uma coluna teórica muito importante nos trabalhos da
Alquimia, dois milhares de anos depois de Empédocles. Assim historicamente
contextualizado, o quadrado e o ponto dialogam representando um conceito
filosófico, mas sem este preâmbulo explicativo, poderia se dar qualquer
significado a esta dupla de símbolos, ponto e quadrado. Neste caso, não existe
um significado obrigatório intuitivo, como no caso do triângulo e do ponto.
Precisamos de um texto auxiliar, de uma explicação que dê ao símbolo sua veste
e sua significação. Alguns poderão
argumentar que o quadrado, de maneira espontânea, representa a estabilidade.
Sim e não, eu direi, já que a estabilidade já foi conseguida com o triângulo uma
vez que bastam três pontos de apoio e não quatro para manter de pé uma
estrutura. Portanto o quadrado não pode, a não ser por uma arbitrariedade, ser
aclamado como o símbolo da estabilidade por excelência. Podemos talvez ver em
seus traços e ângulos chamados retos a possibilidade de representação de uma
conduta social correta, como ocorre em algumas tradições. Novamente, no
entanto, seria uma arbitrariedade, já que uma simples linha reta representaria
muito bem este conceito, de progressão linear, sem desvios, sem tortuosidades,
com todas as suas possíveis ilações interpretativas. Concluímos então que , em
termos de símbolos simples, só três podem ser ditos portadores de um
significado próprio, que se amplia no diálogo com outro ou outros símbolos: o
ponto, o círculo e o triângulo. A
partir do quadrado e daí para a frente, todos os símbolos precisam de um
contexto explicativo, de uma veste histórica ou cultural, dentro do qual devem
ser analisados, da mesma forma que o A com o Til dá em português, e apenas em
português ,uma espécie de som e não dois ou três tipos diferentes.
Agora passemos a símbolos mais complexos, compostos, como os
esotéricos. Os símbolos esotéricos não são feitos apenas de linhas e curvas, mas
de imagens de animais ou de astros do céu. No entanto, veremos nestes símbolos
em muitas oportunidades, o uso de palavras e frases que surgem como elementos
de contextualização, tentando reter dentro de um espaço limitado as
possibilidades de interpretação deste mesmo símbolo. Estão entre estes símbolos
aqueles descritos no maravilhoso trabalho "Símbolos rosacruzes dos séculos
XVI e XVII", onde vamos encontrar imagens extremamente ricas, com vários
planos e várias imagens , cada uma com um sentido específico no contexto
daquele conjunto.
O símbolo a que me refiro segue, abaixo: