por Mario Sales, FRC,SI,CRC
E Jesus, respondendo, disse-lhes: Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes:
Os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho.
Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente.
E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu!
João 20:27-28
"Enquanto todo mundo espera
a cura do mal, e a loucura finge que isso tudo é normal, eu
finjo ter paciência"
Osvaldo Lenine Macedo Pimentel (Lenine), in "Paciência"
A maioria dos
místicos ocidentais cultua o Cristo em suas religiões ou em suas Ordens
esotéricas.
Ele é reconhecido
como uma personagem histórica ímpar e não por outra razão, os calendários são
marcados como antes ou depois de Cristo.
Para os religiosos, o
Cristo é a manifestação de Deus na Terra. E sobre este tema, entre muitos,
existe consenso.
Muitas eram as
facetas do Cristo, enquanto na Terra que eram e são cultuadas. Uma no entanto
das mais desconsideradas é seu lado pragmático.
Jesus nunca foi um
homem de discursos, embora como orador, fosse brilhante. Quando discursava, era
sintético, claro, direto. Quando falava, se bem que suas falas redigidas nos quatro
evangelhos foram pinçadas e selecionadas entre muitas, era lacônico, objetivo,
sagaz.
Mas seu ministério
não foi, como muitos tendem a exaltar, um ministério de palavras. Foi um
exercício de ação, de fatos.
Sua reputação
aumentava a cada um dos dias que estava na Terra em função de suas realizações,
de seus feitos. Era nestes feitos e nestas realizações que ficava demonstrada
sua maestria e poder. E eram, este feitos que fortaleciam seus discursos, não
ao contrário.
Isso é semelhante ao
que faz a Ciência. Ela trabalha com fatos sobre fatos, experimentos que, além
de confirmarem teorias, demonstram de forma indubitável, idéias e hipóteses,
transformando-as em conhecimento de certeza. A construção do edifício
científico é uma sucessão de demonstrações de mecanismos através de observações
e experimentos feitos no mundo fenomênico, já que é o mundo fenomênico que
interessa ao homem comum.
Esta noção de fenômeno,
inclusive , mudou muito ao longo da história do trabalho científico. Hoje em
ciência, lida-se com campos de tamanha sutileza e de tão pequenas dimensões que
são absolutamente invisíveis ao olhar desarmado. Mesmo assim, não se trata de
um trabalho espiritualista ou místico.
É apenas ciência,
cada vez mais profunda, cada vez mais elaborada na percepção da realidade.
Estes mundos delicados e invisíveis não são, pois, númeno (νοούμενο), essência.
São fenômenos (φαινόμενο) já que a essência é empurrada para níveis cada vez
mais difíceis de supor.
A pergunta de um
milhão de dólares é esta: onde termina o mundo material e começa o mundo
espiritual? Serão mesmo fronteiriços? Haverá, como no dizer de Espinoza, não
espírito e matéria, mas níveis cada vez mais sutis de matéria apenas, sutis a
tal ponto que possam ter sido chamados, algum dia, de níveis espirituais? E os
corpos sutis dos indianos e da Teosofia Blavatskiniana? Como devemos chamá-los?
Corpos espirituais progressivamente mais densos de fora para dentro ou corpos
materiais, progressivamente mais sutis, de dentro para fora?
A conclusão é óbvia.
A própria noção de separação clara entre matéria e espírito não existe mais.
Morreu de obsolescência.
Hoje a Ciência trabalha
com níveis impensáveis de sutileza e lida muito bem com isso. A Ciência, hoje,
é quase mística.
O misticismo em si
mesmo e o espiritualismo, entretanto, patinam.
Quando se fala em
interação ciência e espiritualidade o que se vê são discursos, falas, nenhuma
ação, nenhum fato; aliás, uma atitude, pelo que vimos, anti cristã.
O Cristo era um homem
de fatos.
Água em vinho, no
casamento; peixe e pão para a fome física.Terapeuta de doenças: Lepra,
cegueira, paraplegia, doenças psiquiátricas, morte física.
Seus discursos não
eram seu carro de frente. Eles vinham depois dos atos, das atitudes, das suas magníficas
intervenções no real, no trabalho junto
aos poucos cultos, aqueles em que a mente não era capaz de abstrações
intelectuais, gente que da mesma forma vivia de fatos concretos, fatos da vida,
como as três misérias do Buda, a miséria, a doença e a morte.
Exatamente o que faz
a Ciência. A Ciência lida com fatos. E só mentes desprovidas de bom senso podem
imaginar que existe algo necessariamente bom na ausência de fatos e na
proliferação dos discursos e necessariamente ruim na riqueza de fatos e na
laconicidade do discurso, como em qualquer atividade científica.
Ciência é o estudo da
Vida real e palpável, em todos os planos, densos ou sutis, em todos os níveis
de sua manifestação.
Não lida com idéias
vagas e imprecisas. A Ciência é e precisa ser, para ser Ciência, clara, direta,
e se autorretifica, avaliando-se permanentemente, se autocorrigindo ao longo de
sua história. A ciência, enfim, analisa-se e critica-se a si mesma.
Mas quem critica o
esoterismo, quem pensa criticamente o misticismo? Quem é capaz de dentro do
movimento místico olhar para ele e dizer: o rei está nu?
Quantas demências e
desatinos já não vestiram a roupa do Místico e do Esotérico? Quantas falcatruas
e projetos pessoais de poder já não colocaram o manto da dignidade esotérica
para se disfarçar?
Não, a Ciência não é
uma terra de santos, com certeza não é. Só que o terreno esotérico também não
é. E a grande diferença entre ambos é que a Ciência sabe de seus defeitos e
falhas, sabe que o conhecimento que produz tem um prazo de validade, além de
que pode e é usado para finalidades não tão nobres; sabe, enfim, que a razão em
certos contextos, não merece confiança.
E os esoteristas e
místicos?
Aonde estão os verdadeiros
místicos cristãos no sentido que estamos trabalhando? Que vão a casamentos e
festas e bebem vinho em vez de água? Que convivem com doentes e necessitados e
lhes ajudam? Cujos milagres não visam apenas e tão somente o chamado espírito,
mas visam também o respeito ao corpo com o tratamento de doenças físicas e da
fome, com pães e peixes em abundância para todos?
O discurso católico
romano, que durante séculos ensinou, através de um clero gordo de tanto comer e
cheio de jóias, "a podridão do corpo" em comparação com "a
beleza da alma e de todas as coisas invisíveis", ainda ecoa na mente de
todos e só o tempo e a cultura poderá desfazer. O obscurantismo e o ódio ao que
é científico, se alimenta deste tipo de mentalidade cretina e obsoleta, mesmo
entre alguns místicos que não querem ou não conseguem ver o quanto de santo e
divino existe no conhecimento científico.
Precisamos de mais
Cristos, mas não crucificados e sangrando como a imagem consagrada pelos
mórbidos religiosos que enfatizaram as Trevas e não a Luz.
A mensagem do Cristo,
que me perdoem os masoquistas, nunca foi uma mensagem de dor e sofrimento. A
mensagem do Mestre foi a de alívio da dor, com seu ministério terapêutico; de
combate à fome, o mais indigno de todos os sofrimentos; e , principalmente, de
combate à ignorância e do preconceito, aceitando em seu círculo interno de
relacionamento, pescadores semianalfabetos, prostitutas e coletores de
impostos.
Precisamos de mais
Cristos capazes de compreender a necessidade da ciência de tocar, sentir e
cheirar. Que convoquem "Tomés" a colocar os dedos nas chagas, e
compreendam esta limitação de percepção, mesmo após tendo dado uma demonstração
tão impressionante quanto ter-se materializado em uma sala de portas trancadas,
como relatado.
Nós, rosacruzes, que
nos intitulamos místicos cristãos, não fazemos a mínima idéia da
seriedade desta designação. Implica uma mudança de postura em relação à
experiência, sem recusá-la, pelo contrário, abraçando a experiência e os
fenômenos a ela ligados, envolvendo-se com ela e não recusando-a.
Já não estamos
afastados do social fazem décadas. Estamos mergulhados nas festas, casamentos
ou não, e nos empanturramos com pães e peixes, sem deixar de seguir o Mestre.
Seus milagres deixam
claro que não é o jejum ou a tristeza que nos levarão a ele, mas a alegria, a
fartura e, o mais importante, o conhecimento.
Isso a "Santa
Madre" igreja entendeu , mas escondeu. Seus sacerdotes comiam, e muito,
enquanto ao redor dos mosteiros muitos passavam fome. Seus clérigos estudavam a
cultura grega e romana, quando ao redor dos mosteiros ninguém sabia ler. Eles
tinham acesso a informação quando a informação era apenas mais uma luxúria.
Antes de mais nada
queria dizer que peço sinceramente a Deus que abençoe Francisco, o novo papa,
na sua aparentemente sincera missão de trazer de volta o pudor e a dignidade a
Igreja de Roma.
Só que a história da Igreja
, infelizmente, não começa com Francisco, mas apenas continua com ele.
Existe um passado de
erros e tragédias, de perseguição ao pensamento científico, aos filósofos, e
aos que discordassem de seus cânones, que aos poucos vem sendo resgatado. O
dano psicológico aos corações e mentes, infelizmente levará mais tempo para ser
superado.
A maior distorção da
mensagem do Cristo foi afirmar, durante séculos, que a ignorância e o horror ao
conhecimento fossem desejáveis para aquêles que buscavam a luz espiritual. E a
razão e o raciocínio lógico foram transformados em elementos do Diabo, enquanto
muitos dos, assim chamados, "homens de Deus", dedicavam-se exatamente
ao estudo destes "demoníacos" instrumentos para fundamentar a maior
escalada de poder de uma religião ao longo da história humana.
Por isso, ciência e religião
devem estar separadas, sim, pois são fundamentadas em pressupostos antagônicos,
mas o misticismo e o conhecimento científico devem se reencontrar, se unirem,
como já estiveram unidos antes, na pessoa do maior terapeuta que o mundo
conheceu.
Uma única atitude não
científica se destaca no ministério cristão: ele não compartilhou seu
conhecimento específico, apenas o geral.
Uma das
característica da Ciência é o compartilhamento. Tudo que é descoberto ou
pesquisado é compartilhado e os méritos podem e devem ser divididos entre
centenas de milhares de homens e mulheres que ao longo da história construíram
parte a parte, peça por peça, o alicerce de uma dada descoberta. Como Newton,
cientista e rosacruz, disse um dia "se enxerguei mais longe, foi que
estava sobre os ombros de gigantes".
Que se saiba com
segurança, as técnicas de cura do Cristo jamais foram compartilhadas e, por mediocridade
mental de uns e interesse de outros, foram atribuídas a dons excelsos e únicos,
intransmissíveis de pessoa a pessoa, enfim, coisas de Deus.
Na verdade tratava-se
de um conhecimento além de uma sabedoria. Pois ambos formam o primeiro
triângulo.(keter-hockimah-binah/coroa-sabedoria-conhecimento/Cristo - luz
espiritual - técnica terapêutica). O Cristo tinha sim um conhecimento
diferenciado, esotérico e esoterizado por ele.
Deveria ter suas razões,
não tenho competência para discuti-las. Mas sempre me entristeci com isso. Como
místico e como médico.
Já vi, com desalento,
muito sofrimento e tristeza que poderiam ter sido amenizados ou mesmo extintos
com as poderosas técnicas do Cristo.
E neste mundo dual,
todos os esforços da ciência esbarram nas limitações do alcance do conhecimento
humano, que é pequeno. O aprendizado de técnicas como as de Jesus na
terapêutica seria um enorme auxílio na diminuição do sofrimento no mundo.
De qualquer maneira
isto não vem ao caso.
O tema é a união de
conhecimento científico e sabedoria espiritual. E existem já algumas
iniciativas interessantes na área. Uma das mais promissoras vem, não de
rosacruzes, mas de um médico kardecista, religião e escola a qual não pertenço.
Falo do trabalho do
Dr Sergio Felipe Oliveira, cujo esforço em unir estes dois campos pode ser
acompanhado em vídeos que de tempos em tempos caem na rede. Um deles pode ser
assistido em http://www.youtube.com/watch?v=Wmi8clURHpw.
Queira Deus outras
iniciativas iguais surjam e prosperem. Queira o Cósmico que ao menos uma seja capitaneada
por rosacruzes.
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