Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 9 de julho de 2014

VARRER QUINTAIS

por Mario Sales, FRC,SI,CRC



O holocausto foi um momento aterrador para todos os judeus europeus e para a comunidade judaica de todo mundo, pois aqueles que escaparam dos fornos nazistas tinham um parente ou conhecido que não havia escapado.
Havia dor e sofrimento em toda a parte e houve quem pensasse que o golpe seria devastador.
Não foi. Da guerra e do holocausto os judeus emergiram mais convictos que não ter uma pátria aonde se estabelecerem deixava a nação indefesa.
Uma das consequências do sofrimento do holocausto foi a fundação do Estado de Israel, mostrando que, no seio do grande Ying está o Pequeno Yang, em crescimento, até tornar-se o Grande Yang.
É no ventre do Mal que nasce e cresce o Bem. Como o lótus, a belíssima flor que nasce e se desenvolve nos pântanos fétidos.
Como Adão, feito da Lama, do Barro, e transformado nisto que costumamos chamar a Humanidade.
Estamos em um mundo de contradições, mas, antes de tudo, de complementaridade.
Vemos com desconforto os momentos desagradáveis ou não prazerosos como se eles fossem anômalos ou incomuns. 
Se estamos no mundo material, como estamos, existem apenas duas coisas que são certas, entretanto. 
A primeira é que nosso corpo é finito. 
A segunda é que o curso dos acontecimentos será polar, oscilante, para cima e para baixo, e a linearidade que desejamos não existe a não ser como expressão da morte.
Como no eletrocardiograma ou eletroencefalograma. 
Linha reta, sem pulsações, significa morte, cessação da atividade.
Por isso não faz sentido que busquemos apenas o lado bom, ou mesmo para os de pouca evolução, o lado mau.
Qualquer uma dessas escolhas é parcial, falsa, e sujeita à decepção daqueles que, ingenuamente, esperam estabilidade em suas vidas e visões de mundo.
Estamos sempre oscilando, e se tivermos algum desejo, este desejo deve ser o de obter serenidade com estas oscilações, naturais para o tipo de mente que possuímos.
A Mente não é o problema; o verdadeiro problema é a Ignorância sobre nossa própria natureza que nos faz desejar um mundo irrealístico, de permanente bem estar, de permanente Felicidade. 
Se como diz Descartes, tudo que fazemos é a busca da Felicidade, estamos despreparados para a Existência.
Devemos buscar incessantemente a Serenidade, a capacidade de compreender com Equanimidade a troca permanente dos pólos dos fenômenos, ora positivo, ora negativo, sem nos confundirmos com este movimento, da mesma maneira que o homem sentado na beira do Mar, contempla as Ondas sem se confundir com o Oceano e é capaz, mesmo, de nesta contemplação, encontrar beleza neste movimento, e paz.
A condição fundamental para esta compreensão é a noção de separação entre o Observador e o Oceano Observado, entre o Observador do Fenômeno e o próprio Fenômeno, para que livre desta Identificação não suponha, aquele que observa, que precisa Oscilar junto com a Oscilação das ondas a sua frente.
O Observador treinado observa sem se confundir com o que é observado.
Todos somos Observadores, contemplando a Vida, aprendendo e desfrutando deste maravilhoso espetáculo de cores, odores e emoções.
E é possível ter prazer estético em quaisquer dos momentos deste desenrolar de fatos, como o Observador na beira do Mar.



Penso nestas coisas enquanto varro as folhas do meu quintal que caem incessantemente, e que sujarão de novo o pátio no minuto que eu parar de varrer. 
A vida é como varrer quintais, um movimento contínuo de Limpeza e Sujeira, Vida e Morte,  que não para, que não cessa e nem deve cessar. 
Esta é a Natureza dos quintais e das folhas que caem das árvores.
Esta é a Natureza da Vida.
Não reclamemos das folhas enquanto as varremos, incessantemente.
É a natureza das coisas que seja assim.

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