por Mario Sales, FRC,SI,CRC gr.18°
Sabadão, 9 e meia da manhã.
Hora é dia de estudar Martinismo, especificamente Cabala.
Não atualizei para todos que já participaram destes encontros virtuais, mas interrompemos a leitura do Ministério do Homem Espírito, me perdoem o que vou dizer, por completa impossibilidade de aceitar a melancolia de Saint Martin.
Saint Martin é um grande espiritualista, mas é um homem muito triste, que quase o tempo todo lembra o quanto estamos mergulhados em um mundo imperfeito e o quanto somos imperfeitos. Essa é a visão de um religioso, não de um iniciado. Já discuti este tópico, mas, vá lá, vejamos uma outra vez.
Ver o mundo apenas como ele se apresenta à nossa percepção, o fe-númeno, que dá origem ao termo fe-nômeno, não deve ser suficiente ao místico para tecer considerações e juízos de valor sobre esse mundo, lembrava Kant. No caso de iniciados, precisamos, ao menos, se somos homens de fé e tementes a Deus, crer que a sua criação não é tão imperfeita quanto aparenta aos nossos despreparados olhos.
Ver o mundo através dos olhos de Saint Martin é lamentá-lo, é querer que ele melhore mas partindo do princípio de que é muito, muito ruim. Qualquer melhora portanto será difícil, lenta e penosa.
Ora, partindo do princípio de que, para o místico, religioso ou não religioso, a concepção de mundo que nos vai na mente é o próprio mundo que contemplamos, pensar o mundo como simplesmente um mar de lágrimas e tormentos é crer naquilo que nossos sentidos percebem, é não ser capaz de ultrapassar os véus de Maya, os sete véus de Ísis, é não compreender a noção de Ilusão Perceptiva, tão clara hoje para místicos quanto para psicólogos.
O iluminado, ou pelo menos o iniciado, não é nem pode ser triste.
Ele vê o mundo através de lentes transparentes, nem marrons, nem vermelhas e nem azuis.
O mundo sem disfarces é belo e funcional e seu equilíbrio é, embora dinâmico, permanente.
O Mal, ou o aspecto Sinistro da realidade, não é expressão única do real, mas parte dela em combinação com o Bem, ou o aspecto Dextro, e um sem o outro não são capazes de gerar existência.
Osho, em uma entrevista, chocou seu interlocutor, um cristão ocidental, quando afirmou, de modo correto esotericamente, que os Demônios (antropomórficos) não existiam já que um Deus (antropomórfico) não existia também. Na cabeça do entrevistador, o que ele afirmava é que era ateu, ou algo equivalente.
Na verdade ele dizia que entender o Universo através de um de seus polos é o mesmo que não entender nada, mas ater-se a aspectos fenomênicos, parciais.
Na verdade, não há deus ou demônio em si, mas apenas energias de polos opostos, que se somam e complementam para gerar a criação em si.
Louvar ou divinizar um ou outro polo é limitar o Deus Verdadeiro, o Universo, a Criação, à apenas uma de suas faces, o que é equivocado, novamente, por ser parcial. O verdadeiro iniciado não pode ver o mundo dessa forma.
E foi por isso que ao ler que "o primeiro grau da cura que o homem tem de fazer em si mesmo consiste então em separar dele todos esses humores corrompidos e secundários que se acumularam nele depois da queda"[1] que resolvemos interromper esse tipo de leitura, por mais que reconheçamos a nobreza de seus propósitos, a dignidade de seu esforço.
Passamos ao estudo da Cabala segundo os ensinamentos da Tradicional Ordem Martinista.
Já lemos sobre a história da Tradição do Cabala, sua evolução desde o Misticismo Merkavah, ou da Carruagem, baseado na visão de Ezequiel, capítulo 1, até a poderosa reformulação feita por Isaac Luria, com as noções de Shevira Hakelin, a quebra dos vasos, Tikum Olam, a reparação do mundo estilhaçado, e a interessantíssima idéia da retração do Altíssimo que possibilitou um espaço para a Criação, o Tzim Tzum.
Lemos sobre letras hebraicas, aonde inclusive presenteei os irmãos com cópias do curso sobre o assunto que já levei à alguns corpos afiliados e à Morada do Silêncio, com preciosas e enriquecedoras contribuições do inesquecível Reginaldo Leite, meu amigo e mestre de devoção neste e em outros assuntos.
Participou da última reunião o Ir.: Fernando do Rio Grande do Sul, com intervenções de muita sensibilidade e erudição. Ficamos ele, eu e Flavio semana passada, ainda trabalhando conceitos de "O Ministério... ". Já havíamos parado de ler "O Ministério...", mas como Fernando é um aficcionado pelo trabalho de Saint Martin, assumiu o papel de seu defensor em função da avaliação que fizemos. E o sábado, mesmo com o estudo de Cabala já no meio, foi de modo excepcional, novamente Martinista.
Hoje, no entanto, estudamos eu , Flavio e Wilson Hackmey que voltou da Bahia, e foi a vez de Fernando não participar. Frater Francisco Canalli também não compareceu mais depois de uma participação, provavelmente pela mudança do horário ou obrigações com a Heptada (átrium) de Mogi das Cruzes.
O estudo de hoje valeu pela análise da Árvore da Vida e as sephirot, e por uma abordagem espacial diferente da mesma.
Embora às vezes, não pareça, sempre existe uma forma nova de ver um conceito antigo.
Por exemplo, a Árvore, como é ensinada, é um esquema vertical. Esta forma linear de alto abaixo limita a possibilidade de compreendermos alguns aspectos interessantes da representação deste esquema esotérico tão caro aos cabalistas.
Especulamos na reunião, eu Flavio e Wilson o seguinte: e se modificássemos a posição da Árvore do vertical para o Horizontal?
Senão vejamos:
Ao invés disso, horizontalizemos:
Muito bem, mas e daí? Ao colocarmos a árvore na horizontal, deitada, vemos Kether ficar no mesmo plano que Malkuth, e entendemos melhor a noção de que a energia que antes descia no aspecto vertical, emana, propaga-se, na apresentação horizontal, de Kether para Malkut, e é mais fácil ver que a energia tem um movimento bidirecional, indo e voltando através das sefiras. Malkut, entendido como um espelho, reflete a luz que vem de Kether de volta para a fonte de onde emanou, de forma que Malkut é o espelho onde Kether se contempla, e a criação, vista desta forma, é um grande exercício narcísico.
Um dos conceitos discutidos se coaduna com esta concepção reflexiva da criação.
É sabido que os cabalistas consideram que a Árvore da Vida é uma expressão da face de Deus "e o meio pelo qual o invisível adquire certa visibilidade".
Assim, dividem-na em duas partes: Arik Anpin, que em grego é Macroprosopo (O Grande Rosto ou Grande Face) e Zeir Anpin, que em grego é Microprosopo (Pequeno Rosto ou Pequena Face).
A Grande Face compreende as três sephirot superiores, Kether, Hochmah e Binah; e a Pequena Face as seis inferiores, Hesed, Gevurah, Tiphereth, Netsah, Hod e Yesod. Estas se condensam e manifestam em Malkuth, a décima e ultima sefira.
O nome Grande e Pequena Face não é feliz ao descrever o conceito. Poderíamos de modo mais fiel falar em Face Superior e Inferior, ambas do mesmo tamanho; só que naqueles tempos, os adjetivos "grande" e "pequeno" referiam-se mais a uma hierarquia de importância do que propriamente a uma descrição de tamanho; algo mais qualitativo do que quantitativo.
A árvore em pé: descida.
propagação
Em nosso momento, não usaríamos a mesma metáfora, fiéis que somos a nossa objetividade contemporânea.
O importante é que ver a Árvore em pé supõe a imagem sendo refletida de baixo para cima e emanada de cima para baixo. E se existe uma Árvore em pé é porque, aristotelicamente, o que está no alto, espacialmente, é superior qualitativamente, da mesma forma que, no espaço, o que está embaixo deve ser inferior em qualidade. Esotericamente, no entanto, não é assim.
O que diz a Tábua de Esmeralda, na sua segunda linha?
"(2) O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa.”
Vejam a frase, leiam com atenção. O que está embaixo é como o que está em cima. Malkuth está embaixo. A frase não se refere a nenhuma diferença de qualidade, só de posição. O Homem está embaixo. O que a frase diz é que o Homem, o Mundo, é como Deus que está em cima, idêntico em importância e poder.
Não é isso que a maioria das religiões ensinam. Para as religiões, isto seria uma blasfêmia.
Elas falam em um Criador e uma Criatura, um ser que pode tudo e sua criatura, que não pode quase nada.
Um antagonismo que lembra a noção hierárquica das nobrezas humanas, transferida para a compreensão do mundo espiritual.
Ora, se Deus é o Criador, se ele é Todo Poderoso e nos criou, estamos separados dele como a escultura e o quadro estão separados do artista. Se não existe esta divisão, Criador/criatura, então temos o mesmo poder, mas também a mesma responsabilidade. Somos jardineiros da criação e cuidamos de suas rosas tanto quanto o senhor do jardim. O conceito de Criador é pobre porque oculta uma série de pressupostos, não necessariamente verdadeiros.
Por exemplo: Deus como Criador, temporalmente, vem antes do homem. No tempo linear, existe um antes e um depois. O antes é antigo ou muito antigo e o depois é o mais recente.
Ora, um Deus eterno contrapõe-se a noção de um Deus apenas antigo, pois por mais antigo que este Deus possa ser, por ser datado teve um inicio, e portanto não é mais eterno.
Ou Ele é eterno, e por isso não pode ser antigo, ou Ele não é eterno e teve sim, um princípio, o que vale dizer, terá um fim.
Ora, supor um ser Onipotente limitado, seja em uma ou em outra extremidade do que chamamos (para usar um termo de Henri Bergson) Duração,(o tempo linear), é contraditório do ponto de vista lógico, mas é algo repetido muitas e muitas vezes, por muitas mentes menos elaboradas.
Eterno significa sem começo e sem fim, portanto algo que não tem um princípio, mas que permanece sempre o mesmo como existência, embora se transforme continuamente quanto a sua consciência, expandindo-a pela experimentação, em planos mais densos, de suas concepções acerca do real.
Colocar a Árvore deitada também faz com que lembremos de uma sala de projeção, a belíssima metáfora de Richard Bach em "Ilusões", que não me canso de repetir.
Kether lança sua luz criadora para Malkut assim como um projetor de cinema lança a sua luz criadora de imagens sobre a tela branca de projeção, criando assim a ilusão de um drama, de uma aventura ou tragédia, de diferentes ambientes, de diferentes situações que provocam reações emocionais em quem contempla, tanto quanto em quem produziu ou projeta o filme.
Olhar para o que se desenrola na tela desencadeia em nós respostas psicológicas que nos transformam, de modo que as pessoas que entram em um filme de cinema nunca saem iguais, mas sim modificadas pelas experiências emocionais decorrentes deste exercício estético moderno. Isto vale também para o Teatro, já que o cinema também é teatro, em última instância.
Representação, fazer de conta, ilusão que conta e narra uma história, que defende um ponto de vista, de modo elegante e artístico, com forte impacto psicológico.
Certos filmes lembram, pela suntuosidade e beleza e pela impressão que nos causam, iniciações esotéricas templárias.
Da mesma forma a vida mundana também pode ser entendida como um grande teatro aonde participamos emocionalmente de acontecimentos que nos modificam momento após momento, evento após evento, cena após cena.
d´aprés Reginaldo Leite
Reginaldo Leite, modificado.
O Cabala Luriano fala de Kav, o raio da criação que vem do Ain Sof para o centro do vazio criado pela retração de Deus e forma tudo que existe.
O Vedanta, ecoado pela Escola Teosófica, fala de Fohat, o raio de criação, que mergulha pelo espaço em direção a Koilon, matéria amorfa para juntos gerarem o chamado mundo manifesto.
Kether da mesma forma emana, se a colocarmos horizontalmente , para Malkut, seu raio de criação, o qual serpenteia pelas sephirot ao longo chamada Árvore, plano após plano de densidade, para manifestar-se no mundo visível.
Finalmente, do mesmo modo, o raio de luz que sai do projetor de cinema, na sala escura, e passa sobre nossas cabeças, nós, os expectadores, choca-se com a tela branca de projeção para produzir a ilusão, o Maya, do filme, transportando-nos magicamente, se é que assim podemos falar, para terras distantes, situações diferentes, das quais psicologicamente, concordamos em participar, permitindo que durante aquele espaço de tempo, as cenas que se desenrolam sejam para nós como se fossem reais.
Mesmo que tudo seja um truque da luz em nossas retinas.
"(2) O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo (ou o que está de um lado do espelho, está do outro), para realizar os milagres de uma única coisa.”
Nós não somos criaturas, afinal concluímos, apenas pela modificação da posição da Árvore. Nós somos o próprio criador, seu reflexo, iguais e ao mesmo tempo diferentes D´Ele. Daí a frase "feitos à sua semelhança", como reflexos perfeitos do Ser. Somos tão responsáveis pela criação quanto Deus já que nós somos Ele, manifesto. Espinoza estava certo.
Tudo é Luz, que se projeta em meio às trevas do Ser, como já discutido no post "As Trevas" de 24 de agosto de 2013.
Depois deste exercício de abstração, encerramos a reunião e, quase em seguida, consegui contato com Fernando em Porto Alegre, aliás, Erechim, aonde descansava. Falei de nossas elucubrações matinais e mais para tentar dividir com ele esses pensamentos, fiz este resumo.
[1]
"O Ministério do Homem Espírito",LCSM, pág 78, Diffusion
Rosacruciene, 2a Ed. em Língua Portuguesa
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