por Mario Sales, FRC,SI,CRC gr.18°
Lá pelas tantas do artigo "O Inimigo Interno",
mencionei que especialistas do pensamento também podem se equivocar e defender
tiranias, regimes de exceção, levados por um romantismo aparentemente
inexplicável.
Isto pode ter causado estranheza naqueles que ainda crêem que
a razão é o melhor instrumento de compreensão e intervenção no Mundo
da Vida (o "Lebenswelt" de Jürgen Habermas).
Não é.
Há décadas, a razão está sob suspeita.
E tudo começou ao final da 2a Grande Guerra.
Os pais do pensamento filosófico moderno e contemporâneo, os
alemães, preconizaram naquela época a mais organizada, científica e metódica
máquina de genocídio já vista.
As análises posteriores de Hannah Arendt sobre a "banalidade
do mal" em seu livro "Eichmann em Jerusalém"; a descoberta da
filiação nazista de Heidegger e de sua traição ao seu mentor, Edmund Husserl,
somadas a percepção de que a ciência, cume da razão humana, (usada para a
construção tanto das câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau e Treblinka quanto na dos
terríveis mísseis V2, que mataram milhares de ingleses), não era
necessariamente uma atividade sempre voltada ao bem da humanidade,
acabaram com esta ilusão.
A lógica não nos protegeu da sordidez, já que o método de
extermínio de judeus era extremamente lógico.
A razão não nos protegeu do mal, já que a guerra, antes
justificada por valores morais (a honra), ou religiosos (a vontade de Deus),
agora encontrava justificativas racionais (criar um império de seres supostamente
superiores geneticamente).
E já que falei de Heidegger, em nada sua visão política
distorcida e equivocada prejudicou sua lucidez como pensador. Suas
contribuições à filosofia ainda são importantes e fundamentais, mesmo que como
cidadão e ser humano ele tivesse demonstrado um indivíduo precário.
As duas atividades da mente, a emocional e a essencialmente
intelectual, são camadas diferentes de nossos filtros mentais.
Podemos ter um raciocínio claro e poderoso e emocionalmente sermos frios ou maquiavélicos. O que não é o mesmo que dizer que é o
intelecto que nos torna mesquinhos ou cruéis, já que não é a faca na mão do
assassino que perfura a carne da vítima, mas sim a mão do algoz movida pela
vontade de seu cérebro.
Instrumentos são tão inocentes quanto qualquer coisa inerte
pode ser. Não possuem valores, não decidem qual o objetivo e finalidade de seu
uso particular por este ou aquele indivíduo.
Instrumentos são coisas mortas que ganham vida na mão de
seus usuários, da mesma forma que o barro ganhou vida pela intervenção do sopro
divino.
Não há vida sem o sopro, apenas barro.
O segredo é o sopro, o alento.
Assim, a razão não merece
confiança, se não conhecermos as emoções por trás de seu uso.
Na compreensão das atitudes, entendamos, os resultados
finais dependem de camadas mais profundas de filtragem, e o que a razão trabalhará,
inocente e competentemente, será sempre o que restar da filtragem da emoção.
É na filtragem da emoção que se define o material a ser
elaborado, nada mais, nada menos. Caberá à razão, apenas, justificá-lo pelo
discurso e viabilizá-lo através da técnica.
Existirá uma camada anterior a da emoção?
Existem controvérsias.
Os biólogos e bioquímicos dirão que antes de sentirmos,
certas substâncias em maior ou menor quantidade em nosso sistema
endocrinológico e neuroquímico nos levarão a sentir o que sentimos, sendo a emoção
escrava da neuroquímica e dos hormônios.
Espiritualistas, por sua vez, dirão que o espírito ou a alma
ditará ao corpo certas secreções que levarão a certas emoções e daí em diante,
na cascata de eventos.
Existem aqueles que acham que ambos estão corretos, e preferem
um pensamento intermediário, em que alma e o cérebro dialogam com o meio
externo, materializando compreensões resultantes destes diálogos.
Assim o homem não seria produto de seu meio, nem o meio
produto dos homens, mas ambos refletiriam a combinação de mútuas influências de
um sobre o outro, o que geraria o resultado final.
Entrariam no cálculo deste resultado as consequentes
alterações descritas dentro do ser humano, as tais filtragens, que seriam
afetadas pela experiências e, ao mesmo tempo, gerariam novas experiências.
O que chamamos Mente seria o conjunto de ações
neuroquímicas, emoções e razão.
De qualquer forma, antes da razão "fundamentadora"
e justificadora, e da técnica que dá materialidade às idéias surgidas da
reflexão racional, estariam as emoções, pela velocidade destas, em contraste
com a natural lentidão daquela.
É preciso estar atento às camadas mais profundas, portanto.
O que move as pessoas vem do fundo, e por mais límpido e
cristalino que pareça seu discurso, ele é apenas a consequência de intenções já
filtradas e direcionadas pela camada emocional, que é mobilizada apenas e tão
somente por traumas capazes de varar até às regiões abissais da mente e ali
depositar impressões diretoras.
Esses traumas e modulações da mente profunda são mais comuns
em momentos da vida que somos mais mentalmente indefesos, geralmente a
infância.
Nada impede no entanto que, dependendo da intensidade destes
traumas pessoas adultas também não tenham seu ser profundo alterado por
experiências emocionais no período da maturidade.
Esta análise nada tem de original.
Escrevo, descrevo e compartilho estes pensamentos apenas como um exercício de organização de conceitos, que é o que faço todo o
tempo neste imaginário.
Talvez, quem sabe, não sejam conceitos tão óbvios para
outros e possa de alguma forma, auxiliá-los a compreender sua própria natureza.
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