Por Mario Sales
Estou lendo agora no e-reader da Livraria Cultura, o Kobo, a
biografia de Carlos Chagas Filho,(“Um Aprendiz da Ciência”) que cheguei a ver
em vida, em uma visita de minha turma de faculdade à Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Lembro-me de um homem alto e de cabelos muito
brancos que me disseram ser o eminente, depois vim a saber, cientista, que por
sua biografia descubro foi por toda a vida emaranhado (para usar um termo da Mecânica
Quântica) com a Biofísica, e com pesquisas com o peixe elétrico brasileiro.
Este descendente do mesmo Carlos Chagas que dá nome a doença
tornou-se uma autoridade científica respeitada internacionalmente, mas se eu
não lese este texto jamais saberia disso. Faleceu no ano 2000, coroado de
láureas e títulos de Doutor Honoris Causa de dezenas de Universidades em todo o
mundo, além de ter sido a pedido de Paulo VI presidente da Academia Pontifícia
de Ciências em Roma.
Um cientista, um homem da pesquisa, que participou
ativamente da fundação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ) e mesmo assim, sem
pertencer ao clero, um homem da religião.
Acabei de ler A Ilha do Conhecimento de Gleiser, e lá também
encontrei vários momentos em que, às vezes de modo sutil e em outros momentos,
de forma não tão sutil assim, o físico e palestrante brasileiro, professor da
Universidade de Dartmouth, (em Hanover, New Humpshire), flerta com a
espiritualidade.
Ao que parece o fenômeno é mais difundido do que supõe a vão
filosofia de racionalistas extremados como o biólogo evolucionista Richard
Dawkins.
Não há certos ou errados nesta questão.
O que Dawkins chama de crença irracional para muitos é algo
natural como a fome ou a sede. Para pessoas assim, como eu mesmo, a percepção
do divino em nada afeta a razão ou a sensibilidade à argumentos lógicos.
Cretinos e idiotas existem em ambos os campos, sejam crentes
ou ateus.
O que deveria se combater isto sim era a estupidez e a
ignorância e não a sensibilidade de certas pessoas que independente de sua
formação intelectual sólida (Carlos Chagas Filho lia Goethe no original aos 10
anos) são capazes de abraçar uma crença de modo sereno e sincero.
Dawkins e outros revoltados como ele não estão errados ao
elencar os problemas ligados à crenças religiosas extremadas e que tem uma
história nefasta em relação a liberdade de pensamento e à ciência em si. O
problema é que, se existiam, repito, cretinos entre os crentes que queimaram
pensadores e mataram homens de ciência, lembro as palavras do professor Karnal
que, como bom historiador e estudante das religiões, embora diga-se ateu,
alerta que assassinos existem entre religiosos e ateus, lembrando sempre que “o
homem mata porque gosta de matar e não em nome de seu Deus”.
Penso sempre nisso quando lembro o destino de Frater Lavoisier,
químico guilhotinado pela junta do período pós revolução francesa, a época
conhecida como Terror.
Não, não é a fé ou a percepção da existência de algo superior
a nós, uma inteligência que tudo governa e administra, que faz de nós cretinos
assassinos. Ou mesmo maus cientistas.
As coisas não são tão simples. Lutar contra a religião e o
senso do divino entre seres humanos é tentar segurar o vento entre as mãos e
faz de qualquer um como Dawkins ou o escritor Christopher Hichtens, um cruzado
ridículo.
Todos têm direito a crer ou não no que queiram. Ninguém, no
entanto, tem o dever de tentar convencer de modo acintoso alguém de seu ponto de
vista.
Mesmo homens de ciência sabidamente distantes de problemas
como a religiosidade pensam assim, considerando este proselitismo, mesmo que
feito por ateus uma coisa extremamente chata e desconfortável.
O próprio Dawkins sofreu na pele a conhecida ironia de
ninguém menos do que o professor Hawkins, que de sua cadeira de rodas zombou
dele pela sua obsessão antirreligiosa. Confiram o vídeo do link abaixo em 3’ e
29”.
Este debate hoje é no mínimo ridículo, e a insistência dos
entrevistadores e de alguns intelectuais de forçarem este tipo de questão primária
e superficial me irrita profundamente.
Newton era profundamente ligado a alquimia e um home de
crenças em uma divindade inabaláveis. Nada disso afetou seu brilhantismo, suas
contribuições a ciência ou seu papel no enriquecimento do conhecimento humano
na ótica, nos estudos gravitacionais e na criação do Cálculo, em matemática.
Não porque Newton fosse um crente, mas porque ele não era um
cretino. A inteligência não é nem nunca foi incompatível com a sensibilidade às
coisas de Deus.
Eu já usei a palavra cretino várias vezes e pode parecer que
estou tomado de fortes emoções ao fazê-lo.
Não é bem assim. A palavra define um estado de deficiência
mental característicos de portadores de hipotireoidismo congênito e é por
extensão a todas as pessoas limitadas intelectualmente.
É nesse sentido que uso o termo.
A luta não foi entre o bem e o mal mas entre o conhecimento
e a ignorância. E a humanidade não tem, na sua maioria, pessoas da estirpe
intelectual de um Marcelo Gleiser ou de Carlos Chagas Filho.
É de se lembrar aqui que existem espíritos antigos e sábios
fora da academia, fora da ciência e da filosofia.
Longe de mim achar que a razão é o que garante a qualidade
das almas e das mentes, bem como dos comportamentos.
Não, a razão já mostrou que pode causar muito mal, que ode
ser tanto uma geradora de luz como também um monstro perigoso. A razão, de per
si, não merece confiança.
Mas é uma ferramenta importante que se manipulada com
destreza e sabedoria pode ajudar muito a sociedade e aos seres humanos.
Oxalá superemos a ignorância, a fome e a miséria material.
Que nossas vidas possam ser apenas a busca por um nível de espiritualidade
maior e mais profundo.
E que então debates estúpidos e inúteis sejam substituídos
por diálogos sérios em busca de soluções objetivas para os reais problemas que
afligem nossa espécie, como um todo.
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