Por Mario Sales,FRC,SI,MM
É um discurso veemente contra o senso comum, a favor de uma reflexão radical sobre o papel do desejo de ascensão material e psicológica na sociedade, esta mesma sociedade que ele denuncia como fundada nos Direitos e não nos Deveres.
Sete bilhões de almas, querendo ser felizes em um mundo onde nada, absolutamente nada é certo ou garantido.
Sete bilhões de almas querendo igualdade em uma realidade social ou biológica que nos contempla apenas e tão somente com a desigualdade, com a heterogeneidade.
Dizem que é preciso ter muita coragem ou uma profunda inocência para mencionar-se o óbvio.
O livro, portanto, não é para corajosos, apenas, mas feito por um pensador corajoso, já que inocente não é um adjetivo adequado a alguém com uma formação intelectual tão sólida quanto bem construída.
A força de seus argumentos só rivaliza com a razão pela qual escreve o livro, já que sua faca nos dentes oculta a preocupação com o futuro daqueles que ele ama, algo denunciado na dedicatória a neta Amélie, no início do texto.
Estamos, concordo com ele, naquela calmaria que antecede a catástrofe. Não vejo com bons olhos o estado infantil com que as pessoas (ou eu mesmo) lidam com suas existências, supondo docemente que abraçar árvores ou cultuar a rúcula vá tirar da fome e da miséria esses milhares de refugiados sírios que morrem todos os dias no mediterrâneo.
Estamos em uma época como todas as outras da humanidade, muito romântica e pouco objetiva, embora pareça que o capitalismo nos transformou a todos em idiotas do sucesso, como diria Pondé.
Não é o meu caso, espero. Sinto este mesmo desalento que ele em relação ao estado atual da sociedade, por motivos semelhantes e dessemelhantes, ao mesmo tempo.
Pondé é um agnóstico e eu creio em coisas invisíveis.
Ele ri de termos como Cabala e Energia, coisas que eu estudo com seriedade. Entendo, entretanto, sua birra com termos vagos e imprecisos. Eles dão margem ao surgimento de charlatães e desequilibrados, que criam legiões de seguidores entre outros tantos desequilibrados que não faltam pelo mundo afora.
O perigo de termos vagos é exatamente sua maior qualidade: como os símbolos, eles permitem uma livre interpretação, e nisso dão a impressão que ao usarmos estes termos estamos falando da mesma coisa, a mesma língua, o mesmo assunto.
Eu tenho a mesma ira santa com a imprecisão. Ela me aborrece e me atrapalha, até nos meus solilóquios.
E por isso aprecio tanto a didática, que não garante que o que está sendo ensinado seja correto, mas que garante uma forma correta de transmitir o que está sendo ensinado.
Desde que exponhamos nossas idéias com clareza, podemos até descobrir nestas mesmas idéias suas inconsistências, suas contradições internas, e recusá-las como absurdas se assim o for.
Mas só poderemos fazer esta autocrítica se soubermos exatamente o que estamos discutindo, ou exatamente do que estamos falando.
Palavras e conceitos vagos não permitem um foco nítido no sentido da palavra e isso inviabiliza a operação de analisar o que foi dito ou pensado.
Por isso, em termos intelectuais, clareza é tão fundamental.
Pela mesma razão tem uma profunda antipatia pelo esoterismo, no sentido que costumo usar o termo.
Ele é construído com signos e sinais confusos e pasmem, de modo proposital às vezes. Como sempre digo, qual a função de uma informação que não pode ser compreendida, ou pior, que corre o risco de ser compreendida de modo equivocado?
O conhecimento esotérico é assim, para minha tristeza e desespero, utilitarista no estilo de John Start Mill que sou como um homem contemporâneo normal.
Gostaria de ver resultados práticos no estudo desses textos, mas a promessa não é essa. E nisso o esoterismo é profundamente egoísta, e se opõe de certa forma ao misticismo, como eu emprego o termo.
Porque esoterismo é um caminho de intelectos e leituras solitárias, que visa o desenvolvimento pessoal de habilidades transcendentais ou o domínio de compreensões incomuns. Só que os objetivos desta conquista intelectual são absolutamente particulares, não visando o compartilhamento. Lembrem-se do que eu disse, interpretar textos esotéricos é para os fortes, leva tempo e dá trabalho, e não há que eu saiba, muitos empreendimentos de didatização deste conhecimento, ou por incompetência nossa, esoteristas, ou por desinteresse voluntario de compartilhar algo que só é entendido a duras penas. A ponto de que, ao fim e ao cabo, quando se entende o que está descrito ali, se é que isso é possível, estamos tão cansados e somos tão egoístas que ninguém tem mais energia ou generosidade para traduzir em linguagem contemporânea aquilo que estava oculto pelo manto dos séculos, das línguas e dos significados ocultos.
Chega a ser uma maldade.
Toda vez que leio esoteristas eles falam da importância de preservar o conhecimento esotérico dos olhos dos “profanos”. Que existe um perigo imenso nas revelações que estes textos ocultam.
Nunca tive a coragem necessária para dizer isto que vou dizer, mas Pondé e seu livro me inspiraram: isto, de haver riscos ocultos, é uma profunda bobagem.
Talvez o maior risco prático é a decepção de perceber que por baixo de todos estes cobertores não existe nada, a não ser uma enorme quantidade de informações sem sustentação e que jamais se transformarão em coisas práticas e palpáveis.
Penso como médico e como cidadão do mundo.
Não vejo como os textos de Eliphas Levy ou de René Guénon possam dar origem a algum antibiótico novo ou a uma tecnologia que nos liberte da dependência dos combustíveis fósseis.
Ou seja, falemos de um neo-utilitarismo, que além dos princípios de Stuart Mill (fugir da dor e buscar o prazer) inclua também o seguinte mote: isto serve pra quê? O que vou fazer com este conhecimento em minha vida prática?
Se o Misticismo, como eu o entendo, faz um bem enorme a quem o pratica, melhorando sua espiritualidade e sua conexão com o Deus de seu coração, o esoterismo põe o foco no que está fora, em textos e informações que enchem a cabeça da vítima sem explicar bem no que este conhecimento vai se transformar.
Porque a lei do Yetzirah, da Criação, é passar do muito pouco denso ao denso, progressivamente; é imaginar, planejar, consolidar a estrutura e lançá-la ao mundo de Assiah, Malkut, como existência sólida, sólida, aliás, entre aspas.
Como uma casa que surge como uma idéia na mente do arquiteto, vaga e imprecisa (Atziluth), e que ganhará contornos mais definidos ao desenhar sua planta e fazer um modelo (Briah), e será aos poucos construída pelos operários seguindo as especificações do arquiteto e de seu projeto (Yetzirah) para então ser desfrutada pelos moradores (Assiah) além de fotografada para a revista Casa e Jardim.
Esoterismo, como texto cru, sem tradução para a contemporaneidade, é estéril. Precisa receber um tratamento de atualização, para que mais e mais pessoas possam compreender o que está ali descrito, e principalmente, possamos averiguar a veracidade do que foi dito, que existe sim algo de profundamente importante ali, ou se estamos apenas perdendo nosso tempo.
Por isso, como esoterista, meu foco é a tradução. Primeiro a compreensão, depois a tradução, como fiz no trabalho sobre as forças do Universo como descritas por Jacob Boheme. É a única coisa que dá sentido ao esforço de interpretar esses textos, ou seja, torna-los mais acessíveis ao maior número de pessoas possível, em linguagem contemporânea.
Nos próximos anos, este é o meu projeto com a Doutrina Secreta. Não fazer um resumo como o de Michael Gomes, mas elencar de forma organizada, os conceitos ali expostos, para que uma vez expostos possam ser analisados de maneira mais fácil por um maior número de pessoas.
Este é um viés esoterista altruísta, não egoísta, já que minha intenção não é aprender para mim mesmo, mas para compartilhar.
E isso nada tem a ver com generosidade pessoal, é apenas algo que eu faço porque gosto. E precisamos fazer coisas que gostamos para passar o tempo entre o nascimento e a nossa morte. Se for algo útil, para a maioria das pessoas, melhor. Mesmo que não fosse não poderíamos resistir, se fosse esse nosso foco na existência.
E todo mundo tem o seu, com o qual não deve discutir. Ir contra sua tendência pessoal, sua Physys, como dizia Platão, é buscar uma vida medíocre e de muito sofrimento.
Já basta nossa imensa ignorância sobre tantas coisas no Universo, não precisamos de mais nenhuma dor.
E por falar nisso, vamos ao próximo livro, “A Ilha do Conhecimento”, de Marcelo Gleiser, que ainda não terminei.
Acho que agora vai.
Bom fim de semana a todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário