por Mario Sales
Em “Amor para corajosos”, Pondé não analisa esses detalhes biológicos
de que falei, mas traça, como filosofo, um perfil dos acontecimentos e
comportamentos de pessoas vítimas da “doença do pensar”. Não tenta, corretamente,
estabelecer as causas desse comportamento, mas apenas descrevê-lo, com sua
característica objetividade e em capítulos marcados pela coloquialidade, com
títulos como “O Amor pelas “novinhas: gosto mais de mim quando estou com ela”
ou o divertido “Como saber se você é um canalha ou uma vagabunda”.
Ao longo de 188 páginas e 36 capítulos ou ensaios como ele
diz, ele apenas descreve a miséria que nos impõe a fantasia do amor romântico,
criação da literatura e do cinema americano até o início da segunda metade do
século XX. Os fatos psicológicos e sociais não sustentam, segundo ele, a tese
de que casa-se e vive-se com alguém por causa de um amor intenso, duradouro e
eterno. Não que não possa acontecer, mas é mais raro, e por isso precioso, do
que sonha nossa vã filosofia.
Existem vários motivos para uma relação durar muitos anos e
sobreviver as rotinas e aos protocolos do afeto e necessariamente não estão
ligadas a afetos positivos, como diria Espinosa.
Pode-se ficar com alguém apenas por um cálculo simples: a
separação traz sempre graves prejuízos psicológicos e financeiros, fora as rupturas
afetivas inerentes a esta situação.
Evitando-se o rompimento também consegue-se escapar de
problemas sociais desagradáveis, que não deveriam, mas que tem grande impacto
sim no nosso equilíbrio psicológico e bem-estar espiritual.
O discurso de que “eu não me importo com que os outros
pensam” é mais frequente e menos sincero do que a maioria das pessoas gostariam
de admitir.
A grande maioria das pessoas quer viver em paz, de preferência
uma vida kantiana e não nietzschiano, como lembra Pondé. Friedrich Nietzsche era um autor romântico e
por isso via na vida audaciosa e apaixonada uma vida bem-sucedida.
O problema é suportar esta escolha com brio e satisfação
porque tamanha liberdade tem um preço.
Se o indivíduo ou individua acha que pode e quer pagar este
preço muito bem.
Isto, no entanto, não é o mais comum. Porque a coragem, como
vimos na primeira parte, não foi distribuída pela natureza de modo equânime,
entre todos os seres humanos. Pelo contrário, os covardes são a maioria, refletindo
a primeira lei da vida biológica, a da autopreservação.
O medo que alimenta nossa covardia e hesitação em decidir
por rupturas as vezes difíceis e que trariam grande e duradouro sofrimento por
um lado, em busca de uma felicidade possivelmente passageira, mas atraente, é o
mesmo medo que nos preserva de atitudes potencialmente auto destrutivas, como
passar ferias no Afeganistão ou no Iraque sendo judeu ou entrar em um bairro
violento tarde da noite, apenas para ver o que acontece.
Esse medo, esse receio, recebe o nome de prudência. Não é
necessariamente algo errado ou certo, mas biologicamente é um reflexo correto,
como coçar o lugar do corpo que foi picado, ou urinar quando se sente vontade.
A noção de que a vida melhora com o heroísmo e arroubos
quixotescos é uma das nefastas consequências da visão romântica do mundo e das
paixões.
Por isso o medo do amor cada vez maior, já que a população
mundial hoje, graças aos recursos e facilidades tecnológicas consta, segundo o
ponto de vista Freudiano, de pessoas histéricas e infantis.
Infantis no sentido de não aceitarem com facilidade os
inevitáveis revezes da existência, o fracasso, a rejeição afetiva e a morte, o
que revela um alto grau de imaturidade emocional, caso para psicoterapia, com
certeza. E histéricas no sentido psiquiátrico da palavra[1], sendo hiper-reativas, sendo
incapazes de ter, em uma palavra antiga, mas adequada, fleugma diante da
desdita. Uma unha quebrada é motivo para desespero.
Lembrando épocas não tão distantes em que a água demandava
dias de caminhada para ser conseguida e o alimento era escasso, o certo é que a
nossa atual riqueza material (sim, mal distribuída, mas que nunca foi tão
grande em nenhum período da história humana) é também a nossa maldição.
O conforto nos tornou fracos e manhosos.
E isso se reflete nos relacionamentos.
O amor e o relacionamento não são, pois, matéria para
principiantes. Não falo de sexo, mas de todo o conjunto de situações que
envolvem a intimidade, o relacionamento entre duas pessoas de sexo oposto. Como
diz Pondé, não falo de assuntos homossexuais porque não os conheço. Só posso
falar, como ele fala, da minha experiência como ser humano heterossexual, o que
implica enfrentar as diferenças inerentes aos sexos. E isso não é fácil, muito
menos prazeroso.
Lembremos de outra coisa. A beleza física passa,
independente de nossa vontade, em outra demonstração da primazia do biológico sobre
o psicológico. A perda das formas e as vezes da libido é algo duro de conviver.
Envelhecer não era para os fracos, como lembra Rita Lee, cantora de rock
septuagenária.
O que fazer com nosso desejo e com nossos relacionamentos?
Pondé não responde porque não existe uma resposta para todos os casos.
Via de regra, a decisão é particular e pessoal, para além
dos clichês de “canalha” ou “vagabunda”.
Pessoas são arrastadas pela paixão devido a inúmeras situações
e nem sempre porque não tem caráter, mas sim porque tem instintos, sustentados
pelas suas glândulas sexuais, endócrinas, colocadas ali pela natureza e não
pela igreja ou pela sociedade.
Cada um deve assumir sua própria decisão, que não será tão
livre como se pensa, já que o corpo tem suas próprias razões.
Sim, haverá consequências, mas que fazer?
Se agimos, sofremos.
Se não agimos, também sofreremos.
Só a experiencia pode nos auxiliar, já que o amor nunca é uma
experiencia teórica, como Pondé lembra no início do livro com uma citação de Søren
Kierkegaard: “O amor só se conhece pelos seus frutos”.
Portanto, antes de nos atirarmos a uma paixão é impossível
saber se estamos mergulhando no inferno ou no paraíso. A experiência, a prudência,
podem, no entanto, diminuir nossa taxa de erro e de dor, mesmo que nos
arrisquemos a parecer covardes.
O importante é viver e viver é procurar relacionar-se com
todo e qualquer tipo de pessoa, externamente, e da mesma forma, contemplar com
serenidade e coragem todas as nossas emoções, internamente, sem censura.
Só por uma grande quantidade de encontros, podemos nos
preparar para a existência.
Porque como lembrava Espinosa “o corpo humano (e a mente humana) são mais fortes e mais potentes quanto mais ricas e complexas forem suas relações com outros corpos”. [1] A histeria (do francês hystérie e este, do grego ὑστέρα, "útero") faz referência a uma hipotética condição neurótica e psicopatológica, predominante essencialmente nas mulheres. O termo tem origem no termo médico grego hysterikos, que se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no útero, hystera em grego. O termo histeria foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro. Segundo a Psicanálise é uma neurose complexa caracterizada pela instabilidade emocional. Os conflitos interiores manifestam-se em sintomas físicos, como por exemplo, paralisia, cegueira, surdez, etc. Pessoas histéricas frequentemente perdem o autocontrole devido a um pânico extremo. Foi intensamente estudada por Charcot e Freud.