Por Mario Sales
Os três ensaios sobre a visão espinozana (1º e 2º de 30 de junho e o 3º de 6 de setembro) das razões do comportamento emocional não foram suficientemente claros em suas assertivas e conceituações. Em parte, é bem verdade, por causa do que eu disse em “Palavras” (3 de agosto de 2019) “quando falamos, falamos com nossa própria boca. Os outros nos escutam com seus ouvidos”; por outro lado, entretanto, tudo pode ser dito sempre de modo mais claro.
No terceiro ensaio, eu deixei claro que a minha concordância
com a visão atual, a qual vê inegáveis sinais do papel do instinto e do corpo
em muitas das manifestações mentais não significa que eu tenha deixado de
acreditar na existência de um “escafandrista” dentro do “escafandro”. Mente, para
mim, não é o espírito, mas outro órgão de percepção do real, uma estrutura de
intermediação entre nós e o que nos cerca, alimentada pelas demandas do corpo e
usando o cérebro como estrutura, não de produção de ideias e pensamentos como
hoje acreditamos, mas sim de recebimento e sublimação de impulsos corpóreos em
processos mentais, como lembrava Schopenhauer, ou de transformação de
percepções externas em conceitos e idéias, como postulou Immanuel Kant.
O cérebro não produz pensamentos, mas traduz em pensamentos
as sensações que percebemos através dos sentidos, tanto fora do corpo, por exemplo através da visão e audição, como dentro do corpo, via medula espinhal. A função de
transformação de idéias em impulsos mecânicos, realizada pela ação do sistema
límbico sobre a neuro hipófise, e desta sobre o corpo pela adenohipófise,
mostra um sentido do movimento de densificação em atitudes do que, antes, era apenas
uma imagem ou desejo. Da mesma maneira, em sentido contrário, existem nervos
aferentes que trazem até o cérebro o que antes foi a percepção de uma deficiência
de potássio ou de hidratação, causando o irresistível desejo de consumir
bananas ou de tomar água.
Uma outra imagem possível é supor o corpo, o hardware do “escafandro”,
e a mente, o software, enquanto o escafandrista está por trás de ambos,
indicando o rumo da pesquisa e da caminhada no fundo deste oceano material.
Embora posamos demonstrar a existência do escafandro de
muitas maneiras, a presença de um escafandrista dentro dele segue
indemonstrável, a ponto de supormos que tal coisa não exista.
A ausência do escafandrista não é a visão que eu abraço. Não é a minha crença.
Embora não possamos ainda individualizá-lo por completa
falta de tecnologia para isso, o que somos em verdade está lá, dentro de nós.
Não é nosso cérebro portanto, complexo e sofisticado, que nos
dá nossa condição de indivíduos, embora sem ele não pudéssemos, aqui, nesta
dimensão, nos expressar adequadamente.
Existe o indivíduo sim, mas por detrás de todas estas
estruturas, usando-as e às vezes confundindo-se com elas, cometendo equívocos
que só podem ser evitados quando o conhecimento estabelece com alguma clareza
os limites de cada parte deste conjunto que formamos com nossa mente e corpo.
A época em que estas coisas ficarão mais claras ainda não
chegou, mas chegará. E talvez aí sim, possamos entender que estamos apenas vestindo
este corpo, absolutamente fundamental à nossa experiência terrestre, mas não
somos o corpo, assim como o escafandrista não é o escafandro, mas está nele, em
uma relação de interdependência intensa, de tal forma que pode parecer que são
uma coisa só.
E para o bem da experiência da en-carnação, ou “escafandrização”,
é bom que seja dessa forma.