Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 10 de maio de 2020

"MISTICISMO", um texto fundamental



Por Mario Sales


São 10/05/2020. Já estamos no terceiro mês de pandemia e, por causa do isolamento, muitas palestras pela internet se sucedem, tanto individuais como institucionais.
Nesta última classificação a Sociedade Teosófica e a Rosacruz AMORC tem sido bastante atuantes.

Fábio Lopes Soares

Ontem a Loja Rosacruz Guarulhos São Paulo, em associação com a com a Heptada Martinista São Paulo e com a Loja Rosacruz Recife, de Pernambuco, promoveram uma bela atividade cujo título era “Reflexões de um Místico Moderno sobre a Alma”, trabalho do Frater Fábio Lopes Soares, atual mestre da Heptada Martinista São Paulo na sua fala baseou-se em 6 livros que nomeou na introdução, entre eles o livro MISTICISMO, de Evelyn Underhill, publicado pela editora rosacruz francesa, Difusion Rosacruciene. Trata-se de uma obra preciosa, densa, de 792 páginas, fora as da bibliografia. Data de 1911.

Evelyn Underhill

Tenho aqui na biblioteca a edição de maio de 2002, sendo que a primeira edição em língua portuguesa é do ano de 1995.
Por que tantos detalhes? Por que, como lembra o editor no prefácio, embora Evelyn Underhill seja “um dos escritores de misticismo essenciais do século 20, no entanto muito estranhamente ainda é desconhecida pelo grande público”. Esse livro levou 4 anos, diz ele, para ser escrito.
É, portanto, uma obra de fôlego, e, embora eu seja adepto da tese de que erudição não é sinônimo de iluminação, e que grandes escritores não são, necessariamente, por isso, grandes místicos, é claro que registrar em texto sentimentos e valores organiza nossas percepções e as esclarece, de maneira que muitos seres humanos, em todo o planeta, possam talvez se reconhecer nas imagens e reflexões desses autores, e quem sabe, fortalecer suas convicções, emoções e vivências, além de ajustar suas compreensões solitárias e pessoais às desta imensa egrégora de outras almas com as quais dividem afinidades espirituais.

Edmund Husserl

O escritor constrói estradas que facilitam o caminho dos que vêm após ele e quanto mais seu texto for claro e sincero, mais o caminho dos que vem após ele será plano e agradável.
Aprendi, lendo Edmund Husserl, criador da FENOMENOLOGIA, que existem autores profundos, claros ou obscuros, mas que nem todo texto obscuro é necessariamente profundo.
O livro de Evelyn Underhill não é nem obscuro, nem superficial, mas didático como desejaria Comenius, um nobre educador Rosacruz, mais parecido com um inventário grandioso das diversas manifestações literárias de verdadeiros místicos de várias linhas, sem deixar de, graças a este extenso levantamento, propor reflexões fundamentais à vida de cada um de nós, vítimas da picada da mosca violeta.
Comenius

Como exemplo cito seu relato sobre as confissões de Gertrude More, em “Os Exercícios Espirituais”. Lembra Underhill, que esses escritos “…não foram feitos para serem publicados, mas escritos, em sua maioria, nas páginas em branco de seu breviário…”. Gertrude chamava-os “Amor Ordinem Nescit”, ou, em português, “As devoções de uma tola”.

Gertrude More

Falam esses textos, impressos de modo póstumo, em Paris, em 1658, de 2 temas principais: o primeiro, “dar tudo o amor é algo dulcíssimo” e o segundo, “Oh, deixa-me amar ou não me deixeis mais viver”.
Tais textos, diz Underhill, receberam a seguinte análise de Peter Berger: “em essência são a concentração de todas as forças da alma sobre um objeto Supranatural, concebido e amado como uma Pessoa viva.”
“O amor e o desejo”, continua Underhill, “são necessidades fundamentais e, se ausentes, a pessoa mesmo visionária, não pode ser chamada de Mística”. Este é um tema caro aos que trilham a senda do misticismo: o que fazer com as paixões e com os sentimentos.
Daí, conceitos como SUBLIMAÇÃO, CANALIZAÇÃO DA ENERGIA DO CORPO PARA ALMA, ganham destaque naqueles que, estando no corpo, sabem-se espírito; que sendo néscios, tolos, sabem-se parte de uma formidável e indescritível inteligência que dorme oculta em seus interiores.
Reconhecemos o amor e a humildade como duas estratégias para a livre manifestação dessa inteligência transcendental.
Na verdade, amar e entregar-se ao ser amado já são suficientes para realizar essa alquimia já que a humildade é desnecessária nos apaixonados, pois não existe indivíduo verdadeiramente apaixonado que seja arrogante ou vaidoso.
Lembra Underhill que “a atração, o desejo e a união, na qualidade da consecução do desejo, constituem a maneira pela qual a vida trabalha, tanto nas coisas mais elevadas como nas inferiores”.
“A atitude do místico” continua ela “na verdade é igual à do apaixonado já que ele sente a mesma impetuosidade, a mesma devoção desinteressada, exaltada, a mesma combinação de êxtase e humildade. Esse paralelo é mais que uma fantasia, porque tanto um místico como um apaixonado respondem ambos em níveis diferentes ao chamado espírito da vida.”
A obra de Underhill ombreia com a de São João da Cruz e precisa ser objeto de meditação de todos os rosacruzes.


[1] Dame Gertrude More (nascida como Helen More; 25 de março de 1606 - 17 de agosto de 1633) era freira da Congregação Beneditina Inglesa, escritora e fundadora-chefe da Abadia de Stanbrook.
Ela nasceu em Low Leyton, Essex, Inglaterra. Seu pai, Cresacre More, era bisneto de Thomas More; sua mãe, Elizabeth Gage, era irmã de Sir John Gage, 1º baronete de Firle, Sussex, lorde Chamberlain da rainha Mary. Sua mãe morreu em tenra idade e o pai de Helen tornou-se responsável por seus cuidados e educação. Dom Benet Jones, um monge beneditino, incentivou-a a ingressar em sua fundação religiosa projetada, Nossa Senhora do Conforto, em Cambrai. Ela foi a primeira de nove postulantes admitidas na ordem em 31 de dezembro de 1623. Helen More ficou sob a influência de Augustine Baker e recebeu o nome religioso de Gertrude. Catherine Gascoigne, uma de suas colegas, foi escolhida à sua frente como abadessa.

Um comentário:

  1. A sensibilidade feminina e comum devoção ao amor aproxima as mulheres do Sagrado. De fato a arrogância só distancia o buscador do estado de iluminação.
    Infeliz o homem que não devota seu amor a uma única amada, busca de forma fútil auto afirmação e domínio em muitos abraços. Muito me devotei em oferecer ferramentas de transformação, e a jornada solitária apenas me ensinou que misticismo requer amor, devoção, simplicidade e humildade genuína. Em vão caminha o buscador enquanto a ganância e arrogância deseja domínio e poder.

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