Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 3 de maio de 2020

MAGIA E PENSAMENTO MÁGICO


por Mario Sales


MAGIA: arte, ciência ou prática baseada na crença de ser possível influenciar o curso dos acontecimentos e produzir efeitos não naturais, valendo-se da intervenção de seres fantásticos e da manipulação de algum princípio oculto supostamente presente na natureza, seja por meio de fórmulas rituais ou de ações simbólicas.

PENSAMENTO MÁGICO: “Em antropologia, psicologia e ciência cognitiva, pensamento mágico é o termo usado para descrever um raciocínio causal que procura correlações entre ações ou elocuções e determinados eventos. No caso da religião, das crenças populares e da superstição, a correlação proposta é entre a observância a certos rituais e a obtenção de alguma recompensa. Esses rituais incluem, por exemplo, oração, sacrifício, observância a tabus e a repetição ou tergiversação voluntárias de comportamentos considerados auspiciosos ou agourentos. Em psicologia clínica, o pensamento mágico é uma condição que faz com que o paciente experimente medo irracional de realizar certos atos ou ter certos pensamentos, porque ele assume uma relação entre suas ações e calamidades ameaçadoras.”

Dicionário Houaiss, Ed Objetiva


B.F.Skinner

O que é pensamento mágico? O clássico experimento de Skinner é muito esclarecedor acerca de como ele surge e evolui.  Burrhus Frederic Skinner foi um psicólogo e pesquisador americano que deu aulas e Harvard de 1958 a 1974. Ele era especialista em comportamentalismo ou behaviorismo (de behaviour, em inglês, comportamento). Entre seus experimentos existem um particularmente interessante feito com pombos dentro de caixas chamadas “caixas de Skinner”. Os pombos nessas caixas eram recompensados com alimentos de modo completamente aleatório. Skinner deixou-os nestas caixas por algumas horas e quando voltava ao laboratório, encontrava o seguinte cenário: em uma caixa, um pombo limpava o chão com sua cabeça, outro em outra caixa, bicava sucessivamente o canto inferior esquerdo da gaiola, outro por sua vez limpava suas penas embaixo da asa esquerda, outro ficava dando voltas em círculos.
Tudo isso porque nessas condições peculiares tinha acontecido uma recompensa, alimento fornecido pela máquina, e para o pombo, sua atitude, aquilo que ele estava fazendo naquele momento, deveria ter relação com o surgimento do alimento. Repetindo aquele bizarro comportamento ou atitude, ele supunha que mais alimento seria fornecido.
Esse é o pensamento mágico, a associação entre um evento aleatório e determinada ocorrência da qual, conclui a mente supersticiosa, deve ser a causa.



Caixas de Skinner


Ou seja, em uma época de ignorância, as relações entre os eventos, principalmente os climáticos como tempestades, raios, secas, inundações, tendiam a ser explicadas por critérios supersticiosos.
Um trovão rugia. Qual seria a causa? Com certeza o martelo de Thor, deus do travão, brandindo contra uma gigantesca bigorna.
Cocei minha orelha esquerda e um prato caiu ao solo. Na próxima vez tentarei evitar de coçar a orelha esquerda perto dos pratos.
O homem primitivo pensava como os pombos da pesquisa.
Não só o homem primitivo. O ser humano desprovido de discernimento, discernimento este decorrente da educação e do conhecimento, ainda tende a supor estranhas e curiosas relações entre certos procedimentos e acontecimentos os mais variáveis.
Qualquer psicólogo entende isso. O ser humano prisioneiro do senso comum não tolera a ignorância ou o vazio de explicações e não hesita, sem pudor, de “inventar” respostas para perguntas que ele não sabe responder. Esta criatividade maligna, esta capacidade de fantasiar sobre o real, muitas vezes gera angústia e sofrimento aos seus adeptos.
Sentem-se perseguidos por forças maléficas, supõem-se vítimas de magia negra, crêem que alguém possa feri-los à distância, recorrendo a cerimonias obscuras como no caso do Vudu haitiano.
Eu me equivoquei há pouco quando disse que o homem supersticioso o é por falta de educação. Na verdade. 
O homem ou a mulher supersticiosa são submetidos a uma espécie diferente de educação, para tornarem-se, como se tornam, escravo de superstições. É um condicionamento educacional, na sua comunidade de origem, na sua família, ouvindo histórias dos mais velhos, que vão alimentando suas almas impressionáveis de criança com valores e imagens, conceitos e sensações que nunca mais sairão de seus subconscientes.
Nem todo o dinheiro do mundo, aparentemente, pode mudar o que foi plantado fundo no inconsciente. Uma vez condicionado pelo pensamento supersticioso, uma vez tocado pela força do medo que acompanha esse pensamento, esse indivíduo terá receio incontrolável de tudo e de todos, até mesmo de sua própria sombra.
A palavra sombra aqui é muito propícia e fecunda.
Mergulhada em sombras, assim está a mente educada para temer, para recear.
Depois de instalado, esse estado é quase irreversível.
A única possibilidade de evitar essa situação é prevenir-se com a vacina do pensamento científico, orientado pelo método científico e pelo ceticismo metodológico.
“O ceticismo metodológico foi desenvolvido por René Descartes e consiste em duvidar de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes. Segundo Descartes, tudo aquilo que não for completamente evidente e tudo aquilo que já nos tenha enganado no passado não pode ser considerado conhecimento verdadeiro. Por isso, a primeira regra do seu método defendia que nunca devemos "aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal: isto é, 'evitar cuidadosamente a precipitação e o preconceito; não incluir nos nossos juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao nosso espírito que não tivéssemos nenhuma ocasião para o pôr em dúvida'." ("Discurso do Método", Segunda parte).”
Uma vez instalada, a dúvida criada pelo ceticismo metodológico deverá levar a verificação do conceito ou do fato pelo método científico. E o que é o método científico? É a investigação sistemática de um fenômeno na intenção de estabelecer sua veracidade, sua confiabilidade como conhecimento de certeza.



Portanto, ao contrário de pombos ou de pessoas de mentalidade simplória, ao se deparar com um fenômeno, é preciso submeter o real ao crivo da lógica aplicada a ciência. 
Primeiro, contemplar e observar um fenômeno, sem medo, sem temor, mas com curiosidade e interesse genuíno. Depois, formular uma ou duas hipóteses que expliquem esse fenômeno. Em seguida submeter essas hipóteses ao crivo experimental. Observando o resultado da experiência, confirmar ou refutar a hipótese inicialmente considerada. Se refutada, a partir dos resultados experimentais, formular novas hipóteses que serão novamente testadas.
Nada em ciência é estável. Tudo que é verdadeiramente científico pode e deve ser testado, várias e várias vezes, apenas para ter certeza de que os resultados não se modificam nas mãos de pesquisadores diferentes, em diferentes países, e em condições diferentes.
O exemplo mais simples é a gravidade.
A gravidade[1] diz que dois corpos que tenham massa estão submetidos a uma força de atração mútua, diretamente proporcional a suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância.
O que isso quer dizer? Se eu tenho uma laranja na minha mão e a solto no espaço, ela cairá em direção ao solo. Ela cairá todas as vezes que eu a soltar, seja de manhã, de tarde ou de noite, seja aqui ou em Lisboa, em Washington ou em Pequim.
Mudadas as condições e as pessoas, mudando mesmo de país, as laranjas que forem soltas continuarão a cair em direção ao solo, com regularidade, uniformidade, invariavelmente. Este é um fenômeno científico. Ele é verificável pela experimentação e é reprodutível.
Pode e deve ser submetido a verificação, mas os resultados têm sido sempre os mesmos desde 1687 quando o texto em que foi descrito foi publicado. O nome do texto era "Philosophiae Naturalis Principiae Mathematica".


Newton

Embora o método científico tenha provavelmente sua origem no trabalho do cientista Ibn Al - Haytham[2] nos seus estudos sobre ótica, com similaridades com o método de Descartes e o atual, (como a observação e a pesquisa teórica anterior ao fazer do experimento, a separação em categorias e comparar a hipótese de acordo com os resultados), fazendo com que ele fosse considerado por muitos "o primeiro cientista", o método cientifico foi aperfeiçoado e consolidado tanto pela instituição do ceticismo metodológico quanto pela publicação do Principia, no século XVII.


Descartes

E aqui chegamos a um interessante e aparente paradoxo. Tanto o autor do Discurso do Método, o filosofo Renée Descartes, quanto o autor do Principia, o físico inglês Isaac Newton, eram rosacruzes.
Como? Homens de indiscutível pensamento racional, empiristas convictos e construtores do que chamamos de as bases da ciência contemporânea, pertencendo a uma ordem esotérica de práticas obscuras e secretas?
O que poderiam buscar nesta afiliação já que tal escola não era parte do cânone intelectual de suas épocas? Quais seriam as razões para seres de pensamento unirem-se a um grupo de mulheres e homens cujas práticas poderiam ser classificadas de semelhantes aos pombos das caixas de Skinner?


AS DIFERENÇAS ENTRE SUPERSTIÇÃO E PRÁTICA ESOTÉRICA ROSACRUCIANA


A magia, como definida em epígrafe, não é, em verdade, a verdadeira magia. Supor que os rosacruzes pregavam que quaisquer eventos pudessem suceder de modo não natural é descabido e absurdo.
Crer que rosacruzes seriam capazes de não aplicar sistema e método aos seus ensinamentos, ou que falassem de assuntos sem a fundamentação da experiência seria injusto com alquimistas e químicos dos séculos XIV ao XVIII. Ouso mesmo dizer que a magia verdadeira nada tem a ver com suposições e impressões vagas. Uma das coisas mais verdadeiras acerca do rosacrucianismo em todas as épocas é de que ele nunca existiu de modo essencialmente teórico.
A tradição de nossa ordem não foi calcada em ideias sem fundamento ou práticas sem eficácia. Se nos notabilizamos por alguma coisa foi pela busca incessante de técnicas para dar manifestação as energias desconhecidas pela maioria dos seres humanos, pela sua natureza sutil ou por seu aspecto incomum. Por exemplo, o uso de sabão. Em textos secretos era recomendado aos membros da fraternidade antes de se alimentarem ou depois de se dedicarem a tarefas insalubres banhar-se ou lavas as mãos com uma substancia que produzia uma estranha espuma branca chamada “sabão”, que “combateria seres invisíveis capazes de gerar perigosas doenças e debilidades”. Como na época, falar em “seres invisíveis” seria o mesmo de ser acusado de bruxaria, este conhecimento incomum era passado em sigilo e com cuidado.
Da mesma maneira, seriam as práticas alquímicas, provenientes da china e do oriente médio, principalmente dos árabes, as precursoras da química moderna, sendo que o próprio Newton era um alquimista praticante. São, portanto, cientistas rosacruzes que fazem prosperar a Sociedade Real de Ciências, uma das mais nobres instituições científicas de todo o mundo, fundada em 1660. Newton foi seu presidente entre 1703-1727, ano de sua morte. Foi lá que apresentou seus revolucionários estudos sobre Ótica.
Outro pesquisador britânico também pertencente a Ordem Rosacruz, John Dalton, nascido em 1766, foi, além de físico, químico e meteorologista.



Dalton

Foi Dalton o moderno defensor da teoria atômica da matéria, já prevista por Demócrito de Abdera na Grécia antiga, quatro séculos AC.

Democrito de Abdera


Descartes, Newton e Dalton não eram pessoas com cérebro de pombo. Esta já é uma diferença notável.
Ao longo da história da humanidade, vários expoentes da ciência flertaram ou mesmo se casaram com a ordem rosacruz, demonstrando com isso terem vislumbrado em seus ensinamentos algo mais que superstição ou fantasia.
Os rosacruzes contemporâneos são herdeiros destes homens, e, portanto, carregam consigo a responsabilidade de manter a atitude cética e metodológica que eles ensinaram aos seus descendentes e pares científicos.
Dos rosacruzes espera-se que não pensem como pombos ou como pessoas desprovidas de senso crítico e por isso sejam capazes de cumprir o item 16 do código de vida rosacruz que enuncia: “Sê sempre um pensador livre. Reflete por ti mesmo e não penses conforme a opinião dos outros.”
Se algum ensinamento for conseguido através das monografias, testem-no. Jamais acreditem em afirmações sem provas. Experimentem as técnicas apresentadas em suas lições de sanctum, observem se funcionam. Se funcionarem, apliquem-nas novamente para confirmar sua confiabilidade e assim verificar se não funcionaram apenas por uma simples coincidência.
Uma vez que a prática confirme que a técnica é verificável e reprodutível, como a laranja que sempre cai, podemos então ter confiança nesta técnica e passar para a seguinte.
Só assim entenderemos que Magia rosacruz é ciência aplicada, não pensamento mágico, e honraremos nossos antepassados, como Descartes, Newton e Dalton, mostrando que somos dignos de sua herança, e que, o mais importante, não temos cérebros de pombo.


[1] A lei da gravitação universal afirma que, se dois corpos possuem massa, ambos estão submetidos a uma força de atração mútua proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa seus centros de gravidade. Essa lei foi formulada pelo físico inglês Isaac Newton em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicada em 1687, que descreve a Lei da Gravitação Universal e as Leis de Newton — as três leis dos corpos em movimento que assentaram-se como fundamento da mecânica clássica.
[2] Abu Ali al-Hasan Ibn Al-Haitham (em árabe: أبو علي الحسن بن الهيثم), conhecido também pela forma latinizada Alhazen, nasceu no ano 965 em Baçorá, agora Iraque e morreu em 1040 na cidade do Cairo. Físico e matemático persa. Pioneiro da ótica , depois de Ptolomeu. Foi um dos primeiros a explicar o fenômeno dos corpos celestes no horizonte.
Escreveu numerosas obras notáveis, pelo estilo e pelas observações sobre os fenômenos da refração da luz, com especial incidência na refração atmosférica ao nascer e ao pôr do sol.
Em seu Livro de Óptica (em árabe: Kitāb al-Manāẓir (كتاب المناظر)), publicado no início do século XI, propõe uma nova teoria sobre a Visão. Embora diferente do modelo atualmente aceito, essa teoria foi revolucionária para a época em que foi proposta e é vista como um passo importante para a compreensão da visão.

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