Por Mario Sales
Gaston Bachelard
Enquanto escrevo ainda estou sob o impacto das últimas
reflexões deste monumento literário cujo título simples – A Poética do Espaço -
esconde sua complexidade e perturbadora profundidade.
Gaston Bachelard me encanta. Principalmente porque faz de sua
erudição pista de decolagem e não uma âncora.
Voa, e em seu vôo, na ventania provocada pelo seu bater de
asas, nos arrasta, nos desloca e desequilibra, fazendo-nos procurar em vão um
apoio ou sustento no vazio. Seu olhar original e radical sobre as coisas
aparentemente mais simples, uma casa, o canto de um cômodo, gavetas, cofres,
ninhos de pássaros ou conchas, que são partes de nosso espaço ou no espaço das
quais habitamos ou penetramos, são também capítulos deste pequeno tratado do
estranhamento do que vemos, ouvimos, e costumamos classificar como expressão
desses sentidos aparentemente objetivos, os quais ele perverte, descrevendo o
ouvir da luz, ou a imagem do som.
“O ruído que a luz do sol faz ao bater nas paredes do quarto”.
Que declaração embriagante, perturbadora, se me permitem a repetição.
A boa literatura deve nos perturbar.
“O ruído da luz do sol é como o zumbir de abelhas”.
A luz, pois, tem um som, um som característico que expande a
sua manifestação e a diversifica, não mais apenas iluminação, mas também som,
zumbido.
A imagem do ruído dos raios de sol, como zumbidos de abelhas
é de Tristan Tzara[1]
que ele extrai para fazer suas reduções fenomenológicas. Neste particular,
Bachelard diferencia a abordagem fenomenológica daquela psicológica ou psicanalítica.
Tristan Tzara
O poeta constrói uma nova realidade, talvez com alguns
elementos da outra realidade que nos acostumamos de considerar a verdadeira,
para dar vida a estados de manifestação paralelos e alterar o comportamento dos
fenômenos, enriquecendo-os, enriquecendo-nos.
Por isso, nestas realidades, a luz pode ter som, emitir som,
demonstrando uma densidade e uma solidez insuspeitas em nosso próprio mundo. E
apenas porque a poesia lhe permite tal coisa por versos como
“E o
mercado do sol entrou no quarto
E o
quarto na cabeça, que zumbe”
E a realidade, instantaneamente, se
transforma. Essa é a verdadeira magia.
A Magia da poesia.
A Magia da palavra.
[1] Tristan Tzara, nascido Samuel ou Samy Rosenstock (Moinesti, 16 de abril de 1896 – Paris, 25 de dezembro de 1963)[1] foi um poeta romeno, judeu e francês, um dos iniciadores do Dadaísmo. Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), um grupo de refugiados em Zurique, na Suíça, iniciou o movimento artístico e literário chamado Dadaísmo, com o intúito de chocar a burguesia.[2][3][4] Seu pseudônimo significaria numa tradução livre "triste terra", tendo sido escolhido para protestar o tratamento dos judeus na Roménia. Em 1917, após a partida de Hugo Ball, Tzara assumiu o controle do movimento dadaísta em Zurique. Proclamou a sua vontade de destruir a sociedade, os seus valores e a linguagem em obras como "Coração de gás" (1921), "A anticabeça" (1923) e "O homem aproximativo" (1931). Após o declínio do movimento dadá, Tzara envolveu-se no surrealismo, juntou-se ao Partido Comunista e à Resistência Francesa. Tudo isto fez com que em obras como "A fuga" (1947), "O fruto permitido" (1958), "A Rosa e o Cão" (1958), esteja patente uma consciência lírica, na qual traduziu as suas preocupações sociais e testemunhou a sua ânsia de defender o homem contra todas as formas de servidão.
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