Meu discurso aos Artesãos da região SP2, em Suzano, São Paulo
Por Mario Sales, FRC.:, C.:R.:+C.:; S.:I.:(membro
do CFD)
"A voz do mestre cessou. E todos do quarto, os ouvintes visíveis e
os invisíveis, os visitantes da Terra e do Céu, permaneceram unidos num grande
acordo de silêncio. Os discípulos viram, através da diminuta luz ao redor da
cama, que o mestre jazia como um morto, mas eles sabiam que sua alma havia
deixado o corpo e estava explorando as regiões superiores. E esperaram numa
tensão sem ar, vacilando entre a esperança e o medo. Enquanto eles assim
viveram por um longo momento de eternidade, a luz ao redor da cama começou a
renovar-se com um fresco esplendor. Um sol de júbilo iluminou as feições de
Shumon bem Yochai quando ele abriu os olhos para eles - um sorriso profundo,
como se de muito longe. E sua voz vibrava com uma segurança profunda enquanto
ele os ensinava, dizendo: "Sei que meu rosto está refletindo júbilo, mas o
júbilo que vocês vêem nele não é senão um reflexo infinitesimal da felicidade
que veio a mim. Minha alma acabou de voltar a mim do outro mundo, onde
contemplei a glória dos que se entregaram ao Nome Santo. E eu os vi banhados em
treze rios de perfume, e então conduzidos à frente do Trono Santo, onde o
Santíssimo mostrou seu deleite com êles. E quando eu perguntei: "-Para
quem é toda essa glória?", foi-me
dito: "-Estes são os homens que
serviram a Deus sobre a Terra por amor e não por medo!".
"Revelações sobre o Inferno e o Paraíso", Zohar,passagens
selecionadas pelo rabino Ariel Bension,
capítulo 26, págs 221,222, Ed.Polar, São Paulo, 2006
Pressupõe-se que um
artesão seja um homem ou mulher de refinamento espiritual indiscutível.
Pensamos, quando neófitos, que são os mais antigos rosacruzes e que por isso
atingiram um nível místico elevado, onde as questões que realmente importam não
são as mesmas de quem não é iniciado ou o foi há pouco tempo.
Na vida real as
coisas não são bem assim.
O caminho no
estudante místico segue sempre um rumo peculiar, que diz mais respeito a seu
karma e às suas peculiaridades psicológicas e pessoais do que ao ritmo próprio
das monografias que chegam pelo correio.
A diferença entre os
artesãos e os neófitos não é de evolução, mas de autopercepção, de clareza
quanto às suas próprias limitações. Certa vez alguém disse que não era tão
jovem para saber todas as respostas. Artesãos tem certeza sobre isso.
Aprenderam a duras
penas que sua evolução atende a movimentos erráticos, guiados por uma força
superior à sua vontade, e que ao aperfeiçoar-se espiritualmente depararam-se,
necessariamente, com suas mais antigas imperfeições, com as regiões mais
sombrias de sua mente.
Este é um exercício
assustador e ao alcance de poucos. Principalmente porque no início desta senda
de auto descoberta supomos que precisamos de coragem para atravessá-la.
Ledo engano.
Enfrentar nossos próprios fantasmas, nossos demônios pessoais, que nos tentarão
de maneira sagaz e sutil a abandonar o caminho, demanda muito mais confiança em
Deus e na sua Infinita Bondade e Proteção do que em nossas próprias forças.
Se possuímos em nós
uma parte com a qual temos dificuldade de lidar, uma parte que nos assusta, e
que mesmo assim é parte de nossa personalidade, é porque ela representa uma
ameaça às nossas convicções, não por que se opõem frontalmente a estas últimas,
mas sim porque fazem todo o sentido e são objeções racionais às nossas ações e
escolhas, em última análise, sensatas.
Nenhuma tentação
verdadeira é explícita ou banal. Não nos oferece escolhas simples, como ouro e
riquezas em troca de nossa paz espiritual. Ao contrário, propõe-nos reavaliar
nossos critérios acerca daquilo que realmente nos traz felicidade.
A tentação verdadeira
sempre toca em nossas carências, ela nos lembra as coisas que achamos que
perdemos, de nossas insatisfações sexuais, da inevitável perda progressiva da
juventude, das coisas que ferem nosso orgulho, nossa auto estima, nossa vaidade.
Porque dúvidas sempre
teremos, se quisermos decidir sozinhos o rumo que daremos às nossas vidas. Só
teremos paz verdadeira e tranquilidade quando entregarmos o comando de nosso
barco nas mãos do Sublime Navegador, chamado de Mestre Interior, e que é a
manifestação em nós da Consciência e da Sabedoria Divina.
É através deste
mestre e guia íntimo que somos levados a tomar decisões mais acertadas e nem
sempre as mais sensatas, nem sempre aquelas que nos pareceriam mais adequadas à
luz da Razão.
Razão esta que muito
nos auxilia no cotidiano, mas que não devemos esquecer que é a Falsa Luz, mesmo
que pareça ser uma luz verdadeira.
Por isso as
argumentações do Demônio, que é o nome que estamos usando para designar o
conjunto de energias dentro de nós resultantes de nossa temporária estadia na
forma física, nossos hormônios, nossa educação, nossos preconceitos adquiridos,
etc, são sempre um primor de lógica e coerência, e nos faz mesmo supor às vêzes
que estejamos recebendo uma inspiração angelical, quando na verdade estamos
sendo submetidos a uma tentativa de desvio de nossa senda mística.
É sempre bom recordar
que a figura babilônica dos Demônios, é, para todos os efeitos, um Anjo, como
outro qualquer.
O Mal não nos tenta
com o Mal, mas com o Bem.
E assim, ao Artesão é
sugerido que sua vida seria mais fácil se abandonasse suas crenças para as
quais não obteve às vêzes uma comprovação satisfatória, não no sentido de
duvidar de sua autenticidade, mas sim da possibilidade de aplicá-las à sua
existência.
As falhas humanas dos
oficiais da Ordem são usadas como prova de que não estão aptos a exercer o
cargo que exercem e que a qualidade do corpo ritualístico não tem o mesmo apuro
que em outras eras, em anos anteriores.
A idade do Artesão
pesa sobre seus ombros e isto é usado para mostrar-lhe que talvez tenha se
dedicado de modo equivocado a uma prática e a um estudo que não lhe trouxe a
paz que desejava, mas sim compromissos e obrigações que às vêzes rivalizam com
o tempo da família e com o lazer.
O Demônio, sempre
educadamente, com voz baixa, pergunta em nosso ouvido: " Do fundo do seu
coração, o que melhorou em tua vida nos últimos anos? Tua pele não está mais
jovem, teu corpo não está mais disposto, os problemas cotidianos, as questões
de natureza familiar e profissional continuam a surgir, junto com dificuldades
sociais e financeiras, e às vêzes legais. Pode-se dizer sinceramente que você
está mais feliz hoje do que antes? A sua filiação e a sua lealdade trouxeram
algum lucro psicológico ou dom em particular, a não ser aquele aparente consolo
diante dos problemas que qualquer religião traz?"
Ficamos quietos,
escutando estes comentários, tentando encontrar respostas a estas questões, que
se modificam de acordo com o indivíduo que sofre esta tentação.
O que o neófito não
sabe e que o Artesão conhece bem, é que o Mal não está fora de nós, mas mora em
nossas frustrações pessoais, em nossos fracassos pessoais, em nossa falta de
auto estima, em nossos "esqueletos escondidos no armário".
E alguns entre nós
tentarão combater estes ataques do inimigo lembrando-se do Karma, e pensando
que obedecer a Deus e à Ordem implica em proteção para si mesmo e para os seus,
como reflexo da Lei de Anra. Que algum tipo de recompensa, não necessariamente
material, mas algum tipo de compensação, acontecerá como consequência de sua
firmeza em manter-se junto às fileiras dos oficiais mais antigos.
Em seu interior temem
ceder às provocações do mal não por convicção, mas pelo receio das punições,
que tem a ver com a Lei Universal.
Isto não é
suficiente, entretanto, para trazer paz.
Apenas garante um
estado de conflito e receio que precisa ser superado para que possamos
realmente trilhar um caminho luminoso.
O Mal tem uma
característica interessante. Ele se fortalece com nosso esforço em combatê-lo.
Reconhecê-lo como uma força real é dar-lhe densidade e estrutura. O Mal precisa
de nosso medo e de nossa resistência para afirmar-se como uma entidade
independente.
Seu ponto fraco é ser
desmascarado e ter sua enorme fragilidade revelada. Sim, o Mal é extremamente
frágil e carente e por isso precisa de alimento e de atenção.
Se consegue gerar a
dúvida, a hesitação e o conflito, ou mesmo a reflexão sobre seus argumentos,
sua vitória sobre nossas melhores intenções está assegurada.
Como, entretanto, não
ter dúvidas, sendo como somos seres frágeis e sujeitos às pressões naturais
dos acontecimentos? Como superar nosso receio diante da certeza de nossa morte
física, ou da doença, ou da dor psicológica? Como enfim não nos sentirmos
inseguros, sendo como somos seres humanos comuns, hoje, exatamente por causa
de nossa experiência e tempo de vida, perfeitamente cientes de nossas próprias
limitações?
Por isso não podemos
confiar em nós mesmos, mas na entrega à inspiração divina, à orientação do Todo
Poderoso, e deixar que não nossa cabeça, mas nosso coração, guie nossos passos,
nossa jornada.
Assim fazendo, somos
tocados pela egrégora dos Mestres deste e de todos os mundos, os Dhyân Chohans
da Doutrina Secreta de Blavatsky, ou seus auxiliares, os Mestres da
Fraternidade Branca na Terra.
E ao entrar na
vibração destes Homens e Mulheres, estes Irmãos mais antigos, tornamos-nos,
também, suas extensões neste mundo, e somos imediatamente tocados por sua
força.
E o que este contato
nos ensina?
Em uma expressão, uma
palavra, resume-se a técnica dos Mestres, que nos liberta das tentações e nos
ajuda na conquista da Luz: o Serviço.
Servir o próximo,(seja
a sociedade que nos cerca, a nossa própria família ou aos animais, sim, aos
animais que são nossos companheiros neste planeta e que em muito podem nos
mostrar a importância e a força do afeto incondicional), é, além de uma
estratégia de acumulação de karma positivo, uma vacina contra a perda da confiança
nos valores espirituais.
Servir é a forma
manifesta do Amor.
Servir é realizar a
mais elevada das virtudes, o Altruísmo, o pensar no outro antes de em voce
mesmo.
Servir é exercitar a
libertação das preocupações do ego, a verdadeira face do Demônio tentador, o
ego que quer prevalecer, que tem receio de desaparecer, que tem medo de não ser
valorizado, que se alimenta do elogio e da bajulação.
Servir,
principalmente de forma discreta, de modo que "a mão esquerda não saiba o
que faz a mão direita", transforma a prática do bem em uma hábito e, com o
tempo, em uma necessidade involuntária, onde a Vontade do Altíssimo determina
nossas ações e não as nossas crenças pessoais ou valores religiosos.
O Servir é o meio
prático e direto de enfrentar as incertezas da existência, colocando-nos em
sintonia com toda a Vida em todas as partes do planeta, não só a vida humana,
mas com vegetais e animais.
O Amor como um valor
ou uma virtude é abstrato e filosófico. Através do Serviço ele ganha densidade
e existência, como o Amor Manifesto. E na verdade, é no Serviço que nos
assemelhamos ao Criador. Pois Deus nos serve todos os dias, dando-nos o Nous
necessário a existência, mantendo-nos aptos através de sua inspiração, no
sentido mental e no sentido respiratório.
É Dele que nos
alimentamos, é Nele que encontramos sustento, é por Ele que exercemos nosso
direito de existir e aprender mais e mais para a Glória de Seu Nome e de toda a
Criação.
E se servimos,
transformamos-nos em Forças da Criação, ou em termos Martinistas, Agentes Divinos
na Terra.
E de que forma servir
para aumentar nossa Luz Interior, nos aproximarmos da Iluminação, e vencer a
Tentação do Inimigo?
Persistentemente.
Compromissando-nos de forma que o desânimo possa ser combatido com o senso de
dever.
Nem todos nós são talhados para o serviço em Corpos Afiliados. Mas quem
o é deve usar deste expediente para organizar o seu próprio esforço de serviço.
Pois pelo
compromisso, que se oficializa num juramento ao assumir o cargo, seja ele qual
for, comprometemos-nos a servir. E aí, aplicamos uma técnica descrita por
Pietro Ubaldi como "automatismo": mesmo que o corpo não esteja
disposto, mesmo que a preguiça ou o simples cansaço peça, não poderemos faltar
a um compromisso que juramos cumprir e isto nos força a comparecer a uma
cerimônia aonde exercemos um papel teatral e iniciático importante para outros
e não só para nós mesmos.
O Serviço contribui
para outro tipo de ganho místico: o desapego. Ao participar solidariamente da
ajuda a terceiros, descobrimos o sem número de pessoas que precisam de nosso
auxílio e colocamos, automaticamente, nossas próprias dificuldades pessoais em
perspectiva por comparação.
Como reclamar de uma
unha quebrada diante do Câncer de mama de outro?
Impossível.
Situações como estas
são didáticas, elucidativas, esclarecedoras. Permitem-nos contemplar a
floresta, não a árvore.
Levantamos os olhos
do próprio umbigo e olhamos a nossa volta.
Esta simples mudança de foco é
terapêutica.
De repente, como num passe de mágica, a nossa dor, o nosso
sofrimento (e todos nós temos alguma dor a tratar), torna-se banal. Saímos da
condição de murmuradores para a situação inversa, de agentes transformadores.
Este é o verdadeiro crescimento da maturidade espiritual.
Este é o verdadeiro
batismo de fogo do Artesão. E aí sim, ele será glorificado pelo Altíssimo,
porque o serviu não por Medo mas por Amor; mas amar é um verbo transitivo, já
que quem ama, ama a alguém ou a alguma coisa.
E assim, o Artesão, por
definição, nunca ama em tese, mas de fato; ama o ato de tecer a realidade a sua
volta, com as linhas da generosidade e da bondade. O artesão deve ser, sempre, o
tecelão de um novo Universo, para si e para todos a sua volta. Não de forma
aleatória este é o seu título, já que também é a sua missão. construir com
beleza e arte.
O ser humano, afinal, principalmente o ser humano iniciado, como
lembra o Cabala, tem na sua existência como missão primordial Retificar a
Criação, corrigindo-a e aprimorando-a, cônscio de sua cumplicidade com o
Criador que gerou não uma obra pronta e acabada, mas um Processo em constante
evolução e aperfeiçoamento. E aí sim nos reconheceremos como aqueles abençoados
do trecho do Zohar em epígrafe. "-Para
quem é toda essa glória?", foi-me
dito:"-Estes são os homens que
serviram a Deus sobre a Terra por amor e não por medo!".
Sirvamos, sempre, e
muito, de forma a manifestarmos na Terra o Amor de Deus, o amor criativo, real,
palpável, não um valor metafísico, mas uma ação concreta no Mundo. Este é o
caminho para derrotar a Tentação e humilharmos o Inimigo, amando-o também e de tal
forma que ele, como sombra que é, desapareça debaixo de nossa Luz.