Mais uma provocação quanto a mudança do paradigma de educação e de transmissão de conhecimento. Mesmo as escolas esotéricas deveriam repensar a disposição de seus templos para távolas redondas que estariam muito mais de acordo com os novos tempos da interatividade. Mas vejam a palestra e tirem suas próprias conclusões.
UM EXERCÍCIO SOLITÁRIO, POÉTICO E FILOSÓFICO, BASEADO NO PRECEITO ROSACRUZ DA MAIS COMPLETA LIBERDADE (POSSÍVEL) DENTRO DA MAIS PERFEITA TOLERÂNCIA (POSSÍVEL). O MARTINISMO E O ROSACRUCIANISMO COMO REFLEXÃO.
Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).
domingo, 29 de setembro de 2013
PALAVRAS
por Mario Sales,FRC, SI, CRC
Falamos para descrever o que pensamos. A fala representa, através
de símbolos compostos de letras e palavras de uma língua, as idéias que a mente
produz em seu exercício de imaginação, linear, encadeado, ou não.
A imaginação, como o nome diz, não produz palavras, mas
imagens. Todo escritor é um descritor.
E o que ele tenta descrever é uma imagem, dinâmica como um
filme, ou estática, como uma fotografia.
A palavra desencadeia vibrações no ar em volta daquele que a
profere.
Estas vibrações, quando chegam aos ouvidos de outras pessoas
e são devidamente decodificadas, desencadeiam por sua vez reações emocionais.
Os Magos acreditavam poder desencadear os mesmo efeitos emocionais em seres
invisíveis, através de palavras especiais, que representavam idéias e
convicções conhecidas em conjunto pelo nome de Ocultismo.
A palavra, naquela época, no período entre o século XV e
XVIII, era o mais importante instrumento do Mago.
Ele a usava de modo especial, em orações, invocações,
instruções ao mundo invisível que, em sua concepção, conseguiriam mobilizar
energias e seres que, em contra partida àqueles estímulos, materializar-se-iam
em cerimônias complexas e confusas, às vêzes solitárias, às vêzes coletivas,
com resultados nem sempre satisfatórios ou confiáveis.
Acreditava-se que quanto mais espetacular fosse a
manifestação do invocado, mas confiáveis e poderosas seriam as suas
declarações, e uma vez que alguém estivesse de posse destas, teria em suas mãos
um conhecimento diferenciado que lhe daria uma visão da vida ou do Universo
mais completa e mais profunda.
Considerando a qualidade de vida daqueles que enveredaram
por este caminho e que deixaram registros pesquisáveis, na verdade nem sempre,
ou melhor, frequentemente , as coisas não eram bem assim.
É como entrar num espetáculo de Ilusionismo ou num balé de
dezenas de participantes e supor que após maravilhar-se com as cenas e os
truques ou com a música e o desempenho dos dançarinos, sairíamos dali,
necessariamente, seres humanos mais místicos ou mais maduros.
Não, a grandeza de um espetáculo não representa sua
importância pessoal para cada um que o assiste.
E assim as palavras foram aos pouco emudecendo para dar
lugar as imagens que elas representavam. Houve um inversão de sentido e se
antes os Magos se esmeravam para comentar em voz alta seus presságios e
invocações, na virada do século entenderam aquilo que o Oriente já sabia: é
cuidando do Interior que se produz poder e sabedoria, é ouvindo a voz que vem
do coração para a cabeça, a mesma cabeça que, através da mente, produz imagens
captadas pela sensibilidade, que realmente alteramos a realidade que nos cerca.
Assim, o Ocultismo, baseado em fórmulas e palavras,
exteriorizado como um espetáculo grandioso, de luzes e cores, de símbolos,
transformou-se no exercício interno e silencioso do auto aperfeiçoamento, da
busca pela construção íntima de uma consciência, de si mesmo e de tudo que nos cerca, mais ampla e mais profunda.
Li uma frase atribuída a Jung, que independente da autoria,
é muito bela. Diz que "quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro,
desperta."
Nenhuma síntese poderia ser mais bem feita do que hoje
chamamos de O Trabalho Místico.
A Palavra, hoje, ainda tem, entretanto, poder. Ela
revelou-se como instrumento mágico por outros modos, na indução política das
massas, na indução comportamental de um indivíduo, na expressão da Fé dos
religiosos.
A Palavra é o conceito congelado, o pensamento audível.
A Palavra desencadeia reações físicas, arrepios, lágrimas,
palpitações. Ela é um instrumento de poetas, cantores, filósofos, professores e
religiosos.
A Palavra ainda é, portanto, Mágica, embora não seja mais a
base da Magia. Hoje, a Magia é A Arte do Silêncio, da Imaginação.
Mesmo assim, reconhecendo sua importância, nós, seus devedores, já que sem a Palavra não existiria a
Cultura ou mesmo a Sociedade como a conhecemos, agradecemos, comovidos, pelo
seu suporte e cumplicidade.
sábado, 28 de setembro de 2013
AINDA A DOUTRINA SECRETA
por Mario Sales, FRC,SI,CRC
A edição da Editora Pensamento e a tradução de Raymundo
Mendes Sobral, da Doutrina Secreta de Madame (a pedido de Amadeu) Helena
Petrovna Blavatsky, feita em 1973, (mesmo considerando a generosidade e a falta de interesse comercial
do tradutor, que, segundo consta, doou os direitos a Editora em questão), é uma
das piores elaborações que eu já tive acesso. O descuido está presente em quase
todas as páginas, e o tradutor, justiça seja feita, não tem responsabilidade por todas as falhas. Nota-se, muitas vezes, a falta de um revisor competente para que a impressão não
saísse cheia de equívocos e deslizes.
Em um esforço tipico de rosacruzes em todos os séculos, lemos , eu e Flavio, ontem a noite, o capítulo XI, aqui
chamado seção, que tem o título de "Demon est Deus Inversus" do segundo volume, denominado "Simbolismo Arcaico e
Universal", (um sonho de outro contemporâneo de HPB, Jung, na sua intenção de
estabelecer as bases planetárias do arcabouço simbólico humano, sintetizado na
obra, hoje rara, "O Homem e seus Símbolos", se bem que com intenções
terapêuticas e antropológicas e não esotéricas).
Queria primeiro declarar que este capítulo, bem como o
anterior, o X, intitulado, "O Culto da Árvore, da Serpente e do
Crocodilo", foram, até agora, sem comparação, os mais bem traduzidos, e os
que mais sentido fizeram, deixando transparecer um raciocínio linear e
encadeado na maioria dos parágrafos. É possível inclusive ver a tão propalada variação de estilos que
os estudiosos atribuem, não ao caos de informações da cabeça de Mme (sempre
atento ao pedido de Amadeu) Blavatsky, mas sim à interferência simultânea de
três mentes , Morya, Saint Germain e Ku-Thu-Mi na escrita da esoterista. Antes
, pelas dificuldades de leitura provenientes de uma tradução feita de maneira
pouco criteriosa, era impossível, em certos trechos, entender como a autora
tinha chegado a certas conclusões ou porque mudara de assunto bruscamente.
Nos capítulos (seções) X e XI isto não acontece.
Conseguimos
ler 13 ou 14 páginas sem grande esforço, e com um grau de compreensão
satisfatório, tanto que esgotamos em cada reunião, primeiro na quarta e depois
ontem, sexta feira, um capítulo por noite.
O que salta aos olhos nestes capítulos são os erros de
revisão, como na página 121, quando ela comenta:
"Em toda parte as especulações dos cabalistas conceituam
o Mal como uma Força que é contrária,
mas ao mesmo tempo necessária e essencial ao Bem, dando-lhe existência e
vitalidade, que de outro modo não poderia ter."
E continua ela:
"Não haveria Vida
(assim mesmo, em maiúscula)[1]possível
(no sentido mayávico) sem a Morte;
regeneração e reconstrução sem a destruição. As plantas (prestem atenção agora)
pareceriam sob um a luz solar eterna,
e o mesmo aconteceria ao homem...".
Entendemos imediatamente que em vez de pareceriam, o revisor deveria ter colocado pereceriam, mas aqui ainda foi fácil perceber este deslize.
Mais a frente, na página 123, no primeiro parágrafo, lemos o
seguinte trecho:
"Pulastya, diz nosso Abade, mora em Kedara, palavra que
significa "um sítio cavalo"(!?), uma "mina", e a tradição e
a Bíblia ensinam que Caim foi o primeiro trabalhador em metais, isto é,
mineiro!"
"Sítio cavalo"? Alguns segundos de perplexidade e
compreendemos que tratava-se de "sítio cavado", aonde um L substituía
o D.
E fez-se o Caos na cabeça de dois pobres e dedicados leitores noturnos.
Pode parecer uma crítica banal, mas considerando a
complexidade da leitura, o cansaço mental que estas idas e vindas do discurso
blavatskyano causam, erros como estes ganham uma dimensão mais significativa,
pois confundem o estudo e o raciocínio de modo mentalmente doloroso.
Na mesma página, mais abaixo, citando o Vishnu Purana, -I,
págs 7-8, lê-se:
"...Os... sábios evitam a cólera; não te deixes, filho
meu, dominar por ela. Não permitas que esses inofensivos (grifado no texto em itálico, o sublinhado é
meu) espíritos das trevas sejam molestados ( sublinhado por mim) ; que o
teu sacrifício cesse. A misericórdia é o poder dos justos"
Ora, se a intenção de Vasishta, avô e conselheiro de Parâshara,
é livrar seu neto da preocupação com a influência maligna e encolerizadora de
espíritos inferiores, mais sentido faria se dissesse " Não permitas que
esses inofensivos espíritos
das trevas o molestem..." e não "sejam molestados", como
se, ao contrário, protegesse os inimigos de seu neto, Parashâra, que queria vingar seu pai, devorado por aqueles demônios chamados pelo avô "inofensivos
espíritos".
Mas isto aparece no texto de forma discreta e se não fosse a
seriedade com que fazemos a leitura, a dois, não perceberíamos.
Repito, estes dois capítulos, X e XI, são os mais bem
traduzidos e revisados dos dois volumes, a meu ver, até agora. E ainda assim
temos que lidar com estes pequenos percalços, que embora pequenos, são chatos e
incômodos para quem lê interessado em entender.
Como mais a frente , na página 126, aonde, no alto da página
lê-se:
"(Cronos, com sua foice, corta até mesmo os ciclos mais
longos, que para nós são como se não) tivessem fim, mas que , não obstante, são
limitados na Eternidade; e com a mesma foice destrói os rebeldes mais
aguerridos. Sim, não há um só que escape a foice do Templo!"(???)
Não era "Templo" a palavra correta, mas
"Tempo", mas este L intruso, e não revisto, foi parar no meio da
palavra correta, mudando todo o sentido da frase.
Recebi emails aqui no blog de Teósofos e estudantes de
Teosofia que dizem que está em processo uma nova tradução, revista. E que o
texto base desta tradução que estamos lendo, a única em português, não é aceito
nem mais em Adyar, sede da Sociedade Teosófica, por conter intromissões
inadequadas (SIC) de Annie Besant. Essas informações estão mais detalhadas no
site http://lua-em-escorpiao.blogspot.com.br/2012/12/doutrina-secreta-resumida-e-anotada.html.
Ali, em artigo publicado em dezembro de 2012 fala-se que
"...Em novembro último, a editora brasileira Pensamento lançou no mercado
a tradução da versão resumida e anotada d’ “A Doutrina Secreta”, a magnum
opus de Helena Blavatsky. Originalmente lançada nos EUA em 2009, esta
versão é da responsabilidade do historiador Michael Gomes."
Michael Gomes
Boa notícia. Comprarei o livro ainda hoje. E paciência. Até aqui, existe mais lucro que prejuízo em nosso
esforço, já que a maioria dos esoteristas comentam livros e conceitos sobre os
quais nunca leram, e isto prejudica a qualidade do debate. É preciso mais
seriedade nos eruditos esotéricos, até para realizar um esforço didático de
síntese desses conceitos, que há muito precisam de novas roupagens, para serem
compreendidos pelas novas gerações, seja para serem rejeitados como descabidos,
seja para serem aceitos com visões extremamente profundas e diferentes de nossa
realidade.
Não importa. Para aceitar ou recusar, antes é preciso
entender o que foi dito. Com textos confusos e mal revistos isto é muito
difícil, exige paciência e uma disponibilidade psicológica que a maioria das
pessoas não tem e não quer ter, nessa época de imediatismos e superficialidade.
E isto afasta muitos que poderiam contribuir e acelerar as revisões de textos,
bons ou maus, fundamentais para se entender a história do esoterismo, como a
Doutrina Secreta de Madame (como Amadeu pede) HBP.
nota: recomendo, para quem lê francês : http://www.esoteric-philosophy.com/2011/01/extracts-from-private-letters.html
nota: recomendo, para quem lê francês : http://www.esoteric-philosophy.com/2011/01/extracts-from-private-letters.html
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
MARIO SERGIO CORTELA: O PARABRISA E O RETROVISOR
Substitua a palavra alunos por Maçons e ou Rosacruzes e ou Martinistas. E assista ao vídeo. Depois pense.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
O COLAR PERDIDO DA POMBA, ULTIMO FILME DA TRILOGIA DO DESERTO
DA MESMA FORMA QUE O ANTERIOR, PODE-SE COLOCAR LEGENDAS ASSISTINDO NO SITE DO YOU TUBE. UM FILME SOBRE SUFISMO.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
LES BALISEURS DU DÉSERT (OS BALISADORES DO DESERTO)
Este é o segundo filme da Trilogia do Deserto, segundo informações passadas pelo frater Arnobio Alves, sufi, a José Marcelo, nosso correspondente em Pernambuco. Este é Les baliseurs du Désert de 1984 e o outro, que ainda não encontrei, é Le collier perdu de la Colombe (o colar perdido da pomba) de 1991, todos do cineasta tunisiano Nacer Khemir. O primeiro filme foi Baba Aziz, publicado aqui no blog no último domingo, à noite.
Quanto a compreensão, é possível configurar para ter legendas em português, nos botões abaixo, à direita, mas só no site do Youtube.
SINOPSE:
A aldeia é marcada por uma maldição. Abdesalem é nomeado por um velho sábio para investigar e desfazê-la, mas como ele tenta sondar o mistério, ele também encontra um final estranho, que curiosamente foi profetizado para ele. Agora, cabe ao Housin travesso e jovial quebrar a maldição. Housin exibe um comportamento igualmente estranho e passa o tempo falando em um poço vazio e roubar pequenos espelhos para criar um jardim mágico. A arquitetura fantástica da cidade, com uma estrutura semelhante a de um labirinto, um labirinto de vielas quase indistinguível do deserto ao redor da qual se levanta, parece feito sob medida para as alcaparras do Housin de pernas nuas, que finalmente descobre a natureza da maldição e como ela pode ser superada.
Quanto a compreensão, é possível configurar para ter legendas em português, nos botões abaixo, à direita, mas só no site do Youtube.
SINOPSE:
A aldeia é marcada por uma maldição. Abdesalem é nomeado por um velho sábio para investigar e desfazê-la, mas como ele tenta sondar o mistério, ele também encontra um final estranho, que curiosamente foi profetizado para ele. Agora, cabe ao Housin travesso e jovial quebrar a maldição. Housin exibe um comportamento igualmente estranho e passa o tempo falando em um poço vazio e roubar pequenos espelhos para criar um jardim mágico. A arquitetura fantástica da cidade, com uma estrutura semelhante a de um labirinto, um labirinto de vielas quase indistinguível do deserto ao redor da qual se levanta, parece feito sob medida para as alcaparras do Housin de pernas nuas, que finalmente descobre a natureza da maldição e como ela pode ser superada.
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DO MAL
por Mario Sales,FRC,SI,CRC
No século IV AC, Agostinho em suas confissões cria o mais brilhante e mais popular argumento filosófico já construído: o do livre arbítrio.
Na intenção de eximir a Deus da responsabilidade sobre o Mal, que ele afirmava não ser harmônico com a noção de um Deus Amoroso, estabelece que a origem do mal são as más escolhas que fazemos, no gozo de nossa liberdade de decidir. E que se possuímos esta liberdade, ela nos foi dada pelo próprio Deus.
Portanto, Agostinho convenceu seus contemporâneos que um ser Onisciente tinha dado as suas criaturas a capacidade de fazer opções impossíveis de antecipar, de saber. De maneira enviesada, dizia, e todos aceitaram, que um Deus que sabe tudo, não saberia qual seria a escolha de seus seres. Mais: que um Deus que pode tudo, Onipotente, nada poderia fazer para impedir o erro de seus filhos.
Deus, segundo Agostinho, agiria contra sua própria natureza. O Deus de Agostinho, enfim, é um Deus incoerente.
A noção de Individualidade que vinha da cultura grega, base da cultura latina e de toda cultura ocidental, impregnou o pensamento deste bispo sagaz. A Individualidade, o fenômeno de um ser humano único, in-diviso (não dividido), independente do meio e diferenciado por uma personalidade e um modo de pensar, para os Europeus daquele século IV era, sociológica e filosoficamente, um avanço. Enquanto o Oriente milenar buscava a União entre Deus e o homem, a Fusão, a Yoga entre Criador e criatura, o Ocidente julgava avanço separa-los, de tal modo que Deus estivesse lá, alto no Céu, enquanto a Terra, seria o aqui-em-baixo, território do profano, da vida mundana.
Tudo, para ser compreendido e explicado, deveria ser decomposto e separado, e Agostinho começa por separar o Mal e principalmente, o homem que opta pelo Mal, de Deus.
A IMPOSSIBILIDADE DO LIVRE ARBÍTRIO
Agostinho, no entanto, passou ao largo de certas questões.
Uma delas, a não percepção de que o homem comum tem importantes limitações de compreensão e percepção.
Entender um processo é conhecê-lo em todas as fases de sua execução e desenvolvimento.
A Vida é um processo altamente complexo, que não se resume a fecundação, nascimento, crescimento, envelhecimento e morte, mas também a interação com o meio material e humano que cerca e acompanha este indivíduo que percorre a existência no eixo do tempo.
Viver bem é compreender a Vida em todos ou quase todas as suas nuances. E quem pode dizer que é capaz dessa compreensão? Quem pode com segurança dizer que está de posse do segredo da existência? E por que não podemos dizer isso? Pela enorme quantidade de variáveis, a falta de estabilidade dos acontecimentos e dos relacionamentos sociais.
Descartes, no séc XV, onze séculos depois, percebeu esta impossibilidade lógica de saber tudo sobre tudo para qualquer ser humano por mais brilhante que fosse, e criou a noção de erro em substituição ao pesado conceito do pecado. Homens, disse ele, não pecam, porém erram, e o erro é reversível a partir do conhecimento. Não haveria necessidade de punição pelo erro, mas sim de correção. E corrigir era descobrir a forma certa de fazer aquilo em que antes havíamos falhado.
Mas isto é uma tautologia.
Vejam, é como a piada mística:
"Mestre, como fazer boas escolhas?"-"Experiência"
"E como conseguir experiência?"-"Más escolhas".
Sim, o erro , como a morte, são as únicas certezas.
Agostinho alegando que possuíamos liberdade de decidir sobre o certo e o errado, afirmava de forma paralela que o homem que escolhe sabe exatamente o que faz, que está a par de todas as consequências de seus atos. Que a sua educação, que seus traumas e inseguranças, não interferirão em suas decisões, as quais sempre serão uma opção clara entre o que é certo e o que é errado. Para Agostinho, ao contrário de Descartes, o homem não é uma vítima do erro, mas seu senhor. Ele , Agostinho, que teve uma vida pessoal desregrada, que casou com uma mulher que morreria jovem, em função de uma doença desconhecida, que teve um filho que também morreria jovem, aos 20 anos, por causa de uma febre; ele Agostinho, homem mundano que só tardiamente viria a se dedicar a vida monástica, achava que seus erros e sofrimentos foram causados por suas más escolhas, e que a morte de sua esposa e de seu filho, que lhe trouxeram dor e sofrimento, também foram uma opção sua, e não da Natureza.
Digo isso, porque só um ser tomado de uma impressionante soberba e orgulho, pode-se supor capaz de manter controle sobre todos os acontecimentos a sua volta.
Considerando que, no nível microscópico, os donos do planeta são os vírus e as bactérias, e que só nos últimos 100 anos começamos a ter alguma capacidade de resistir contra seus ataques com as vacinas e os antibióticos, é presunção e ignorância supor-se capaz de ser responsável por suas escolhas, quando muitas vezes, a natureza faz estas escolhas por nós.
Sim, fazemos escolhas, mas com certeza não são escolhas livres. Estamos sempre limitados aquilo que compreendemos e sabemos e que não é muito. Morcegos enxergam melhor que nós, cães ouvem melhor que nós, e um simples vírus invisível pode ser capaz de nos matar.
Nós, seres humanos, somos profundamente ignorantes de nosso meio ambiente, e por tabela, de nós mesmos. Nossa ignorância só é superada na maior parte do tempo, pela nossa estupidez em gerir as reservas de nosso mundo e as relações com nossos companheiros de planeta, sejam animais irracionais, sejam outros seres humanos.
Então como exigir de um ser que enxerga mal, ouve muito pouco, e quase nada compreende do seu meio ambiente, acurácia e capacidade de decisão consciente ilimitada?
Não, o ser humano ainda é um projeto em andamento, longe, muito longe da perfeição.
E de um ser imperfeito não se deve esperar decisões adequadas. Só o erro, repito, é a certeza de nossas existências. "Más escolhas, que geram experiência e, aí sim, após as más escolhas, boas escolhas."
Como Agostinho, todos nós cometemos enganos, exatamente porque não somos livres para decidir corretamente , já que estamos, todos, presos a nossa própria ignorância de momento, passível de ser diminuída com a experiência e o passar do tempo. O fato é que alguns sabem menos que outros, alguns ignoram mais que outros, mas todos ignoram muitas coisas sobre a vida e sobre si mesmos.
Somos todos ignorantes e o pouco que sabemos nos ajuda a viver com certa dignidade. Compartilhamos informações para que todos possam beneficiar-se das informações de todos. Precisamos uns dos outros para conseguirmos ser nós mesmos, e melhores a cada dia.
A Vida é complexa e cheia de percalços, mas ela e tudo que existe dentro dela, pertencem e foram criadas pelo mesmo Ser, pela mesma Inteligência. Só Ela detém todo o conhecimento, toda a sabedoria, de todas as coisas.
E um Ser de tamanho poder jamais poderia ser um tolo. E só um tolo suporia que seres limitados em todos os aspectos não cometeriam, involuntária e eventualmente, algum erro.
Eis o que as pessoas chamam de Mal.
Os erros involuntários e não os erros voluntários.
Todos fazem o que quer que seja porque crêem , em sua limitada compreensão, que estão fazendo a coisa certa.
O ambiente, a educação, a evolução espiritual de cada um determina suas escolhas e suas noções de Bem e de Mal, de Certo e Errado.
E assim como para um canibal é correto comer um inimigo que tenha demonstrado coragem na batalha, como forma de homenageá-lo, buscando ao devorá-lo, usufruir de sua nobreza e virilidade, da mesma forma o homem dito civilizado, olha com horror esta prática, e tem náuseas diante daquilo que outra cultura chama respeito.
Mas existe outra fonte do que chamamos Mal: o acaso desagradável. Outro conjunto de fatos imponderáveis e imprevisível, o acaso só pode ser antecipado pela Inteligência e Onisciência do Altíssimo. Nenhum de nós antecipa um acidente casual que nos mutile e nos cause dor e sofrimento. É diferente de, por exemplo, beber e dirigir de modo irresponsavelmente rápido em uma estrada e bater o carro solitariamente em uma árvore. Falo de um indivíduo que vem por uma estrada em baixa velocidade, dirigindo cuidadosamente e é vítima de uma motorista embriagado como o descrito.
Qual a causa deste acontecimento trágico e imprevisível? O sofrimento que a vítima, dita inocente, da irresponsabilidade de outro, experimentará, não foi provocado voluntariamente por ela e mesmo assim ela deverá arcar com o peso deste acontecimento. Isto, com certeza, será considerado um mal. Pior: um mal inexplicável, com o qual este indivíduo e sua família deverão lidar. A irresponsabilidade do outro motorista nos dá a causa pela qual o evento ocorreu, mas não sua justificativa moral. A questão é: porque coisas ruins acontecem com pessoas boas? Existirá uma razão para isso? E se existir, devemos entender que o mesmo Deus que permite e implanta a beleza na Vida , permite e autoriza a existência do Mal nessa mesma Vida?
Foi isto que deixou Agostinho perplexo e o impeliu a achar uma justificativa lógica para a existência deste mal involuntário e incontrolável, tanto quanto imprevisível, fruto da ignorância e do acaso.
Mas, perguntaria eu ao orgulhoso Agostinho, quem somos nós para justificar os atos do Todo Poderoso?
Como, em nossa já famosa ignorância, conseguiríamos entender as razões ocultas dos dissabores que todos nós, sem exceção, atravessamos?
Mais ainda: e se o que julgamos serem coisas ruins e maléficas forem apenas os movimentos aleatórios de forças que não nos conhecem e que não nos escolhem, mas que, eventualmente, nos encontrarão e nos causarão algum impacto?
Da mesma forma que o vento não conhece as árvores que arranca com sua força, ou o mar não se dá conta dos peixes que dizima em seus maremotos, ou a Terra não se dá conta das cidades que destrói em seus terremotos, a Vida não para diante de seres com os quais não se identifica e que são apenas parte de um conjunto de outros seres, e não seres especiais como eles mesmos (nós mesmos) se designam, mais uma vez, cheios de empáfia. Somos seres cheios de orgulho e egocentrismo. Temos-nos em alta conta, mas nossa fragilidade e limitações são patentes. E considerando a Imensidade de Deus, só a arrogância pode nos fazer querer explicá-lo ou adjetivá-lo, de Bom ou de Mal.
Deus não é Bom ou Mal. Deus é Deus. O Todo Poderoso, o Onisciente, Onipotente, Onipresente. Seus desígnios são e sempre serão misteriosos, mas se tornam mais claros quando retiramos nossa carga humana de sua avaliação. Se nos relacionarmos com os fatos da vida tentando classificá-los em Bons e Maus , nosso conhecimento não valerá uma rúpia.
Só começaremos a nos aproximar da Verdade quando não tentarmos fazer juízo de valor sobre o que nos acontece, não pensar em punição e recompensa, e como os budistas, acreditar que só o fato de estarmos vivos e experimentando a possibilidade de existir conscientes já é, em si, uma grande bênção; cada experiência é uma bênção, cada dia é uma bênção, cada problema nos abençoa com mais informações que imediatamente são repassadas ao Criador, na consumação do mais importante motivo de estarmos nessa Vida Terrena, a coleta de dados acerca de todas as coisas, de emoções ao odor das rosas, da noção de apego aos que amamos até o cheiro de terra molhada em uma manhã fria e enevoada na floresta.
Todas as impressões, sejam agradáveis ou desagradáveis, tragam-nos dor ou prazer, são informações importantes e como tal devem ser tratadas, dados que compartilhados e somados com todos os dados colhidos por todos os nossos semelhantes criam uma massa crítica de informações realmente precioso para uma Inteligência permanentemente sedenta de informações.
E o que somos? Seres energéticos mergulhados neste ambiente denso, protegidos por nossos escafandros de carne que nos permitem estar aqui, viver aqui, mesmo com todas as limitações que uma roupa tão pesada e uma densidade tão grande nos causa, nós, seres de energia pura,que brincamos e estudamos nos campos de Nosso Senhor.
Não podemos morrer ou ser feridos realmente neste campo de provas artificial, mas a experiência não seria satisfatória se o aquilo que nos acontece não parecesse real. Sem esse realismo, mesmo que cinematográfico, não conseguiríamos experimentar as emoções ligadas a esta peça de teatro, a este drama que chamamos "vida na carne".
Quanto ao Mal, sem o viés classificacionista, não saberemos dizer com certeza o que é.
O médico com o bisturi que se aproxima de um furúnculo infeccionado na pele de uma criança, deve parecer assustador e maléfico para o pobre menino. Em sua ignorância, não sabe que este é o procedimento que garantirá sua recuperação.
Sim, a informação e a cultura, às vêzes, aliás sempre, mudam nossa classificação das coisas. E o que antes nos parecia maléfico, é entendido como parte de um plano de aperfeiçoamento brilhante e muito bem amarrado.
Hoje não temos, como lembrava Steve Jobs em Stanford, como ligar os pontos de nossa existência. Só depois, mais a frente , compreenderemos as razões de certos acontecimentos que, à primeira vista, realmente nos parecem absolutamente perversos e sem sentido.
Para ver o desenho completo é preciso ligar os pontos, todos os pontos. E só quando tivermos todos os pontos poderemos fazê-lo. É preciso ter a certeza íntima que uma bela forma se esconde no final. E aguardar pacientemente, até que todos, absolutamente todos os pontos sejam reunidos.
Paciência e fé em um propósito universal não impedirão nosso sofrimento, mas com certeza, retirarão de nós qualquer chance de revolta ou desespero. E assim até o Mal terá seu papel na construção de determinado objetivo oculto, como a última cena de "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint Exuperie, quando o principezinho convoca a cobra para que o pique, condição para que ele se liberte do corpo e retorne ao seu asteróide natal.
Tudo tem seu papel, esta é a lição. Mesmo que não entendamos de início qual seja.
Paciência.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
domingo, 8 de setembro de 2013
TEATRO, ENCARNAÇÕES E KARMA
por Mario Sales, FRC, SI, CRC
De 1964 até
1985, para falarmos apenas de uma parte de seu vasto trabalho, um ator
brasileiro consagrado, Tarcísio Meira, viveu 23 personagens. Em uma sequência
de trabalhos na TV e no cinema, ele foi conhecido pelos nomes de Betinho,
Miguel, Edmundo Amarante, Eduardo, Juan Gallardo, Celso, Bob Ferguson, Sandro e
Fernando de Aragón, João Coragem, Ciro Valdez, Rodrigo Soares, Hugo Leonardo
Filho e Raul de Paula, Antonio Dias, D. Pedro I, Diogo Maia, Fernando Lucas,
Juca Pitanga, Paulo Cesar, Theo Faron, Felipe de Alcantara Pereira Barreto,
Paulo de Oliveira, Hermógenes e Capitão Rodrigo Cambará.
Nenhum deles é
Tarcísio; nenhum, entretanto, deixou de ser.
Os erros e trapaças
de cada personagem, suas pequenas ou grandes maldades, suas malícias, pertencem
a história de cada papel, à qual o autor ofereceu seu suporte e talento
para fazer parecer real.
Gengis Khan, Hitler,
Jim Jones. Henrique VIII, da mesma maneira, são papéis de vilões, semelhantes a
quaisquer folhetins fantasiosos que costumamos acompanhar.
A partir desta linha
de raciocínio, coloquemos uma questão: deveremos responsabilizar o ator pelas
atitudes de seus personagens, considerando que não somos nossas encarnações,
mas vivenciamos personalidades ilusórias que nos ajudam a compreender certas
noções emocionais e espirituais?
Somos, todos nós,
emanações do Criador, puras, límpidas e imortais como ele. Não somos o Mario, o
Alfredo, ou o Carlos, como Tarcísio Meira, o ator real, de carne e osso, não é
Edmundo Amarante, João Coragem ou D.Pedro I, mas fingiu ser estas pessoas por
motivos exclusivamente teatrais e dramáticos. Papéis que, vilão ou herói, o
enriqueceram como profissional do Teatro e como ser humano.
A pergunta que me vem
a mente, quando vejo alguns irmãos discutindo qual seria a situação kármica de
Judas ou de Hitler a esta altura da eternidade é: será que personagens passados
devem ser considerados como existindo mesmo depois do final de suas
existências? Será que João Coragem tem ou teve existência para além do
final da novela específica aonde apareceu? Cessando a novela, cessa o
personagem. Cessando a ilusão (Maya), tudo que fazia parte dela se desvanece, e só
continua nas gravações de época que, dependendo da qualidade, denunciam, ao
serem vistas, sua própria antiguidade.
Se terminando uma
novela, o personagem, não o ator que o interpretou, desaparece, é de se supor
que terminando a encarnação, aquela personalidade vivenciada, não a essência
imutável e divina dentro dela, desapareça também.
É como se Tarcísio
Meira fosse aprisionado por João Coragem e não pudesse mais representar nenhum
papel, coisa que aconteceu com Leonard Nimoy ao representar o Sr. Spock, marcante personagem de ficção científica, mas que, ao mesmo tempo, destruiu todas as suas possibilidades como ator
dramático, tão marcado ficou por este papel em particular.
Nenhum ator vive
eternamente o mesmo personagem, mesmo Nimoy, como nenhuma alma fica eternamente
na pele de uma de suas encarnações dentre muitas.
Hoje vilões, amanhã
heróis, somos todos atores no drama kármico e não somos eternamente julgados,
como supõem alguns, pelos desempenhos de uma única vida.
A única razão para
pensarmos assim é a confusão entre vida espiritual e vida material, que nos faz
projetar valores ligados a este plano, naquele, cometendo dessa forma toda
sorte de equívocos.
Pensamos em bem e mal
como se fossem reais e não aspectos de uma mesma realidade, como a luz e a
sombra que o objeto iluminado pela luz, projeta no solo.
É difícil para alguns
entender que para o diretor da peça, não importa o papel que o ator desempenha,
mas sim a competência com que o faz. Todo drama necessita, para ser encenado de
personagens em oposição, que manifestem o aspecto polar e alternado da
existência. Dramas tem que ter algozes e vítimas, maldades e bondades. Mas a
rigor, como lembra Krishna no diálogo de Kuruksetra, ninguém mata ninguém, ninguém morre. A encenação de sofrimento e dor
deve ser convincente e devemos entrar no personagem senão a atuação
(playing,
em inglês, a mesma palavra para brincando e divertindo-se) não será satisfatória
e enriquecedora e o diretor nos pedirá para ensaiar mais e melhor.
Karma é uma noção
mais complexa do que supõem algumas vãs filosofias.
sábado, 7 de setembro de 2013
A PRÁTICA DO MISTICISMO E A SAÚDE MENTAL
por Mario Sales, FRC,SI,CRC
Um tema recorrente nas discussões sobre o ambiente místico
ainda hoje em nossos dias é a qualidade mental dos membros de escolas místicas.
Talvez o assunto tenha uma particular gravidade e
importância pelo histórico da prática ocultista que reunia pessoas fortemente
impressionáveis com indivíduos ostensivamente manipuladores, cientes de sua
capacidade de induzir os mais fracos de mente em condutas antiéticas sob as mais
disparatadas justificativas, o que incluía o consumo de drogas e práticas de
orgias, com a justificativa da busca por estados de consciência mais elevados.
Não sou um moralista, não me entendam mal. Estudei e criei
admiração e respeito durante minha formação intelectual pela civilização grega,
aonde a escala de valores comportamentais é em muitos anos luz diferente dos
valores da cultura judaico cristã (vide o Livro Paidéia, de Werner Jaeger).
É claro, entretanto, que os seres humanos não tão complexos
de se entender assim em seus comportamentos, mesmo os ocultistas, que no mais
das vêzes são menos esotéricos e muito mais "humanos, demasiadamente
humanos",do que gostariam de admitir.
E, se através de técnicas primárias de indução hipnótica e
sugestão, levavam mentes despreparadas a satisfazer a sua luxúria ou sustentar
materialmente seus caprichos materiais, não o faziam pela busca da santidade e
nem queriam alcançar um nível especial de percepção, mas apenas e tão somente
usar pessoas como se usam objetos para seu próprio deleite. Lembremos
entretanto que só o conseguiam por encontrarem material mental fértil e abundante
a sua volta.
Como Nietzsche perguntava, devemos também perguntar se a
culpa de um crime está na força do criminoso ou na fragilidade da vítima.
Ambientes esotéricos, com suas velas, seus incensos, seus
discursos obscuros, sujeitos às interpretações mais variadas e díspares, podem
induzir mentes menos elaboradas ao erro, a superstição e à fantasia.
E aqui, como admirador de Espinosa que sou, gostaria de
fazer de novo uma distinção importante entre fantasia e imaginação. Para
Espinosa, ambas, eram uma e a mesma coisa. O tempo, entretanto, passou, e a
linguagem, bem como os conceitos, se aperfeiçoaram.
Hoje, portanto, enquanto imaginação é considerada uma
qualidade positiva, base da criatividade artística e científica, a fantasia
pode em certas ocasiões ser apenas e tão somente um delírio, uma fuga de uma
realidade cotidiana indesejável, de forma a mergulhar o indivíduo em um estado
de perda de vínculo com o mundo objetivo.
Na prática rosacruciana, na época de Spencer e Ralph Lewis,
havia grande ênfase em manter a devida separação entre misticismo fantasioso e
misticismo objetivo. As técnicas mentais (era assim que chamávamos) eram
métodos que poderiam ser verificados, testados e repetidos por quaisquer pessoas
que o desejassem fazer. Não havia o apelo a métodos obscuros, línguas estranhas
ou pantomimas complexas como nos século XVIII, ou como na época de John Dee, no
séc XV. Não. A técnica rosacruz, fortemente ancorada no uso da visualização
criativa mental e da imaginação, conseguiu dar a prática mística um perfil
minimalista, límpido, objetivo, prático e seguro, do ponto de vista psicológico
e psiquiátrico.
Considerando a salada de informações esotéricas disponíveis
à época e a forma com que eram transmitidas, foi uma abordagem metodológica
revolucionária como só mentes avançadas e pragmáticas como a de Spencer Lewis
poderiam elaborar.
E parte deste esforço de retirar a "lama ocultista"
de cima da luz do misticismo foi consequência da história de problemas mentais
provenientes de práticas inadequadas feitas por pessoas emocionalmente
despreparadas para lidar com situações heterodoxas, para dizer de maneira a
mais simples possível.
Hoje em escolas esotéricas sérias, procura-se por todos os
modos evitar este equívoco ainda frequente, que vê identidade entre misticismo
e práticas bizarras, esoterismo e exotismo, de maneira que as pessoas que participem
dessas escolas possam se beneficiar se sua filiação e não, ao contrário, ser
vítimas delas.
Por isso AMORC tem tanto cuidado (às vêzes excessivo) com o
culto da personalidade entre membros.
Por isso existe a preocupação intermitente de manter controle
sobre a natureza das práticas e palestras dentro de corpos afiliados.
Na maçonaria, muito menos mística e esotérica que a
rosacruz, esta preocupação não existe e quase nenhuma atenção é dada a busca
pelo mistério.
Aliás, a espiritualidade na Maçonaria não tem caráter
místico, mas religioso.
E isto é compreensível. O viés místico é extremamente
complexo, exige a assunção de uma série de pressupostos psicológicos, como a
mudança de olhar sobre o lugar do Sagrado, se ele está ou não está separado de
nós; sobre a Onipresença divina ser apenas um conceito ou uma realidade; e a
compreensão sobre a Tábua de Esmeralda, que diz que "O que está em cima está em
baixo",e depois
continua "e o que está em baixo está em cima".
Religiosos prestam atenção na primeira parte da frase; místicos, na segunda.
Maçons são religiosos. Acham que existe um Deus, que Ele é o
Criador de todas as coisas.
Místicos rosacruzes são ou buscam ser o próprio Deus
manifesto, vivenciando esta união a cada segundo de seus dias. Não param seus
afazeres para orar. Estão permanentemente em oração e comunhão, mesmo em meio
às suas obrigações mundanas.
Mas voltemos ao tema.
Precisamos ter cuidado com nossos frateres e sorores, um
cuidado de pai para filho ou filha. Certas informações esotéricas são ocultas
por uma simples razão: nem todos compreenderiam seu significado e poderiam,
inadvertidamente, dar-lhes um sentido inexistente, fantasioso,
psiquiatricamente patológico.
Um exemplo disso é o lidar com seres na maioria das vêzes
invisíveis. O que eu não vejo, pode ou não estar lá, onde eu acho que está. O
mais prudente é não se preocupar com isto a não ser que, por sua própria
vontade, estes seres queiram tornar-se visíveis. E acreditem, é nessa hora que
é importante ter uma mente equilibrada. Tais visões não costumam ser
experiências muito tranquilas. Não à toa a primeira frase de qualquer anjo, no
texto bíblico, ao se tornar visível a algum profeta era "Não temais."
Por causa disso, a mais importante lição que recebi de meu
mestre foi a de que a prática mística esotérica não pode prescindir de bom senso e
objetividade. Na época em que recebi este ensinamento, eu ainda vivia
caminhando nas nuvens, sonhando com poderes paranormais, fascinado com tudo que
pudesse ter ao menos uma aparência esotérica. Não dava atenção a necessidade de
comprovação, das afirmações fantásticas que colhia de livros os mais variados,
principalmente os de Eliphas Levi.
Depois que recebi esta orientação, da maneira como os
mestres gostam de fazê-las, como uma sugestão mental, minha visão da prática mística
mudou radicalmente. A partir daí, comecei a olhar textos muito belos mais sem
nenhuma base de comprovação como apenas textos muito belos, e não fundamentos
de conhecimento.
Não que com isso eu os tachasse de balelas, mas usava com
eles o que depois vim a conhecer como técnica fenomenológica de Edmund Husserl,
deixando-os entre aspas, sem estabelecer sobre eles nenhum julgamento de valor.
O que antes eu lia como a descrição de fatos, passaram a categoria de textos
simbólicos, que tinham importância pela sua beleza e não pelas suas afirmações.
A primeira e mais marcante mudança é que desapareceu minha
ansiedade pela manifestação de dons especiais como a telepatia, telecinesia,
etc. Passei a prestar mais atenção na vida cotidiana, nos acontecimentos mais
simples, no tom de voz das pessoas, no convívio com os amigos e com a
sociedade.
Se estes dons tivessem que ser desenvolvidos, eles o seriam
naturalmente, dentro do contexto de uma vida comum, no momento que Deus Todo
Poderoso julgasse, em sua sabedoria e conhecimento infinitos, que fosse a hora
adequada para isso.
Livre desta ansiedade, os dons começaram a se manifestar. Senti grande aumento de minha
capacidade intuitiva; comecei a perceber em mim a capacidade de ler mentes,
nada que se assemelhasse aos telepatas do cinema, mas o suficiente para que eu
tirasse as conclusões mais corretas sobre as pessoas com quem me relacionava. Descobri
e passei a verbalizar em palestras o conceito de que a manifestação de dons
esotéricos não acontece com fundo musical ou com sons incidentais, mas nas
situações mais banais, em um supermercado, em uma feira, ou tomando banho.
A capacidade de fantasiar descontroladamente de certas
pessoas é tão grande certas vêzes que chegam a supor que fenômenos místicos
manifestem-se de modo sempre cinematográfico e grandioso. Descobri que nada
disso é real. A vida é simples e os dons se manifestam com simplicidade, como
respirar ou ouvir um som. Passam naturalmente a fazer parte de nossos sentidos
sem que sintamos nada em especial por causa disso.
Ninguém fica arrepiado de emoção ao respirar, ou ao ouvir o
som de um trem ao longe. Respirar e escutar são fenômenos naturais e como tal,
não trazem nenhum assombro. E era isto que meu mestre havia me ensinado: que a
vida era despojamento, e embora a arte procurasse embelezar a existência, a
beleza do existir já estava em si, sem nenhum acréscimo, ou nada que se
retirar.
Só pela harmonização com o real, com o cotidiano, podemos
contemplar esta beleza de que falo.
Observar com atenção os acontecimentos é o segredo. Prestar
atenção em todos, e eu digo TODOS os fatos que desfilam a nossa frente.
Pessoas com uma mente descontrolada, fantasiosa, distorcem a
realidade todo o tempo e é como se estivessem cegas. O esoterismo não pode e
não deve ser um agravador desta situação.
Por isso defendi em um antigo ensaio, Psicologia e
Misticismo, até hoje um dos mais acessados do blog, que todos os que desejassem
praticar misticismo deveriam estar atentos a sua saúde mental, e se necessário,
recorrerem aos préstimos de um psicólogo ou mesmo de um psiquiatra, na intenção
de organizar sua mente e seus pensamentos. Não queria com isso dizer que estas
pessoas sofressem de algum distúrbio mental, a priori, mas sim que deveriam
estar atentas ao fato de que quanto mais embaçado o vidro, menos a luz será
capaz de atravessá-lo, e a mente é a nossa lente, o nosso vidro, através da
qual a luz de Deus chega até nós.
Uma mente, não doente, mas imatura, também necessita de
educação adequada antes de entrar no meio místico. Isto garantirá que usufrua
do conhecimento dos milênios e da tradição esotérica de maneira muito mais rica
e de modo mais objetivo.
Sim , objetivo. Nós, como sempre falo, que lidamos com a
subjetividade, precisamos de muita objetividade para fazê-lo, e quando olharmos
para o céu nossos pés devem estar colocados bem firmes no solo abaixo de nós,
para que a visão do infinito sobre nossa cabeça não nos provoque vertigens.
Não se pratica misticismo para piorar nossa condição mental,
mas pelo contrário, para melhorarmos como pessoas.
E melhoramos na razão direta do desenvolvimento de bom
senso, moderação e no aumento da nossa cultura.
Diz-se no Oriente, que quando recebemos um visitante, este
deve ser tratado como se fosse o próprio Shiva que nos visitasse.
Imagine então se for Shiva em pessoa que visita nossa mente.
Esta deve estar adequadamente arrumada para recebê-Lo em todo Seu esplendor, em
toda Sua Glória.
Contemplar a luz sem o devido preparo pode ser enlouquecedor
e por isso é bom que o façamos gradualmente.
Esta é, e sempre foi, a estratégia da prudência.
A saúde mental é um bem precioso que deve ser preservado com
o mesmo carinho com que se preserva a saúde física. Cuidemos para que dentro de
nossa Ordem, ao reconhecermos um irmão que precisa de mais elaboração e
maturidade, saibamos aconselhá-lo a procurar, se necessário, auxílio
profissional, evitando que práticas nobres e santas, expostas às vêzes, num
instante psicológico inadequado, possam ser responsáveis pela piora da
qualidade de vida dessas pessoas.
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