por Mario Sales, FRC,SI,CRC
"Bohr reconheceu a importância
do princípio da incerteza, mas foi além de Heisemberg ao destacar que este não
é um problema que vem da interferência física envolvida na medição, mas uma
questão mais fundamental - o próprio ato de fazer uma medição muda a situação(ou
sistema) que está sendo examinada. Isso lança dúvidas em toda a premissa do
método científico. Pode não haver um observador objetivo se o ato da medição ou
observação em si afetar o resultado."
"História da Física",
Anne Rooney, Ed M.Books, 2013, pág.134
O avião já estava chegando à Guarulhos, mas não se via sinal
algum da cidade abaixo de nós, somente as nuvens, um oceano delas se espalhando
por baixo de nós em todas as direções. Nuvens cinzas e carregadas como uma
provável chuva para mais tarde.
Pelos instrumentos, em vôo de visibilidade zero, o piloto
manobrava para aterrissar e mergulhava na camada cinza abaixo, no seu movimento
gradual em direção a pista.
Por alguns instantes tudo a nossa volta ficou envolto em
fumaça e de repente, saímos da fumaça para entrar em um espaço entre dois
oceanos de nuvens, um acima de nós de onde vínhamos e outro abaixo de nós,
nuvens agora muito brancas, mas também espalhadas em todas as direções. Nesse
sanduiche de nuvens a sensação era de tranquilidade e calma. Acima e abaixo, apenas as nuvens a nos proteger e envolver.
A descida continuou e entramos nas segunda camada e, aí sim,
depois de alguns segundos, começamos a ter vislumbres de casas e automóveis, de
cores, de ruas e estradas abaixo de nós ainda com detalhes fracos que iam se
tornando mais nítidos a medida que nos aproximávamos mais e mais do solo.
Não só as pessoas nunca são normais quando olhadas de perto,
como lembrava o poeta, mas as coisas em geral também mudam de aparência e
aumentam em complexidade na medida que nos aproximamos mais e mais. Divisamos
seus detalhes de modo mais claro, suas nuances, suas características,
idiossincrasias.
Para vê-las de perto no entanto, é preciso que ultrapassemos
as nuvens que impedem nossa visão, e nossos instrumentos nos ajudam nesse
particular e nos guiam quando nossos olhos nada vêem.
Ainda no aeroporto do Rio eu comprei o livro do qual retirei o trecho em
epígrafe, o qual em certa altura discute a física do muito pequeno, de George Thompson, De Boglie, Einstein, Bohr e Max Plank, que hoje convive com a física
Newtoniana do grande e do muito grande, de modo contíguo, mas ainda não
contínuo.
Durante o vôo fiquei lendo sobre as vicissitudes que a
comunidade científica atravessou ao longo destes últimos duzentos anos
construindo o modelo atômico que deu origem aos reatores e as bombas nucleares,
o modelo tipo planetário, com elétrons instáveis pulando de níveis de tempos em
tempos, impossíveis de serem vistos, mas passíveis apenas de serem calculados
em um grande oceano de possibilidades.
Na física do muito pequeno também viajamos por instrumentos,
como meu avião ao pousar, só que o radar dos físicos hoje e cada vez mais é a
matemática, a mesma matemática que previu buracos negros, a deformação da luz
ao passar perto de grandes massas gravitacionais, e que fala não de três ou
quatro dimensões, mas de onze, apenas para que suas contas façam sentido.
Faz algum tempo que o método experimental, principalmente em
Cosmologia e Mecânica Quântica, foi aos poucos substituído por cálculos no lugar das observações, gerando inclusive
um certo desconforto em físicos sempre acostumados a verificarem suas teorias através
de experimentos no chamado mundo real.
É como se em física também não tivéssemos ultrapassado o limite
das nuvens e nada pudéssemos fazer a não ser olhar para nossos números, já que
nossos olhos não vêem nada ou quase nada diante de nós.
Não que os cálculos falem de algo irreal, não, de forma
alguma. Não fosse o fato de a matemática ser uma linguagem de interpretação do
real confiável, não poderíamos entrar em um shopping center sem mexer nas
portas de vidro que, automaticamente, abrem-se ao perceber a nossa proximidade.
É graças a compreensão do muito pequeno que hoje somos capazes de usar o efeito
fotoelétrico, a verdadeira razão do Nobel de Einstein, e não a Teoria da
Relatividade Restrita ou Geral. Não. Antes de tudo isso, Einstein ganha o Nobel
ao explicar porque a luz, ou um fóton de luz, consegue mobilizar um elétron de
sua posição em uma órbita atômica qualquer, criando uma corrente que se espalha
e desencadeia um fenômeno elétrico. É a isto que se convencionou chamar de Efeito Fotoelétrico.(veja o vídeo ao final do texto)
Luz movendo matéria.
Esta é a natureza dos estudos do muito pequeno, do que
chamamos Física ou Mecânica Quântica, onde as coisas são bem diferentes, para
dizer o mínimo, do que no mundo perceptível. Aliás, o mesmo Bohr dizia que só
não se espanta com a Física Quântica quem não a compreendeu.
Assim como meu avião ultrapassou as nuvens sobre o aeroporto
de Guarulhos, assim também a ciência ultrapassou as nuvens de elétrons em volta
do átomo para descobrir que o átomo não é atômico, ou não divisível, em grego,
mas sim composto de sub partículas, a começar pelos prótons e neutrons, que por
sua vez são compostos pelos quarks e leptons, menores ainda (veja o quadro).
Hoje, 2014, já se fala em realmente transformar energia, no
caso luz, em matéria, como previam os cálculos de Einstein[1].
No endereço http://gizmodo.uol.com.br/luz-materia/ lemos que
"...em um artigo recém -publicado na Revista Nature Photonics, o
professor Steve Rose – junto a seus colegas do Departamento de Física no
Imperial College de Londres – concebeu um processo de dois passos para
transformar a luz em matéria.
No primeiro passo, o experimento utiliza um laser para acelerar elétrons a pouco menos que a velocidade da luz, antes de dispará-los em uma placa de ouro para criar um feixe de fótons. Em seguida, os cientistas iriam disparar um laser de alta potência dentro de um recipiente de ouro, para criar um campo de radiação térmica semelhante à luz produzida por estrelas. Usando o fluxo de fótons criado no primeiro passo, e combinando-o ao campo de radiação térmica do segundo passo, os fótons (luz) iriam colidir uns com os outros e gerar elétrons e pósitrons (matéria)."
No primeiro passo, o experimento utiliza um laser para acelerar elétrons a pouco menos que a velocidade da luz, antes de dispará-los em uma placa de ouro para criar um feixe de fótons. Em seguida, os cientistas iriam disparar um laser de alta potência dentro de um recipiente de ouro, para criar um campo de radiação térmica semelhante à luz produzida por estrelas. Usando o fluxo de fótons criado no primeiro passo, e combinando-o ao campo de radiação térmica do segundo passo, os fótons (luz) iriam colidir uns com os outros e gerar elétrons e pósitrons (matéria)."
Fascinante, como diria Spock.
Nada é impossível, mas sim impossível hoje com nossas limitações
técnicas e de conhecimento.
E assim como ultrapassamos as nuvens atomicas e descobrimos
que o átomo não é a menor parte da matéria e sim o início de um mundo de
subpartículas, assim também, abaixo das nuvens da ignorância repousa toda uma
miríade de coisas a descortinar desde que cheguemos mais e mais perto, e
consigamos detalhes mais nítidos das coisas que, finalmente, poderemos
observar.
Falta-nos, isto sim, tecnologia e instrumentos, e não coisas
a descobrir, assim como um simples microscópio mostrou todo um universo de
seres vivos pequenos o bastante para serem invisíveis mas suficientemente
poderosos para nos jogar na cama com febre e tosse e dores musculares.
O muito pequeno sempre se relacionou com o muito grande. O
que acontece é que agora sabemos como alguns destes relacionamentos ocorrem,
sejam através de infecções bacterianas ou virais, seja abrindo automaticamente,
com a nossa proximidade, uma porta de vidro de uma loja de conveniência.
Mais coisas nos aguardam abaixo destas nuvens que a
matemática vasculha antes de nossos olhos. Coisas que, segundo Bohr nos diz, poderão ser modificadas apenas por serem observadas. Que realidade instável é esta que nos cerca, que Maya tão estranho é este que somos incapazes de contemplar sem modificar?
Aguardo ansiosamente por novas revelações.
[1] A fórmula é atribuída a Albert Einstein, que a publicou em 1905 no
artigo "Ist die Trägheit eines Körpers von seinem Energieinhalt abhängig?
(A inércia de um corpo depende da sua quantidade de energia?)", um dos
seus artigos do Annus Mirabilis.
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