IIa PARTE
CAÍMOS OU MERGULHAMOS?
por Mario Sales, FRC e SI
Inc continua seu
comentário:
"Também tenho
lido SM com frequência e vejo que ele busca dizer que a dor, angústia que sente
o homem de desejo, demonstra que ele não está em seu lugar de origem (teoria da
queda e reintegração), tanto é assim que para obter o Shabat ele tem que conquistá-lo
com o suor de sua face. "
Meu querido amigo Inc
Como descrevo em um ensaio bem pequeno de 3 de março de
2010, "O Mergulho", não sou adepto da Teoria da Queda e da
Reintegração. A palavra Queda me parece, e isto eu descrevo naquele texto, inadequada,
mais do que isso, incorreta para descrever o fenômeno da encarnação ou das
encarnações.
Sim, SM tem razão, o homem não está em seu lugar de origem,
mas acredite, ele não deve mesmo estar lá.
Portos de onde partimos são apenas isto, pontos de partida.
A angústia que sentimos não é saudade, mas a soma das
emoções de nossa atual aventura. Nenhum de nós, em sã consciência, quer voltar.
Não se evolui para trás.
Nossa meta é nosso horizonte. Para lá devemos nos dirigir.
Embora seja Martinista, no sentido de pertencer a TOM,
sinto-me a vontade para discordar de alguns dos pilares do pensamento de Saint
Martin ou de Pasqually, como este da necessidade de um retorno, uma
reintegração a um mundo ideal de onde fomos "exilados". E me sinto a
vontade por estar fundamentado nos termos da carta do Marquês Stanislas de
Guaita, que pelo menos no meu tempo de Heptada era lida para todos os presentes
no início do terceiro grau da Ordem, da qual falarei no 6o ensaio de réplica.
Ali, Guaita instrui diretamente os membros do Martinismo
Moderno sobre a importância da liberdade de pensamento, para fugirem do
dogmatismo e sentirem-se livres dentro da Ordem Martinista como restaurada por
ele, Papus e Chaboseau, para exercerem o seu direito de interpretar o mundo
como seu coração assim comandar.
Dito isso, a minha postura Martinista é ser contrário a esta
idéia de SM ( e de Pasqually, e de outros) de que caímos aqui de forma
involuntária; mais, que fomos lançados aqui, contra a nossa vontade, como
consequência de nossa prevaricação, personificada por Adão.
Aliás, um parênteses: ontem a noite, estudando com meus ex
colegas de Heptada, tive um insight bem curioso sobre a coerência interna do
Mito da Queda.
Porque, segundo o Mito, a queda do homem se deu porque ele
demonstrou ser sensível às tentações do Mal, personificado no conceito de
Lúcifer, disfarçado em uma serpente. Ora, diz-se, a partir daí, que este local,
a Terra, fora do Paraíso, é um lugar aonde existe predomínio das forças da
Matéria e do Mal, consideradas inferiores e degeneradas. O Mal, segundo esta
visão, aqui tem seu lugar de predileção, ao contrário do Céu, aonde convivem
com a Luz de Deus Serafins e Querubins sempre em equilíbrio e em plenitude do
Amor Divino.
O Paraíso de onde fomos expulsos era assim uma espécie de
continuação deste ambiente divino, puro, impecável.
Pergunta: antes do homem e do Paraíso, aonde deu-se a
manifestação do Mal, como personificado no Mito? No Céu, já que é de lá que vem
Lúcifer, o Anjo dito caído, mas antes habitante das mesmas regiões chamadas
puras e divinas.
E como conceber a entrada do Anjo Caído no Paraíso, na forma
de uma serpente? O escudo do mundo Divino mais parece uma peneira que um
escudo.
Portanto, o Mal, como representado, não nasceu na Terra, mas
no Céu, mito-historicamente marcado pela batalha entre as Hostes Celestiais de
Gabriel e os seguidores (veja, seguidores) de Lúcifer, que a partir deste
evento, tem seu título de Anjo modificado para o de Demônio, do Grego
"Daimon", espírito que influencia, como citado nas obras de Sócrates.
É uma maldade passar no fio da espada racional o frágil
tecido do Mito, mas foi divertido mostrar que a confusão começou no andar de
cima e que nós, humildes moradores do andar térreo, nada tivemos a ver com este
"barraco celestial", no Martinismo cognominada Prevaricação ou
Desobediência. Fim do parêntese.
Bom, trata-se de um Mito explicativo.
Meu Mito explicativo é outro.
Para mim, a vida na carne é parte integrante da viagem da
Mônada através das eras. No espírito estamos em uma espécie de limbo, sem dor,
mas também sem prazer, sem contato com o Mal, mas da mesma forma sem contato
com o Bem, um estado sem dualidades, sem contrastes, sem forma ou imagem.
Não há ambições e desejos, tudo está satisfeito na plenitude
do espírito.
Não há Morte, mas, exatamente por isso, não há Vida.
Na Carne, todos essas contradições surgem e se manifestam, e
no encontro dos polos contrários ( "a vida é dual em essência e trina em
manifestação") surge a faísca que gera o terceiro ponto, o homem.
A Carne é nosso Oceano de aventuras, o mar em que navegamos
e aonde enfrentamos monstros e piratas, mas principalmente, aonde enfrentamos
nossos medos, aprimoramos nossa coragem e habilidades de navegação.
Viver é preciso. E navegar na Carne é viver.
É na experiência ilusória da Carne que exercitamos as
paixões, os sentimentos passivos de frater Descartes, descritos na sua última
obra, As Paixões da Alma, publicada em 1649, aonde ele defende que as paixões
(ou os modernos sentimentos) eram eventos passivos, reacionais a um estímulo
externo ao sujeito.
A vida na carne ou encarnação, expõe-nos aos mais diversos
estímulos e nos permite elaborar sobre eles.
Fala-se muito no discurso Martinista e espiritualista em
geral, sempre dualista, que a " a carne milita contra o espírito e o
espírito contra a carne" (Gálatas, 5:17).
Tolice.
Sem a Carne não haveria vida espiritual, permaneceríamos no
limbo sem pecado, mas também sem virtude.
É a Carne e o mundo ilusório de Maya, aonde viemos
voluntariamente praticar uma série de exercícios espirituais, que nos
possibilita este seminário eterno sobre paixões, sobre a covardia e heroísmo, sobre usura e generosidade,
sobre o apego e o desapego.
A Alma precisa
desesperadamente da Carne, para aprender a ser melhor, como a Carne depende da
Alma para experimentar o Sopro da Vida, que permite este aprendizado.
Este é um aspecto importante na minha leitura crítica de SM
e outros que com ele concordam em usar esses modelos interpretativos da
dinâmica por trás da evolução espiritual, interessantes, mas inexatos e arcaicos,
a meu ver.
Isto é o que me parece e encerro aqui meu segundo comentário.
Isto é o que me parece e encerro aqui meu segundo comentário.
Caro Mário,
ResponderExcluirBelíssimo teu texto. Tocaste em determinados pontos que eu não tenho capacidade de ingressar (problema do mal).
Apenas refiro que LCSM e Martinez de Pasqually, nos dizeres do próprio Guaita cfe umbral do Mistério pg 63, não sustentam que a queda foi má. A queda decorreu de um ato voluntário -errado em sua essência - segundo os três - mas não involuntário. Como disse no preambulo, eu não tenho condições de avaliar o acerto ou erro da atitude.
Por outro lado a volta jamais será um retrocesso, mas um retorno com uma preciosa bagagem.
Em sentido mítico-poético é a volta do filho pródigo, que retorna ainda mais amado pela jornada que lhe tornou consciente de seu privilégio (no discurso iniciático Guaita também lembra a necessidade da reintegração).
Refiro por fim que o próprio Cristianismo admite 'benefício' na queda em determinadas passagens. Nesse sentido vide Santo Agostinho - O felix culpa quae talem et tantum meruit habere redemptorem -.
Não tenho outras considerações para fazer a não ser elogiar novamente tuas inspirações. TFA.