Va PARTE
DIFERENTES TIPOS DE ASCESE
por Mario Sales, FRC e SI
Continua Inc seus
comentários:
"Mário, seguindo
no raciocínio, e pedindo licença para escrever-te novamente, gostaria de
colocar duas passagens que provocam a discussão no sentido de que a questão não
se trata da negação da carne porque ela seria 'má', mas, na verdade,
constitui-se da busca por algo melhor constituindo-se do que se veio a chamar
de ascese positiva.
- A ascese positiva não luta contra a carne, mas contra o germe do mal na alma, tendo em vista a união com Deus. Por exemplo: ..se alguém passa a noite em oração e sem sono não o faz para privar o corpo do repouso, mas para se unir a Deus pela oração. São Martinho deu seu manto a um pobre não para que sua própria carne sofresse com o frio, mas porque queria acabar com o sofrimento do seu próximo. Santo Antão não foi ao deserto para lá fazer sua carne sofrer, mas para estar sozinho na presença de Deus. O monge renuncia ao matrimonio não porque tenha ódio à mulher e às crianças, mas porque está abrasado de amor de Deus.
No mesmo sentido, o sábio que se fecha no seu escritório a fim de se dedicar aos seus estudos é movido a isso pelo amor à verdade e não porque odeie o sol...
A ascese positiva é a troca do bom pelo melhor."
- A ascese positiva não luta contra a carne, mas contra o germe do mal na alma, tendo em vista a união com Deus. Por exemplo: ..se alguém passa a noite em oração e sem sono não o faz para privar o corpo do repouso, mas para se unir a Deus pela oração. São Martinho deu seu manto a um pobre não para que sua própria carne sofresse com o frio, mas porque queria acabar com o sofrimento do seu próximo. Santo Antão não foi ao deserto para lá fazer sua carne sofrer, mas para estar sozinho na presença de Deus. O monge renuncia ao matrimonio não porque tenha ódio à mulher e às crianças, mas porque está abrasado de amor de Deus.
No mesmo sentido, o sábio que se fecha no seu escritório a fim de se dedicar aos seus estudos é movido a isso pelo amor à verdade e não porque odeie o sol...
A ascese positiva é a troca do bom pelo melhor."
Querido amigo Inc:
Antes de qualquer coisa, jamais me peça licença para me escrever.
Seus comentários como o de qualquer leitor deste blog são sempre bem vindos,
mesmo os mais agressivos. Só sabemos que tocamos alguém se houver alguma reação
e comentários são reações. É a Vida devolvendo meu investimento emocional e intelectual.
Agora, quanto ao seu comentário: em um blog católico
consegui estas definições de Ascese:
"Ascese é um
termo grego (áskesis) que significa exercício. Especialmente o treinamento do
atleta para competir nas Olimpíadas ou do soldado convocado para a guerra. Ora,
os cristãos adotaram essa palavra para designar os exercícios ou práticas de
autodomínio a fim de estarem “em forma” nas horas de combate contra as
provações que nos atacam cotidianamente. Essa ascese pode ser ativa
(subdividida em negativa e positiva) ou passiva, conforme veremos .... É ativa
quando o cristão faz seu exercício por vontade própria, movido pela graça de
Deus. Será positiva sempre que o fiel se dedicar a um trabalho complexo como
visitar doentes incuráveis ou portadores de moléstias contagiosas, atender a
menores infratores, visitar presídios etc. Será negativa sempre que a pessoa
ascética deixa de fazer algo que muito lhe agrada tal como seria para alguns
tomar um delicioso sorvete, assistir a um filme, fazer uma viagem etc. É
passiva quando a pessoa não procura a penitência ou a cruz, mas esta vem até
ela pelas circunstâncias diversas da vida e é aceita com resignação, sem, no
entanto, deixar, se for o caso, de buscar os meios legítimos para se livrar do
revés (doença, questões judiciais, perseguições no emprego etc.)."
Sim, pelo visto a ascese ativa positiva, (não a negativa nem
a passiva) são atitudes agradáveis ao espírito, não se tratando, do ponto de
vista espiritual, de pequenos sacrifícios, mas sim de pequenos prazeres. Fazer
o bem de modo sistemático é agradável para pessoas de bem.
Entendo muito bem desses prazeres psicofísicos, já que sou um
místico. Todo místico espontaneamente, pratica ascese ativa e positiva e se
sente bem com isso. Já a ascese negativa me é estranha e nem me parece útil ao
crescimento. Entendo a disciplina com uma finalidade definida; sacrifícios
pessoais, mesmo que pequenos, como meio de alcançar a beatitude me parecem
equívocos.
Vou lhe falar da minha própria visão de ascese, de um tipo
de exercício em busca do divino; falarei, não de sacrifícios, mas de alguns
prazeres psicofísicos que, para mim, me levam para Deus.
Aprecio o silêncio, em qualquer lugar, desde que espontâneo,
e os pássaros que cantam na minha janela, de manhã, enquanto calço minhas meias.
Aqui talvez eu me afaste da classificação de praticar uma
Ascese Ativa Positiva no sentido católico, mas é um exercício mental importante
no Hinduísmo, na busca da serenidade: a contemplação da criação, seu desfrute,
o deleite genuíno com a Obra de Deus.
Uma vez por ano me retiro para a Morada do Silêncio, e com
mais alguns fratres e sorores me dedico a quatro dias de estudos e
aprofundamento dos valores rosacrucianos.
É um momento de paz dentro da minha rotina, mas não que fora
da Morada minha vida seja menos serena. Sempre que saio da Morada trago-a
dentro de mim para casa. Isso me faz muito bem.
Aliás, uma das coisas que me fascina na Morada é a natureza
em volta, a inocência dos animais, a beleza das árvores, a inspiração que todo
este ambiente me causa.
Concordo que a oração, como síntese de todas as Técnicas
Teúrgicas, usada como estratégia de conexão, é válida. A oração continuada muda
nosso estado de consciência, como o mantra; mas a meditação, do ponto de vista
oriental, também o faz, de modo muito mais repousante.
Lahiri Mahasaya, paramguru de Parmahansa Yogananda, um iluminado feliz
Veja, são tradições diferentes, abordagens diversas.
É possível buscar a Santidade sem angústia, como eu disse,
até mesmo sem celibato. Lahiri Mahasaya, Mestre e Iluminado, com esposa e filhos e funcionário das ferrovias inglesas na Índia no início do século passado ensinava isso com seu exemplo.
Lewis sempre citava em um livro chamado "O Místico
Moderno" que a era das cavernas havia terminado, que deveríamos nos
misturar as multidões, estarmos na sociedade e na vida cotidiana, buscando no
chamado mundo profano seu aspecto mais sagrado: a vida.
Eu também me sinto abrasado por Deus, por isso sou rosacruz
há quarenta anos. A Ordem Rosacruz me deu a chance de extravasar este lado da
minha personalidade sem angústia, sem o isolamento dos monastérios, mas pela
sabedoria e pelo estudo.
Agora, vejo grande diferença entre o êxtase genuinamente místico e
o êxtase religioso.
No primeiro, é possível desfrutar desse estado em um ponto
de ônibus, esperando com outras pessoas um transporte coletivo.
No segundo, existe a necessidade de entrar na caverna como
Elias (1 Reis, 19:9-13), esperando que Deus se manifeste. Pelo que lemos neste
texto sagrado, Deus está fora da caverna.
No misticismo contemporâneo, precisamos, ou eu preciso, pelo
menos ver Deus em todas as coisas, engarrafamentos, filas, na padaria, nos
shoppings.
Escolas místicas são assim.
Elas buscam desenvolver o divino em nós pelo entendimento e
pela sabedoria dentro de um contexto urbano e contemporâneo, não pelo
sacrifício, principalmente aquele entendido como uma ascese ativa negativa.
O sacrifício é, como eu citei, uma tradição religiosa, não
místico-esotérica.
Místicos religiosos são, na maioria, mais religiosos que
místicos.
Poucos transcenderam suas próprias origens religiosas como
São Francisco.
Ninguém decide seguir o caminho místico. Os verdadeiros
místicos não o são porque pertencem a uma confissão religiosa qualquer, mas porque
foram convocados a sê-lo pelo Altíssimo entre as várias linhas de pensamento, à
sua revelia. Não existe outra opção.
Uma vez nesse caminho, no coração do místico não pode
existir separação entre o Sagrado e o
Profano.
Diz-se que esta foi a lição mais importante do Cristo. Ele
rasgou a cortina do Tabernáculo, ("E porás o altar de ouro para o incenso
diante da arca do testemunho; então pendurarás a cortina da porta do
tabernáculo" - Êxodo 40:5.) aquela que separava a Arca da Aliança do resto
da tenda.
O Sagrado era o separado. Cristo acabou com esta distinção.
Tudo para mim, e acredito que para voce também, é Sagrado:
meu café, meu pão com manteiga, as teclas de meu computador, meu cereal.
Não preciso de templos nem de jejuns. Estar vivo é minha
oração. E pelo genuíno interesse que vejo em voce pelas coisas do espírito,
penso que o mesmo acontece contigo. Não que ascese positiva não seja boa no
sentido de exercício espiritual e de caridade.
Mas para que jogar água em nosso rosto se estamos
mergulhados no Oceano?
Voce, meu caro Inc, dá os sinais de que já foi tocado pela
labareda de Pentecostes, e agora não tem como recuar.
Voce, como eu, é um místico, não porque usa roupas
estranhas, ou porque tem um comportamento afetado. Não. Seu misticismo está no
fundo de seu peito, nesta curiosidade e interesse pelas coisas de Deus que voce
demonstra com suas colocações.
Nós místicos, não o somos porque queremos.
Já nascemos assim.
Nossa vida é um exercício de devoção e busca de comunhão, e
como rosacruzes, fazemos isto sem alarde.
O Filósofo desconhecido conhecia esse aspecto da vida
mística. Ele dizia que "queria fazer o bem, mas sem alarde, pois aprendi
que o alarde não faz bem, assim como o bem não faz alarde."
Fato. Todo o trabalho de alquimia interna é silencioso.
Nosso laboratório não exala vapores ou odores, não usamos mais mantos de
veludo. Ninguém é capaz de acompanhar nossa evolução ou nosso progresso.
É romantismo pensar que quando atingirmos a Iluminação,
alguma música de fundo tocará. Nada acontece.
Tudo continua como antes, como no caso do Mestre Zen da
Parábola, mas nós mudamos.
O fogo do amor pelo Divino, em nós, queima como uma lareira
que nos aquece,mas sem incendiar a casa.
Alimentamos o fogo pouco a pouco, com regularidade, com
ritmo, com tamanha naturalidade que não nos damos conta do quanto nos dedicamos
a isto. Torna-se um hábito, um movimento rotineiro do dia a dia, não nos
sentimos especiais por isso. E qual lenha usamos? Leituras inspiradas, gestos
de cortesia, pequenas bondades, dignidade mínima no trato com nossos
semelhantes.
Os que nos conhecem apenas comentarão que somos "gente
boa" e que gostam de nós, mas não suspeitarão nem de longe dos nossos
profundos compromissos espirituais.
Almas realmente evoluídas não gostam de chamar a atenção,
não sabem como chamar a atenção.
Após a iluminação, continuam se levantando a mesma hora para
trabalhar, dirigem ou pedalam até seus empregos e cumprem sua jornada de
trabalho sem esforço ou sofrimento. A vida lhes parece mais leve e o dias se
sucedem calmos e serenos.
Lembro-me que quando saía do posto de saúde em que trabalho
em um bairro muito pobre, da periferia da minha cidade, dava carona até o
centro para a faxineira do posto. Éramos bons amigos, e eu sempre esperava por
ela para irmos juntos. Me chamava a atenção como ela lidava com seu dia, as
expressões que tinha o hábito de dizer.
Ao entrar no carro sempre comentava "Vencemos mais um
dia", ou "Vencemos mais uma batalha" e quando perguntei de que
guerra ela falava, vi a sua perplexidade.
A ansiedade tomava conta de seu ser de tal forma que
trabalhar era um esforço e um desgaste, uma "batalha" como ela dizia.
Seus dias eram obstáculos a serem transpostos e não momentos de deleite.
Isso nada tinha a ver com seu tipo de trabalho, mas com a
forma como o encarava.
Tenho colegas médicos que também tem este mesmo tipo de
comportamento ansioso. Um deles me preocupa sobremaneira. É visível que lhe
falta serenidade embora seja uma pessoa aparentemente alegre.
E serenidade é tudo, sempre.
Embora seja um frater rosacruz, este amigo e colega tem tido
um desempenho dentro da Ordem intermitente. Ora está ativo, ora não está.
Gosta das coisas que a Ordem propaga, mas não mergulha de
cabeça no trabalho rosacruciano. É um buscador espiritual, mas não tem foco.
A serenidade dá esse foco, permite este foco. E como não é
uma pessoa serena, não pode seguir qualquer caminho espiritual com
tranquilidade, por muitos anos.
Porque para uma pessoa que não é serena esses muitos anos
existem, enquanto que para pessoa serena, no entanto, eles escorrem pelas mãos,
como água. O tempo desaparece, o espaço desaparece, e mesmo a memória fica um
pouco confusa entre coisas que só pensamos e aquilo que vivenciamos.
Esta confusão entre o "mental" e o
"material" denuncia que a ilusão da separação está desaparecendo,
dado o grau de espiritualização que conseguimos alcançar.
É um passo importante no caminho da iluminação que deve ser
nosso objetivo enquanto estudantes rosacruzes, sejamos ou não Martinistas.
O Martinismo como ambiente de espiritualização e ênfase no
poder teúrgico da Oração, a meu ver a única teurgia que interessa ao místico
moderno, não deve ser desprezado ou subestimado.
O que não podemos é, em função de nosso inequívoco respeito
pelos homens que colaboraram para a construção, século após século desta
tradição, este amálgama de tantas tendências heterogêneas, e que hoje desemboca
em ambiente rosacruciano, deixar de olhar o Martinismo do século XVIII pela
lente do Rosacrucianismo no século XXI.
Tenho receio, muito receio, pelo que já assisti em templo,
que a reverência se transforme em recuo qualitativo no foco rosacruz de ver o
mundo. A Rosacruz não tem profetas, não adora indivíduos, não dá destaque a
este ou aquele líder espiritual da humanidade em detrimentos de outros. O
Martinismo, como concebido hoje, o faz. E isto é no mínimo incômodo. Como
também é incômodo a semelhança deste culto cristão com aspectos da doutrina
católica misturada com o magismo martinezista, em ambiente eminentemente
maçônico em forma.
Não é correto supor que a importância que o Martinismo
recebe hoje, um projeto esotérico eminentemente francês, tem a ver com o fato
de o Imperator ser também francês, já que Spencer Lewis foi o responsável,
seguido de seu filho Ralph, pela absorção desta tradição no seio da Ordem
Rosacruz, mas com certeza, considerando a origem francesa do Martinismo, a
tradição de esoteristas franceses envolvida, é fácil imaginar que o Imperator
tenha grande simpatia e identificação com a linha de pensamento martinista.
Só tenho minhas reservas quanto a tentar encaixar pessoas
diferentes em um mesmo viés, não levando em consideração suas tendências
pessoais.
A visão do misticismo que eu tenho nada tem a ver com Santo
Antão, mas com o êxtase permanente de Francisco de Assis.
Um outro aspecto é que a ascese como exercício para a
santidade e preparação para a iluminação tem sua utilidade para os que acham
que existe um percurso a percorrer até Deus, no tempo e no espaço.
Iniciados sabem que tempo e espaço não existem, e que Deus
já está em nós, e que manifestá-lo não é algo que dependa de atos, mas sim da
ausência de Ego ou de convicções intelectuais acerca do que Deus é ou deixa de
ser.
A iluminação não é o fim do caminho, mas o início; nela
percebemos a presença do Incognoscível, fenômeno perceptível, mas indescritível
em palavras.
Quando tocados pelo Altíssimo, tudo que precisamos fazer é
nos abandonarmos a sua Força, como se deitássemos em uma canoa e deixássemos, confiantes,
que a correnteza nos levasse em frente, sem que usássemos remos.
Não é preciso Fé, mas ausência de medo; é preciso confiança
nos desígnios da corrente, confiança de que a corrente quer o nosso bem e que
nos carregará para um lugar melhor e mais belo do que aquele em que estamos.
Podemos acompanhar a viagem enquanto nos deslocamos, mas
iluminados já não tem muito o que decidir pela entrega total e incondicional à
Vontade da Providência Divina.
Tudo isso, no entanto, voce já sabe.
Estou apenas me divertindo
e organizando meus pensamentos nestes textos que seu estímulo me levou a
produzir.
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