IIIa PARTE
ANGÚSTIA E EVOLUÇÃO
por Mario Sales, FRC e SI
Continua Inc:
"O homem precisa
desenvolver-se, coisa que para o animal, por exemplo, não é necessário, pois o
animal nasce praticamente pronto, digamos assim. A potencialidade do homem por
outro lado, é quase infinita, enquanto para o animal é muito limitada."
Se considerarmos a condição animal estática eu concordaria
com voce, mas minha posição é a de que o Universo não tolera nem o Vazio, nem o
Estático, portanto, fecho com linhas de pensamento que crêem em uma evolução da
Mônada através de todos os planos, mineral, vegetal, animal, humano e angélico,
como no pensamento teosófico de Blavatsky, que ando relendo.
Não vejo os animais como estáveis ou uniformes; existem
animais e animais, alguns com um comportamento visivelmente superior aos seus
iguais. Isso pressupõe alguma diferença evolucional o que inspira a idéia de
que também eles, animais, evoluem.
"A
angústia", continua Inc "não se desenvolve no homem porque ele não
bebe bons vinhos ou porque não aproveita uma boa dança, ou porque é
desenquadrado da sociedade, mas porque vê maldade em si mesmo e em seus irmãos.
Veja que o próprio Cristo diz que não somos deste mundo mas estamos nele (João
15, 18-21). Eu não precisaria citar aqui exemplos de maldade que vemos no dia a
dia."
Esse trecho não me pareceu claro pela citação de João, já
que o fato de não sermos deste mundo evidencia, a meu ver, a preponderância da
Personalidade Alma sobre o Corpo, o que significa e lembra, metaforicamente,
que existe mais importância no "Corpo" do que no "Macacão"
que o veste. Portanto, ao lembrar nossa verdadeira natureza e origem, isto
seria uma forma de evidenciar o bem que existe em nós e não nossa maldade.
De qualquer maneira, ver maldade nos seres humanos é o mesmo
que ler as pessoas pela sua aparência, seus sinais mais frágeis e sem
importância, manchas sobe seu/nosso "macacão". Brancas ou negras,
essas manchas não atingem nossos "corpos" por baixo do
"macacão". Embaixo do "macacão", tudo está bem, o
"corpo" está limpo e sadio.
O "macacão" pode ser manchado. Mas a
alma-"corpo" dentro dele, dentro do "macacão", não.
O fato de estarmos no macacão prejudica nossa clareza
mental. Aliás, vamos mudar aqui a metáfora de "macacão" para
"escafandro", que eu prefiro.
Dentro do "escafandro", portanto, somos muito mais
limitados, pois na verdade a vida na Carne reduz nossa percepção mais sutil, o
que torna nossas opções e clareza de escolhas muito mais difíceis.
Caminhamos lentamente, a gravidade nos gruda à Terra, e não podemos
voar por meios próprios; ouvimos menos que um cachorro, vemos menos que uma
águia, e um simples e invisível vírus pode nos matar.
Essa limitação deve ser levada em conta quando falamos da
maldade humana, que na verdade é o nome do comportamento possível de uma Mônada
confusa dentro de um sem número de limitações.
Penso como o Buda e como os rosacruzes, que dentro de todos
nós existe toda Plenitude da Luz e da Glória do Divino, bem como toda a Sua
perfeição. Que mesmo o menor entre nós, o mais bárbaro e sanguinário membro da
espécie humana, age sob o impulso de um erro de percepção, oriundo da falta de
conexão com este Deus Interior.
O que chamamos Mal (e eu concordo, vemos muita
"maldade" todos os dias) é a manifestação de equívocos
interpretativos e dizem respeito a uma administração imperfeita da vida na
matéria, pela personalidade alma envolvida.
Energias pouco elaboradas, pouco evoluídas, como costumamos
dizer, tendem a cometer neste mundo de ilusões e fantasias, barbaridades, mas
do ponto de vista místico, e esta é uma afirmação consciente e lúcida, fico com
Richard Bach, o autor de "Ilusões" quando diz que ninguém morre,
ninguém mata, e o sangue é mero molho de tomate. O Amor e o Apego decorrente
que temos pelos que amamos é que nos leva ao sofrimento. E toda a nossa revolta
e tristeza e dor advém da crença de que não somos espíritos na Carne, mas Carne
apenas; que não somos pessoas dentro de "macacões", mas "macacões",
apenas.
E quando estes se tornam imprestáveis, ou quando se reasgam,
ou mancham, supomos, em nossa limitação de compreensão em Maya, que a
personalidade alma ali dentro foi lesada também, quando na verdade quem estraga
é a roupa, não a pessoa.
Para ficar claro, quem tem filhos e os ama, e eu as tenho,
para quem tem uma companheira sem a qual não há muito sentido na existência, (e
é o meu caso), estas afirmações são muito difíceis, pois o Amor, já disse,
implica apego, e ao perder-se o contato, físico ou intelectual, com alguém que
amamos, pela chamada morte ou pela loucura, o sofrimento que experimentamos é
gigantesco, e acredito que não estou fora disso, como ser humano comum que sou.
Mas se eu quiser ser coerente com o pensamento místico, não
poderei chorar no enterro de pessoas queridas, não lamentarei a sua transição,
não amaldiçoarei o dia em que essas coisas acontecerem, pois são cursos normais
da existência como a conhecemos neste mundo de dualidades, de aparente Vida e
de aparente Morte.
O ser humano comum em mim, mergulhado nesta cultura e nessas
crenças que ouvimos desde crianças, este no entanto chorará, e lamentará e
sofrerá com essas coisas, tanto quanto qualquer não iniciado, e é destas
contradições que é feita a natureza da vida na Carne.
Indignarmos-nos com o que chamamos Mal, ou sofrer com os
desígnios do cotidiano contrários ao nosso apego, são movimentos normais e
aceitáveis, mesmo que, como iniciados, saibamos que estas coisas são apenas
crenças, modos de ver o mundo.
Não há morte para o Iniciado, apenas Transição.
Esta é a nossa crença como rosacruzes. Essa era a crença de
SM ("Não conheço dois tipos de vida, mas apenas uma Vida").
Mas aqui na Carne, lutamos e lidamos com forças culturais
muito poderosas e estudar Misticismo é desaprender e descondicionarmos-nos de
tudo que aprendemos a entender como real, todos os dias.
Nossa visão do Mundo em parte como Bom e em parte como Mal é
uma dessas coisas que, ao Místico Iniciado, não é permitido.
Toda a Criação é Obra de Deus.
Portanto ver, no seio de Deus, espaço para o Mal, advém mais
de uma limitação de nossa percepção do que do fato de ser assim, realmente.
Deus não é o Bem, o Belo, o Justo, nem é o Mal, o Feio e o
Injusto.
Deus é Deus.
Falta-nos portanto iluminação e serenidade para olhar a criação
com desassombro e não como algo hostil à nós, mesmo testemunhando como
testemunhamos em Maya, a Ilusão, tantos eventos tristes e desalentadores, em
nossa concepção.
Repito, isto nada tem a ver com o mundo, mas com o
Observador e com a mente do Observador, que somos nós.
Mude a Mente, e a Paisagem também se transformará.
Tudo continuará do jeito que é, mas ao mesmo tempo estará
completamente diferente.
Vou reproduzir uma parábola Zen que está no livro de Osho,
"A Jornada do Ser Humano: É possível encontrar a felicidade real na vida
cotidiana?", da série "Questões Essenciais", Ed. Academia,
página 8.
Diz a parábola:
"Perguntaram a um monge Zen: "O que voce costumava
fazer antes de se tornar um iluminado?"
E ele respondeu:" Eu costumava cortar madeira e
carregar água do poço."
E então lhe perguntaram:" E o que voce faz agora que se
tornou um iluminado?"
E ele respondeu:" Eu corto madeira e carrego água do
poço."
O questionador ficou confuso e disse:" Então parece não
haver diferença."
O mestre disse:" A diferença está em mim. A diferença
não está em meus atos, a diferença está em mim - mas porque eu mudei, todos os
meus atos mudaram. Sua importância mudou: a prosa se tornou poesia, as pedras
se tornaram sermões e a matéria desapareceu completamente. Agora há apenas Deus
e nada mais. Para mim a vida agora é uma libertação, é o Nirvana."
Veja que interessante.
Eu me identifico muito com esta perspectiva.
Agora imagine um monge Zen lendo SM.
É mais ou menos o que acontece comigo. Eu acredito que a
mente é senhora do real ou da concepção de realidade das coisas.
SM faz suas elaborações a partir do pressuposto de que tudo
que ocorre neste mundo é absolutamente real, e que a mente de cada um não vê as
coisas de um modo próprio, mas que todas as pessoas experimentam a realidade da
mesma forma.
No século XVIII, não havia nenhum conceito de perspectiva
mental, ninguém cogitava alguma importância à mente, mas o Corpo era o objeto
de atenção de todos os religiosos e pensadores místicos, e na maioria das
vezes, vendo no corpo e no mundo material um problema e não uma solução, um
obstáculo ao crescimento espiritual e não um instrumento para este mesmo
crescimento, como vemos, ou pelo menos como eu vejo, agora.
Se lá atrás, eu citei que a base do pensamento de SM é a
noção, em primeiro lugar, de uma relação com Deus através do temor e do tremor,
às vezes do Terror, e que , para ele, SM, em segundo lugar, o mundo do Céu e o
da Terra são absolutamente diferentes, em terceiro lugar ele, como todos os
pensadores ocidentais, acredita que o Mal existe de per si e não porque a Mente
vê o Mal no mundo.
Para os pensadores de base católico judaica, o Mal vem de
fora e não de dentro.
Para o Zen, ao contrário, tudo, bem e mal, beleza e feiura,
e aliás, o Paraíso e o próprio Inferno, estão dentro de nós.
Só que isto não está claro para nós por causa da mente
impossibilitada de enxergar com serenidade. É como a doença dos olhos conhecida
como "Catarata".
Ela causa cegueira, mas é uma cegueira reversível.
Retire-se o cristalino opacificado e substitua-o por uma
lente limpa e transparente e o mundo a nossa frente ressurge, belo e colorido.
O mundo não estava turvo, nem havia deixado de existir: nós
é que não conseguíamos vê-lo.
Nossa mente perturbada pela ignorância provocada pelo seu
mergulho na carne, precisa ser restaurada ao grau de transparência para que a
luz entre e saia de forma livre e desimpedida.
E para isso, precisamos da meditação, constante e regular,
de forma a serenar a Mente, Chitta, e colocá-la em condições de ver sem as
distorções das opacidades da falta de paz interior, a tal da paz profunda que
todos os rosacruzes desejam uns aos outros quando se encontram.
Só neste estado de serena e profunda paz, começamos a ver as
coisas da forma certa. E as imagens tornar-se-ão muito mais agradáveis e em
nada ameaçadoras.
Estaremos finalmente pacificados e sem temor, e seguraremos
em nossas mãos o cálice sagrado do Cristo, o "Hole Graal" que todos
buscamos.
Voce lembrou bem, em SM, existe uma ênfase muito grande na
importância da Angústia, não na Paz Profunda. É uma questão de foco, de dar
atenção a Luz ou às Trevas.
Eu foco na Luz, já que o Sol sempre gera sombra, mas a
sombra não é o problema, ela pode até servir para descansarmos da inclemência
do calor do Sol. A sombra é uma vicissitude, uma decorrência da Luz, não um
problema a ser resolvido, mas um efeito inevitável em um mundo dual.
Vamos tentar olhar com serenidade para esta dualidade. Não
devemos sofrer com ela porém compreendê-la, e evitar a angústia por causa disso
com a Paz Profunda dos rosacruzes, ou com o estado de indiferença santa, do
Zen.
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