por Mario Sales
Talvez o mais importante ensinamento da técnica de
meditação, seja em que escola seja discutida, é que o meditador deve
abandonar-se na experiência de mergulhar no presente.
No Samyama Yoga, a sequencia de quatro passos finais do
Ashtanga Sadhana (caminho das oito partes) de Patânjali, dedicada aos aspectos
mais mentais da prática, a concentração antecede a meditação.
É preciso, nesta sequência, distrair-se dos acontecimentos
periféricos (prathyahara), mergulhar em estado de perfeita concentração
(Dharana) para só depois entrar em estado meditativo (Dhyana).
Eu fixo um ponto ( o centro de um mandala, a chama de uma
vela, ou um som monótono, repetitivo, chamado mantra) para que pouco a pouco possa
ir penetrando no fluxo de vida, no fluxo de consciência, como um punhal que
quanto mais afiado, mais pontiagudo, mais fácilmente penetra uma superfície
qualquer.
Nossa mente (chitta) vive em desorganização e dispersão
constante, seja pelos muitos apelos da vida na carne, seja pela ausência de uma
educação psicológica nos moldes da escola Sankhya ou da escola doYoga, duas das
mais importantes escolas de filosofia da Índia na chamada Era Dourada,
possivelmente cinco mil anos atrás.
O exercício meditativo visa a desfazer esse turbilhão
(Vritti) mental, e melhorar nossa percepção do aqui e do agora que, pasmem, não
é estático. Quanto mais mergulhamos no aqui-agora, mas o percebemos como um rio
rápido, um fluxo ininterrupto de idéias e inspiração, proveniente diretamente
da Fonte de Todas as Fontes.
Este contato, como costumo dizer, é a prova indiscutível da
existência e da presença de Deus em nós. As discussões sobre provas da
existência do Altíssimo são estéreis enquanto se concentram na busca destas
mesmas provas fora de nós mesmos. Se alguma pessoa realmente cética, destituída
de qualquer tipo de sensibilidade
mística, quiser por a prova seu próprio ceticismo, deve, de maneira
decidida, meditar.
A meditação nos põe em contato com planos mais profundos de
nossa própria mente, nos revela uma nova percepção da realidade que com a mente
em turbilhão não é possível enxergar, da mesma forma que uma lente suja e
engordurada não nos permite contemplar o mundo a nossa volta. Precisamos limpar
as lentes de nossos óculos mentais para contemplar adequadamente a realidade de
maneira mais profunda e revigorante.
Mas eu perdi o fio da meada. O que me atraiu para esta
reflexão é o que acontece ao contemplar-se face a face o aqui-agora, o, digamos
assim, presente contínuo, que em nosso vernáculo é conhecido por gerúndio.
O presente real está sempre no gerúndio.
Duas coisas são impossíveis na criação: silêncio total e
imobilidade. Tudo na existência tem som e movimento, mesmo que seja o som às
vêzes inaudível do OM universal, que dizem, alguns ouvem quando atingem o
estado de consciência mais profundo da meditação.
Focar no presente em fluxo, gerundial, esta é a lição de
quem medita.
Em estado de Consciência Desperta, não existe passado nem
futuro, só o fluxo presencial.
Presente, presença. Duas palavras que se fundem e tem origem
etimológica semelhante.
A presença é, pois, fluxo.
Quem está no fluxo não olha para trás, não olha o passado
nem mesmo como referência.
Esta é uma estranha lição no Ocidente, acostumado a pensar a
História como uma orientação para nossas condutas, para evitar que erros
pessoais e sociais se repitam.
E o que vemos? Nas palavras de Karl Marx, no "18 do
Brumário", um texto pequeno mas revelador, "a história como que se
repete sempre duas vêzes: a primeira como tragédia e a segunda como
farsa".
Brilhante percepção. Temos o hábito, nós, aqui no Ocidente,
de virar nossa cabeça para trás, como a esposa de Ló em Gênesis 19: 26. E ao
fazermos isso, nos fascinamos com o que não mais existe, com o que passou, com
aquilo que, portanto, é apenas uma lembrança. Vivemos destas lembranças, destas
vagas lembranças, e acrescentamos sobre estas lembranças nossa imaginação,
nossos desejos, nossos ideais de perfeição, montando ao final desta construção
mental uma imagem híbrida, quimérica, que às vezes não conseguimos separar mais
da realidade histórica aonde ela se fundamentou.
Este fenômeno psicológico tão hodierno quanto antigo e comum
acontece frequentemente nas escolas de mistério, seja entre rosacruzes da AMORC,
maçons ou martinistas.
Somos guardiões de uma tradição, mas, às vezes, guardamos
não a essência da Tradição, mas sua forma.
Lembramos com respeito e saudade de outras épocas, de outras
Ordens, e nos comportamos como a mulher de Ló, paralisados de fascínio pelo que
já não existe mais e que acabou de ser destruído, como Sodoma o foi pelos raios
dos Anjos do Senhor.
Não temos facilidade de focar no presente porque falta o
treino meditativo, o hábito com os três passos do Samyama Yoga.
Se rosacruzes de AMORC, maçons e martinistas olhassem em
estado meditativo para si mesmos veriam apenas o fluxo, o Presente Eterno, o
Aqui-Agora, aonde a forma não tem nenhuma importância e aonde só a essência
prevalece.
Esta essência é a Tradição que precisa ser preservada e que
é nossa função preservar. É a Tradição que está dentro de nós, que sempre
esteve e sempre estará dentro de nós, a mesma sabedoria que esteve em outros
Esoteristas e Místicos e líderes mundiais em todas as épocas.
Um precioso tesouro oculto, o Verdadeiro Cálice de Cristo,
aonde está depositado o Vinho da Vida, do qual se bebermos, jamais sentiremos
sede outra vez.
É dentro de nós e não fora de nós, que estão os alicerces de
nossas Ordens, o fundamento de nosso trabalho como místicos e esoteristas.
É dentro de nós e não fora de nós que estão as chaves para a
compreensão dos textos os mais esotéricos, os quais não tem segredos para
aqueles que olham com os olhos e as lentes mentais limpas do entulho do passado
e da lembrança que nos obscurece a visão.
A mais alta iniciação é a Transição, que é o nome que os
rosacruzes dão ao que os ocidentais chamam de Morte; no entanto, abaixo dela
existe outra iniciação também de grande importância para o buscador, que
implica no desenvolvimento desta visão interior, desta sensibilidade que só se
manifesta quando nos libertamos da visão linear, sequencial, e passamos a ver o
mundo com uma perspectiva esférica.
Só o tempo linear permite a farsa Histórica que Marx citava
no seu brilhante arrazoado. O tempo místico é o tempo grego, o tempo eônico,
circular, que não tem princípio nem fim, o tempo místico, mítico, não histórico.
Precisamos nos livrar do passado para finalmente vivenciarmos o estado de Iniciados.
O Iniciado não pode ter a mesma compreensão do homem não iniciado.
Pior que não ser iniciado é ser um iniciado histórico, que
revisita o passado constantemente como uma viúva que revê com tristeza as fotos
de seu falecido esposo.
O passado não está apenas morto, ele é a verdadeira Morte.
Ele é o Não-existente que nos assombra e nos impede de viver o nosso presente
real.
Com isso quererei eu que reneguemos nossos antepassados,
nossos companheiros de outras épocas, nossos irmãos que construíram, enfim, a
estrutura sobre a qual nos apoiamos? Não. Desejo apenas estimular uma mudança
de viés, uma alteração do modo de administrar estas lembranças. Há dois tipos
de passado, seja para homens ou para instituições: o primeiro, aquele que
fundamenta (fundação- yesod, a sephira na base do pilar do meio da árvore da
vida), que nos dá a sustentação para nossos trabalhos, como em ciência, quando
lemos trabalhos antigos para ver até onde os que vieram antes de nós chegaram e
a partir de onde devemos recomeçar a busca pela descoberta, produto deste
diálogo com os que nos antecederam; o segundo, é o passado âncora, que nos
imobiliza, que impede nosso navio de vagar mar a dentro, na busca de novos
povos, novos oceanos.
O mesmo passado pode ser âncora ou fundação. Tudo depende de
quem o consulta. Quem se baseia nele, fundamenta-se; quem ancora nele, tenta
reproduzi-lo, reeditá-lo.
Rosacruzes, Maçons e Martinistas devem prestar tributos a
todos os seus irmãos de todas as épocas pelo seus feitos por uma questão de
justiça, mas jamais devem se esquecer que nossas Ordens devem ser o produto
daquilo que fazemos hoje, no Aqui-Agora, percepção que nos livra do risco de em
nossos dias sermos, não Ordens Esotéricas Reais e Contundentes na sociedade,
mas apenas tentativas de repetições do que passou, tristes imitações sem vida,
ou nas palavras de Marx, apenas farsas históricas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário