Há pouco acabei de rever "A Cela" um filme dirigido
por Tarsem Singh, de 2000, com Jennifer Lopez, Vincent D'Onofrio e Vince Vaughn
e Jake Weber.
É uma ficção sobre o trabalho de dois investigadores na
tentativa de penetrar a mente de um assassino psicótico, que entrou em coma,
para descobrir o paradeiro de sua última vítima sequestrada, ainda viva, mas
por pouco tempo. Para isso, recorrem ao auxílio de uma psicóloga e à equipe de
um instituto de pesquisas que realiza experimentos sobre conexão mental entre
duas pessoas exatamente na tentativa de retirá-los de um estado catatônico para
um nível de consciência normal, fazendo com que a personagem de Jennifer Lopez, Catherine Deane, "entre",
através de recursos farmacoquímicos e elétricos, na mente do criminoso, Carl Starcher, vivido por Vincent D'Onofrio.
Tarsem Singh
Desta forma, ela "caminha" no ambiente da mente
doentia deste homem, e contempla suas fantasias além de vivenciá-las, como se
fossem reais. Como sua doença mental origina-se na infância, ela o vê
constantemente transformar-se em um menino epilético e assustado, vítima de
violência paterna, e depois em um ser monstruoso, com chifres e uma imensa capa
vermelha, e em outros momentos apenas um homem comum, com angústias não
resolvidas.
É uma ficção didática de algo que meu professor de
Fisiologia e Farmacologia, Luiz Fernando, dizia na aula sobre a natureza da
consciência e dos sonhos, lá pelos idos de 1978. Lembro-me que ele começava a
aula lembrando que uma característica do estado onírico era a perda dos
referenciais espaço temporais.
Vincent D'Onofrio
O sonho , dizia ele, era um estado alterado da consciência,
fisiológico e não patológico.
Ora, concluímos que, de modo rotineiro, somos submetidos a
mudanças de estados de consciência (os sonhos) que fazem com que mergulhemos em
um universo paralelo a este em que estamos , aonde as regras de existência às
quais estamos habituados, simplesmente não existem.
Didaticamente falando: o "em cima", o "em
baixo", "direita" e "esquerda", "frente" e
"atrás", "antes", "depois", estas aparentemente
pouco importantes referências que usamos para nos situarmos no mundo, física e
psicologicamente, no mundo dos sonhos, no mundo onírico não existem.
Vince Vaughn
Coisas que demorariam anos acontecem em segundos; coisas que
demorariam segundos arrastam-se aparentemente por horas; o dia e a noite se
mesclam e se confundem retirando nossa capacidade de ordenar, em nossa mente, o
que ocorre, aparentemente, ao nosso redor.
Duas expressões são fundamentais neste trecho: "nossa
mente" e "aparentemente".
O que realmente acontece naquilo que chamamos de "mundo
real" nós não podemos perceber. Percebemos apenas as suas manifestações.
Aquilo é o númeno; isto é o fe-nômeno.
"Nossa mente" percebe, tanto fora de nós como em
níveis mais superficiais de atividade da consciência, o que é "aparente",
o que aparece. Esta é a área da mente que Freud chamou o Ego.
Se pudéssemos ver dentro de "nossa mente", ao
contrário, na área que Freud chamou Id, veríamos as coisas por baixo do
aparente, nossos conflitos, nossos receios, nossos medos, nossas frustrações.
Poderíamos suportar estas visões? Daríamos conta de
contemplar, sem os filtros da educação (o Super Ego), nossas mais profundas e
animalescas paisagens?
No filme de Jennifer Lopez, contemplamos ficticiamente, a
mente de um assassino pervertido, sádico e violento.
O filme propõe ambientes e cenários que refletem este tipo
de mente, cenas de sado masoquismo e tortura, cores fortes, mudanças bruscas de
ambiente baseadas apenas nas oscilações do humor doentio do ignóbil facínora.
Mas quando sonhamos, um tipo de sonho que reflita nossas
angústias emocionais e inseguranças, mergulhamos em um ambiente igualmente
caótico, incerto, como acima descrito, talvez não tão pervertido, mas também
caótico, do qual extraímos e lembramos, às vêzes, trechos e talvez uma ou outra
imagem.
Aliás, existem segundo a Tradição Martinista, vários tipos
de sonhos. Eu estou falando apenas do tipo psicológico, aquele que reflete
nosso dia ou nossas ânsias.
Discutir sonhos pode parecer algo vago, mas como vimos, era
um dos temas das aulas extremamente objetivas do meu segundo ano médico.
Porque estados de consciência modificada sempre foram do
interesse de todas as culturas.
Interessam para nós, médicos, porque associamos a
consciência a aspectos eminentemente químicos e elétricos e queremos conhecer
esses mecanismos, já que muitas doenças afetam o funcionamento do cérebro,
provocando delírios, alucinações, sejam doenças neurológicas ou psiquiátricas.
Para a sociedade humana , no entanto, este foi também um foco de interesse. Drogas,
lícitas e ilícitas foram desenvolvidas para atingir outros níveis de
consciência diferentes deste ao qual estamos habituados, como se viver no
"em cima", "em
baixo", "direita" e "esquerda", "frente" e
"atrás", "antes", "depois", fosse uma espécie de
prisão de onde, vez em quando, seria salutar fugir.
E, tanto através de sonhos espontâneos como daqueles
artificialmente produzidos, o homem sempre achou formas de escapar desta aparente
prisão psicológica.
E já que estas diferenças são inevitáveis, repito, não encontraremos
em outros estados as coisas que estamos acostumados a ver por aqui.
Prédios e automóveis, profissões, intenções, não serão as
mesmas em níveis alterados de consciência; seria infantil supor que uma troca
de plano é uma simples troca de densidade material. Estamos falando em trocar
de compreensões de mundo.
As pessoas tem, via de regra, uma visão absolutamente ingênua
acerca destas coisas, ingenuidade que desaparece em um processo psicoterápico ou
no aprofundamento da vida mística.
Fico literalmente perplexo com crenças que supõem a
existência de cidades, prédios, hierarquias administrativas, trens e hospitais
em planos paralelos aos nossos.
Como se a vida espiritual não fosse antecipada pela nossa própria mente, quanto aos
seus aspectos mentais e percepcionais em nossos sonhos.
Muitos acham que a vida pós morte é como uma simples
continuação desta em que estamos, que não existem modificações semelhantes as
que ocorrem nos sonhos.
do Sepher Yetzirah
Insisto, mesmo podendo parecer repetitivo: quando mudamos de
estado de consciência perdemos o "em cima", o "em baixo", a
"direita" e a "esquerda", "frente" e
"atrás", o "antes" e o "depois". E acrescentemos a
isto a ausência de desejos, de necessidades físicas, de carências associadas a
existência de um invólucro físico que já não existe mais.
As coisas da mente são, portanto, muito traiçoeiras e
complexas. E uma das mais traiçoeiras armadilhas da mente são as convicções.
Acreditamos em muitas coisas que podem estar certas ou erradas,
mas são estas convicções e crenças que nos sustentam e que nos movem na
existência.
O invisível, como lembrava o Buda, sustenta o visível.
E se nada fosse como acreditamos? E se ao sair do corpo,
nossas crenças, nossas formas pensamento blavatskianas, desmoronassem após
alguns momentos não temporais, fora de nossa dimensão de realidade?
Todos nós corremos
este risco. Inclusive eu. Mas estou disposto, por formação filosófica, a
revisar minhas convicções a partir de novas experiências que desmintam as
minhas crenças anteriores.
A questão é se todos estarão dispostos a fazê-lo.
E para viver em um mundo altamente dinâmico e instável como
o mundo mental, é preciso que tenhamos esta flexibilidade de fluir com ele pois
não haverá postes para nos agarrarmos, nem âncoras para jogarmos ao mar das ideias e crenças, de forma que não naveguemos a esmo por dias, por meses.
Crenças, no mundo mental, são coisas sólidas como pedras no
nosso.
Se quisermos uma estrada desimpedida aqui neste mundo precisamos retirar
as pedras de estrada; se quisermos um caminhar tranquilo no mundo mental,
precisamos retirar da frente nossas crenças. Ou pelo menos afastá-las
temporariamente de nós, para que o trajeto não fique obstruído.
Nós construímos nossa vida primeiramente em nossas mentes;
depois no chamado mundo material. Este é apenas um reflexo daquele.
No mundo mental, nossos pensamentos e nossas crenças já são
a coisa real.
Não é possível pertencer a Rosacruz sem crer em alguma
coisa, Deus, valores, etc.
Mas é impossível ser um estudante rosacruz com uma mente
inflexível e rígida em relação aos seus valores.
E isto porque o trabalho rosacruz é eminentemente, um
trabalho mental e por isso, nosso laboratório será construído em um dos mais
instáveis terrenos da Criação.
Precisamos estar atentos a isto, para nossa própria
segurança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário