Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 31 de agosto de 2014

ENCONTROS


“Quando ampliamos nossa visão do mundo, nós aprofundamos nosso entendimento de nossas próprias vidas e cultura.”



Yo Yo Ma

Quando falo que o mundo espiritual moderno é mais vasto e heterogêneo do que supõe a vã filosofia cristã ocidental, refiro-me a natureza intercultural do momento contemporâneo.
Em todas as áreas, principalmente na cultural, existem novas apostas de diálogo entre diferentes tendências e estilos. Um dos exemplos mais dramáticos disso é o Silk Road Project, fundado em 1998 por Yo-Yo-Ma, o violoncelista sino americano. Uma de suas apresentações, comemorando 10 anos de projeto, foi em 2009 no Park Avenue Armory in New York, NY e mostra bem o que o multiculturalismo representa na prática. Cellos, pandeiros e tablas, shengs e alaúdes, pipas chinesas, violinos ocidentais e flautas japonesas convivem harmoniosamente. 
É uma representação musical, mal comparando, do que seria a convergência entre diversas religiões e compreensões do divino, juntas, e do que poderiam produzir quando buscassem um diálogo entre elas.
Um modelo didático musical do que é possível neste encontro, e que ele pode ter resultados surpreendentemente belos e complexos.

Destaque para a flauta japonesa Hocchiku, tocada por um musico (Rabih Abou-Khalil) nascido em Beirute, que vive hoje entre Munique, na Alemanha e o sul da França, onde mora com a mulher e seus filhos.
Vejam vocês mesmos.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

LABRADORES E GOLFINHOS

Lá pelas tantas conversando com INC, opinei que acho os animais muito menos homogêneos do que supõe a vaidade humana, com características comportamentais peculiares que mostram diferentes graus de evolução sentimental entre eles, o que denuncia que também eles, animais, evoluem em direção a níveis de consciência superior.
Vejam este vídeo rápido como reforço deste argumento. 
É emocionante. 
Mas, como diziam antigamente, eu já sabia.

domingo, 24 de agosto de 2014

MINHA RÉPLICA AOS COMENTÁRIOS DE INC EM 6 PARTES #6


VIa E ÚLTIMA PARTE


                 

LINHAS QUE SE CRUZAM


por Mario Sales, FRC e SI

Marquês Stanislas de Guaita


Com este trecho, Inc encerra seus comentários:
"O filósofo Desconhecido por diversas vezes, sempre que possível, canta as maravilhas da realidade Espiritual, deixo-o transcrito: 'Alegria pura, alegria divina, não sereis estéril em mim. Por demais repleto de vós para vos conter, quero que tudo o que existe seja disso testemunho'. E, além disso, manifesta que apenas o homem pode deixar entrar o mal ou não por meio do seu coração.
Tens razão quando manifestas o sentimento de culpa que pode ser gerado da interpretação errada do cristianismo. Muitos e muitos seguidores, quase sem fim, são maculados pela culpa ao invés de buscar o caminho da sabedoria pelo amor à verdade. Tratam-se de atitudes diferentes.
Pedindo desculpas pela nova intromissão, saúdo fraternalmente."


Caríssimo Inc:
Ao comentar a possibilidade de uma interpretação errônea da mensagem do Cristo por uma visão mórbida da mesma, onde , não a ascese ativa positiva, que era a marca de Jesus, mas a ascese ativa negativa é evidenciada, você toca o dedo no centro da ferida, sem trocadilho.



Como eu disse no início de meu arrazoado, meu desconforto não é com a intenção de Saint Martin, mas com a forma à qual recorre para convocar os seres humanos em geral à espiritualidade.
E esta forma, como já vimos, era uma característica da época, fortemente marcada por imagens bíblicas e uma leitura do novo testamento através da ótica do velho.
Sim, pois é no velho testamento que encontramos os tais Tremor e Temor como marca registrada enquanto que no novo a mensagem é de amor e compreensão.
No velho existe a rigidez e brutalidade da lei de Levíticos enquanto no novo testamento fala-se em compreensão e tolerância.




No velho manda-se apedrejar as adúlteras enquanto no novo pergunta-se quem não tem pecado, para que atire a primeira pedra.
Decerto, existe um dilema, já que a Bíblia não é um livro, mas vários livros (o significado da palavra bíblia) que cobrem séculos de história de um mesmo povo e que vai se modificando à medida que o tempo vai passando, e as sociedades vão se modificando.
É um livro polissêmico, de muitos sentidos possíveis, mas tem uma indiscutível importância na história da cultura ocidental. Em uma época na qual ninguém escrevia, não se publicava o que era escrito, mas apenas se copiava, a bico de pena, com dificuldade artesanal, os textos que chegavam do passado helênico grego, os textos bíblicos eram sem dúvida um manancial de informações e imagens.
Foram por séculos fonte de inspiração para muitos intelectuais ocidentais e pelo impacto e importância da igreja, o ato de pensar começou como um ato de refletir sobre imagens da Bíblia.



Abelardo e Heloísa


Não se conhecia os sutras de Buda, nem o Livro dos Mortos Tibetano, não se conhecia o Mahabharata Hindu, com seu capítulo glorioso, a Sagrada Canção do Senhor, que em sânscrito diz-se Bhagavat Gita.
O Corão de Maomé, mesmo com trechos de uma semelhança impressionante com o texto bíblico, principalmente com o Gênesis, não era estudado por significar uma heresia. Restava então a Bíblia, lida pelos padres e monges, início ao fim, interpretada, revirada, base para reflexões filosóficas e existenciais, inspiração para pintores barrocos, clássicos, românticos, para escultores, como Michelângelo, para Caravaggio, para Rafael.
As universidades eram eminentemente voltadas para os Cânones Católico Cristãos, e lembro-me que dois filósofos importantes da idade média, Abelardo e Heloísa, começaram seu relacionamento discutindo de quem eram os porcos que se atiram do penhasco depois que o Cristo manda que os espíritos da Legião, que tinham possuído um pobre rapaz, saíssem deste e entrassem naqueles desafortunados animais, que enlouquecidos, se matam.



Jesus expulsa a Legião de um possuído, e permite que entrem nos porcos. Ao fundo vê-se os animais atirando-se do penhasco.


Portanto, este era o ambiente cultural da época.
Saint Martin resgatou esses valores, e os colocou em seus textos porque era assim que um homem piedoso, religioso, que na época era sinônimo de misticismo, deveria se comportar.
Aprofunda esta visão no estudo de Boheme, tocado pelos mesmos valores cristãos bíblicos, e assim constrói sua obra.
Mas, da mesma maneira que a Bíblia evoluiu do texto de Levíticos ao Sermão da Montanha, também o Martinismo- Martinezismo evoluiu de Pasqually até Papus.



Papus, jovem.

Quando Gerard Encause resolve se unir a Chaboseau e restaurar uma tradição esotérica típicamente ocidental, para enfrentar o avanço da cultura oriental através dos textos da Teosofia de Blavatsky, então em voga, ele não o faz na mesma época e condições que geraram o surgimento desta tradição.

Augustin Chaboseau, velho.

No final do século XIX, Paris e o Ocidente, da qual a cidade luz era a capital cultural, efervescia.
A Arte já de há muito tinha se tornado Laica e os temas bíblicos tinham sido substituídos por aspectos políticos e sociais, pelo naturalismo e pela redescoberta da beleza do corpo, ao estilo do período helênico.
Havia espaço para a imaginação, para a fantasia, e por isso condições para o surgimento, no início do século XX do Cubismo e do Dadaísmo, o Surrealismo de Salvador Dali.

Blavatsky

O mundo mudara e até as universidades ensaiavam movimentos em que o racionalismo predominava sobre a crença, o que permitiu, no final do século XIX, a instauração do pensamento positivista de Augusto Conte, que pede evidências das coisas ditas, resgatando o pensamento de Descartes e de Francis Bacon, empirista e chanceler inglês do século XVI.
O final do século XIX foi um momento de ruptura importante com este passado de reflexões essencialmente bíblicas, e com a idéia de que pensar religião é pensar através de categorias bíblicas.
Agora, neste momento, poderíamos pensar a nossa relação com a Divindade através de outras óticas, outras culturas, que o Filósofo Desconhecido admite não chegou a estudar, como os Vedas, ou como o Budismo, e sua vertente mais instigante, o Zen.
Quando entrei para o Martinismo atendendo um apelo de uma sóror pela qual sempre tive o maior respeito, dois motivos me inspiravam: a curiosidade de conhecer outra tradição esotérica que depois, percebi, não era tão original assim, e a vontade de entender o que significava a expressão Via Cardíaca.
Os primeiros anos foram difíceis. De cardíaco o Martinismo não tinha muito, já que as aulas eram profundamente teóricas e pouco práticas. Muita informação era passada nas aulas, informações de natureza histórica e referente ao século XVIII, com valores do século XVIII. Picco de La Mirandola, Marcelo Ficino, e outros eram personagens de uma época que valorizava o Magismo e se impressionava com o Cabala Judaico como uma estratégia impressionante para examinar o problema da comunhão com o Divino.
Os textos estudavam as práticas daquela época, provavelmente uma sequela do restaurador moderno, Papus, um conhecido entusiasta do Magismo.
Só que o tempo dos chapéus cônicos e mantos com estrelas para os rosacruzes tinha acabado, com o advento de Spencer Lewis.
Ele fez um up grade dos conhecimentos passados por Hyeronimus e pelos rosacruzes de França, de maneira que o trabalho místico rosacruciano no século XX era centrado em um mentalismo profundo, que recorria ao poder da imaginação criativa, a técnica mais poderosa que nós, rosacruzes modernos, aplicamos à realidade.
A mente, não a fé, tornou-se objeto de nossa atenção, exatamente como no Zen e no Sankhya Yoga, o que contrastava com a abordagem do Martinismo, ainda influenciado por aquele momento setecentista onde Bíblia e Religião eram sinônimos.
Meu desconforto continuou até o início do 3° grau, o Grau SI, quando ouvi, na segunda reunião, a carta de Stanislas de Guaita que tirou de mim toda angústia que até então eu carregava.
Entendi então, que deveria olhar para o Martinismo como restaurado por Papus e preservado por Spencer e Ralph Lewis como o ponto de encontro de muitas linhas de pensamento e interpretações, e que na verdade guardava dentro de si, em uma aparente homogeneidade, uma enorme heterogeneidade, que já estava presente no grupo que lhe deu vida, ao final do século XIX.
Se Chaboseau e Papus dividiram as iniciações que haviam recebido de linhas de iniciadores desde o tempo de Saint Martin, um personagem como Guaita colocara seu dedo no projeto e com ele modificou a face do que seria o Martinismo moderno.
Péladan, que mais tarde romperia com o grupo, também tinha suas próprias idéias acerca do que significava ser Martinista, de forma que não se pode falar de uma idéia, mas sim de um esforço em conciliar o inconciliável, ou seja, naturezas humanas díspares em busca de Luz Espiritual, única e tão somente para contrapor a onipresença da filosofia vedântica da Sociedade Teosófica.  


Guaita

Mas o que dizia este discurso que tanto me impactou?
Dizia Guaita:
"...Nós te saudamos, SI, e quando tiveres estudado e meditado sobre o conteúdo de nossas lições, chagará o momento de te tornares um Iniciador. A tuas mãos fiéis será confiada uma importante missão: ficará sob tua responsabilidade o encargo - e também a honra - de formar um grupo do qual tu serás, perante tua consciência e perante a Humanidade divina, o Pai intelectual e, quando necessário, o Tutor moral.
Não queremos aqui" , continua ele, "te impor convicções dogmáticas. Pouco importa se te consideres um materialista, espiritualista ou idealista; que professes fé no Cristianismo ou no Budismo (!? o parênteses é meu); que te proclames um livre pensador ou que defendas até mesmo o ceticismo absoluto. Não atormentaremos teu coração agitando teu espírito com problemas que só podes resolver perante tua consciência e no silêncio solene de tuas paixões aquietadas."
Este trecho me comoveu e me tocou profundamente. Eu percebia finalmente que, tivesse ou não ouvido todas as aulas que ouvira, os restauradores modernos do Martinismo, ou pelo menos Guaita, o mais culto entre eles, reconheciam que, mais importante que o Martinismo era o Martinista que metabolizava dentro de si aquele conjunto de informações dando origem a sua própria sínteses pessoal daquelas informações.
Isto é em tudo e por tudo consoante com o espírito rosacruz. Naquele instante, relaxei.
E ele continuava:
"Se te sentes envolvido pelo amor verdadeiro de teus irmãos e irmãs humanos, não procures nunca dissolver os laços de solidariedade que te unem estreitamente ao reino hominal considerado em sua síntese. Tu fazes parte de uma religião suprema e verdadeiramente universal, pois é ela que se manifesta e que se impõe (de uma forma múltipla, é verdade, mas idêntica em sua essência) sob os véus de todos os cultos exotéricos do Ocidente quanto do Oriente."
Aqui deve-se fazer uma referência ao termo "religião" que Guaita tão ingenuamente usa. Ele se referia provavelmente à religiosidade, base de todas as religiões. Mas não a uma religião em si.
Quanto a universalidade desta linha esotérica, esta é a ambição que todos almejam e que jamais conseguirão.
A própria palavra Católico (katolikos) quer dizer Universal, no grego.
O que sucede é que tudo que tentamos unir acaba se dividindo pela ação de Shiva. O Universo se renova, constantemente, dissolvendo-se a si mesmo e reorganizando-se. Todas as formas são temporárias, tudo se desmancha em suas unidades básicas e se refaz , como a Fênix, de suas cinzas essenciais. Assim, por mais que queiramos, ou que tenham desejado os restauradores do Martinismo, a natureza de Livre Iniciadores que a Iniciação dos SI lhes conferia tornava esse evento tão peculiar que seria impossível garantir uma unidade de visão depois de séculos de sucessivas iniciações pessoa a pessoa. Só que este era o modelo deixado como legado de Louis Claude de Saint Martin. Cada iniciado iniciaria, quando pronto, outro indivíduo, que se tornaria, depois de algum tempo, também iniciador.
A restauração de Papus e Chaboseau, como já demonstrei aqui, seguiu o modelo, em grande parte, de Wilermoz, pois organizou em templos o que seria, em si, um movimento pessoal e individualizado.
Diz mais Stanislas de Guaita:
"(...quanto ao amor verdadeiro por teus irmãos) Como psicólogo, dá a este sentimento o nome que quiseres: "amor", "solidariedade", "altruísmo", "fraternidade", "caridade", ...como economista ou filósofo, podes chamá-lo de "Socialismo", se quiseres, "coletivismo", "comunismo"... as palavras não são nada! Como Místico, honra-o pelo nome de "Mãe Divina" ou de "Espírito Santo". Mas não importa o que sejas, nunca te esqueças que, em todas as religiões realmente verdadeiras e profundas, isto é, alicerçadas no Esoterismo, colocar em prática este sentimento é o primeiro ensinamento, o mais importante e essencial desse mesmo Esoterismo".
Embora culto, Guaita lança mão em sua fala de valores, conceitos e imagens do cristianismo.
Ao falar de Místicos, associa-os automaticamente a imagens como Espírito Santo ou Mãe Divina, desconhecidas para místicos hinduístas e budistas, mas caras aos místicos religiosos cristãos.
E a palavra Místico, o buscador de mistérios, não pode ser atribuída hoje apenas aos místicos cristãos, pois estamos em um mundo e um planeta que se conhece melhor, que divide diariamente experiências sociais de diversidade importante, seja considerando os ritos de países africanos, seja as práticas do Xintoísmo Japonês, e outras.
O Cristianismo Católico Romano é hoje uma entre muitas forças religiosas do mundo, e nem é a mais forte.
Mas naquela época, final dos anos oitocentos, isso ainda não era assim e apenas saber da existência dos Vedas e do Budismo fazia de alguém um erudito bastante gabaritado.
Não, o Martinismo, como fundado, não existe mais. E mesmo o restaurado por Papus também já teve seu momento, sendo que corre um grave risco de ser diluído e digerido pela História se não permitir elasticidade interna em seus valores como promete o trecho acima da carta de Guaita.
Saint Martin, que nomeia este movimento, é hoje apenas uma de muitas outras influências, uma das muitas linhas que se cruzam aqui, nesta realidade chamada Ordem Martinista.
Acredito que todos os textos de todos os membros desta tradição devam ser não só lidos, mas estudados, como voce parece que tem feito Inc, de forma a que cada um de nós encontre em si mesmo uma interpretação pessoal do que está escrito ali.
E esta interpretação não será, com certeza, igual a do Irmão ou da Irmã ao seu lado, pois cada um de nós é uma experiência irreprodutível do Ser, e o que faz de nós semelhantes é exatamente a nossa diferença pessoal.
Concluindo assim estas réplicas, foi graças a Carta de Stanislas de Guaita que entendi que, mesmo não sendo cristão e nem concordando com uma abordagem do Misticismo tão perigosamente perto do Religioso, posso sim manter minha afiliação ao Martinismo intacta já que o próprio Guaita me garante, textualmente, que como Martinista sou livre quanto a minhas convicções.




Este espírito de Liberdade me permite fazer leituras crísticas e críticas ao mesmo tempo, sem contradição, sem ferir com isto o escopo principal da Ordem Martinista, que é, segundo Guaita, "colocar em prática este sentimento (o qual) é o primeiro ensinamento, o mais importante e essencial desse mesmo Esoterismo", e que está expresso na fala do Cristo, respondendo a pergunta sobre qual seria o mais importante mandamento da fé Moisaica:
"Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo". Este é o maior mandamento, esse é o mote do Martinismo. O amor fraterno, desinteressado e universal, tanto aos irmãos e irmãs de Ordem, quanto a toda a Humanidade.
Nisso, e na liberdade de pensamento, sinto a identificação entre Martinismo e Rosacrucianismo, provavelmente a mesma similaridade que Spencer e Ralph Lewis viram um século atrás.
Pra voce Inc, meu incógnito amigo, deixo as palavras ainda da carta de Guaita que nos estimulam a continuar a busca:
"Tu és um "initiatus", aquele que outros colocaram no caminho. Esforça-te para te tornares um "Adeptus", aquele que conquistou o conhecimento por si mesmo; em outras palavras, o filho de suas próprias obras."
Que mais precisa ser dito?
Paz profunda Inc.

sábado, 23 de agosto de 2014

COMO VOCE ENXERGA SEU MUNDO?

Antes da sexta e última parte das réplicas uma dica do Frater deLaMaria, do Recife.

MINHA RÉPLICA AOS COMENTÁRIOS DE INC EM 6 PARTES #5




Va PARTE

DIFERENTES TIPOS DE ASCESE

por Mario Sales, FRC e SI



Continua Inc seus comentários:
"Mário, seguindo no raciocínio, e pedindo licença para escrever-te novamente, gostaria de colocar duas passagens que provocam a discussão no sentido de que a questão não se trata da negação da carne porque ela seria 'má', mas, na verdade, constitui-se da busca por algo melhor constituindo-se do que se veio a chamar de ascese positiva.
- A ascese positiva não luta contra a carne, mas contra o germe do mal na alma, tendo em vista a união com Deus. Por exemplo: ..se alguém passa a noite em oração e sem sono não o faz para privar o corpo do repouso, mas para se unir a Deus pela oração. São Martinho deu seu manto a um pobre não para que sua própria carne sofresse com o frio, mas porque queria acabar com o sofrimento do seu próximo. Santo Antão não foi ao deserto para lá fazer sua carne sofrer, mas para estar sozinho na presença de Deus. O monge renuncia ao matrimonio não porque tenha ódio à mulher e às crianças, mas porque está abrasado de amor de Deus.
No mesmo sentido, o sábio que se fecha no seu escritório a fim de se dedicar aos seus estudos é movido a isso pelo amor à verdade e não porque odeie o sol...
A ascese positiva é a troca do bom pelo melhor."
Querido amigo Inc:
Antes de qualquer coisa, jamais me peça licença para me escrever. Seus comentários como o de qualquer leitor deste blog são sempre bem vindos, mesmo os mais agressivos. Só sabemos que tocamos alguém se houver alguma reação e comentários são reações. É a Vida devolvendo meu investimento emocional e intelectual.
Agora, quanto ao seu comentário: em um blog católico consegui estas definições de Ascese:
"Ascese é um termo grego (áskesis) que significa exercício. Especialmente o treinamento do atleta para competir nas Olimpíadas ou do soldado convocado para a guerra. Ora, os cristãos adotaram essa palavra para designar os exercícios ou práticas de autodomínio a fim de estarem “em forma” nas horas de combate contra as provações que nos atacam cotidianamente. Essa ascese pode ser ativa (subdividida em negativa e positiva) ou passiva, conforme veremos .... É ativa quando o cristão faz seu exercício por vontade própria, movido pela graça de Deus. Será positiva sempre que o fiel se dedicar a um trabalho complexo como visitar doentes incuráveis ou portadores de moléstias contagiosas, atender a menores infratores, visitar presídios etc. Será negativa sempre que a pessoa ascética deixa de fazer algo que muito lhe agrada tal como seria para alguns tomar um delicioso sorvete, assistir a um filme, fazer uma viagem etc. É passiva quando a pessoa não procura a penitência ou a cruz, mas esta vem até ela pelas circunstâncias diversas da vida e é aceita com resignação, sem, no entanto, deixar, se for o caso, de buscar os meios legítimos para se livrar do revés (doença, questões judiciais, perseguições no emprego etc.)."

Sim, pelo visto a ascese ativa positiva, (não a negativa nem a passiva) são atitudes agradáveis ao espírito, não se tratando, do ponto de vista espiritual, de pequenos sacrifícios, mas sim de pequenos prazeres. Fazer o bem de modo sistemático é agradável para pessoas de bem.
Entendo muito bem desses prazeres psicofísicos, já que sou um místico. Todo místico espontaneamente, pratica ascese ativa e positiva e se sente bem com isso. Já a ascese negativa me é estranha e nem me parece útil ao crescimento. Entendo a disciplina com uma finalidade definida; sacrifícios pessoais, mesmo que pequenos, como meio de alcançar a beatitude me parecem equívocos.
Vou lhe falar da minha própria visão de ascese, de um tipo de exercício em busca do divino; falarei, não de sacrifícios, mas de alguns prazeres psicofísicos que, para mim, me levam para Deus.
Aprecio o silêncio, em qualquer lugar, desde que espontâneo, e os pássaros que cantam na minha janela, de manhã, enquanto calço minhas meias.
Aqui talvez eu me afaste da classificação de praticar uma Ascese Ativa Positiva no sentido católico, mas é um exercício mental importante no Hinduísmo, na busca da serenidade: a contemplação da criação, seu desfrute, o deleite genuíno com a Obra de Deus.



Uma vez por ano me retiro para a Morada do Silêncio, e com mais alguns fratres e sorores me dedico a quatro dias de estudos e aprofundamento dos valores rosacrucianos.
É um momento de paz dentro da minha rotina, mas não que fora da Morada minha vida seja menos serena. Sempre que saio da Morada trago-a dentro de mim para casa. Isso me faz muito bem.
Aliás, uma das coisas que me fascina na Morada é a natureza em volta, a inocência dos animais, a beleza das árvores, a inspiração que todo este ambiente me causa.
Concordo que a oração, como síntese de todas as Técnicas Teúrgicas, usada como estratégia de conexão, é válida. A oração continuada muda nosso estado de consciência, como o mantra; mas a meditação, do ponto de vista oriental, também o faz, de modo muito mais repousante.

Lahiri Mahasaya, paramguru de Parmahansa Yogananda, um iluminado feliz


Veja, são tradições diferentes, abordagens diversas.
É possível buscar a Santidade sem angústia, como eu disse, até mesmo sem celibato. Lahiri Mahasaya, Mestre e Iluminado, com esposa e filhos e funcionário das ferrovias inglesas na Índia no início do século passado ensinava isso com seu exemplo.
Lewis sempre citava em um livro chamado "O Místico Moderno" que a era das cavernas havia terminado, que deveríamos nos misturar as multidões, estarmos na sociedade e na vida cotidiana, buscando no chamado mundo profano seu aspecto mais sagrado: a vida.

                     



Eu também me sinto abrasado por Deus, por isso sou rosacruz há quarenta anos. A Ordem Rosacruz me deu a chance de extravasar este lado da minha personalidade sem angústia, sem o isolamento dos monastérios, mas pela sabedoria e pelo estudo.
Agora, vejo grande diferença entre o êxtase genuinamente místico e o êxtase religioso.
No primeiro, é possível desfrutar desse estado em um ponto de ônibus, esperando com outras pessoas um transporte coletivo.
No segundo, existe a necessidade de entrar na caverna como Elias (1 Reis, 19:9-13), esperando que Deus se manifeste. Pelo que lemos neste texto sagrado, Deus está fora da caverna.
No misticismo contemporâneo, precisamos, ou eu preciso, pelo menos ver Deus em todas as coisas, engarrafamentos, filas, na padaria, nos shoppings.
Escolas místicas são assim.
Elas buscam desenvolver o divino em nós pelo entendimento e pela sabedoria dentro de um contexto urbano e contemporâneo, não pelo sacrifício, principalmente aquele entendido como uma ascese ativa negativa.
O sacrifício é, como eu citei, uma tradição religiosa, não místico-esotérica.
Místicos religiosos são, na maioria, mais religiosos que místicos.
Poucos transcenderam suas próprias origens religiosas como São Francisco.
Ninguém decide seguir o caminho místico. Os verdadeiros místicos não o são porque pertencem a uma confissão religiosa qualquer, mas porque foram convocados a sê-lo pelo Altíssimo entre as várias linhas de pensamento, à sua revelia. Não existe outra opção.
Uma vez nesse caminho, no coração do místico não pode existir  separação entre o Sagrado e o Profano.
Diz-se que esta foi a lição mais importante do Cristo. Ele rasgou a cortina do Tabernáculo, ("E porás o altar de ouro para o incenso diante da arca do testemunho; então pendurarás a cortina da porta do tabernáculo" - Êxodo 40:5.) aquela que separava a Arca da Aliança do resto da tenda.
O Sagrado era o separado. Cristo acabou com esta distinção.
Tudo para mim, e acredito que para voce também, é Sagrado: meu café, meu pão com manteiga, as teclas de meu computador, meu cereal.
Não preciso de templos nem de jejuns. Estar vivo é minha oração. E pelo genuíno interesse que vejo em voce pelas coisas do espírito, penso que o mesmo acontece contigo. Não que ascese positiva não seja boa no sentido de exercício espiritual e de caridade.
Mas para que jogar água em nosso rosto se estamos mergulhados no Oceano?
Voce, meu caro Inc, dá os sinais de que já foi tocado pela labareda de Pentecostes, e agora não tem como recuar.
Voce, como eu, é um místico, não porque usa roupas estranhas, ou porque tem um comportamento afetado. Não. Seu misticismo está no fundo de seu peito, nesta curiosidade e interesse pelas coisas de Deus que voce demonstra com suas colocações.
Nós místicos, não o somos porque queremos.
Já nascemos assim.
Nossa vida é um exercício de devoção e busca de comunhão, e como rosacruzes, fazemos isto sem alarde.
O Filósofo desconhecido conhecia esse aspecto da vida mística. Ele dizia que "queria fazer o bem, mas sem alarde, pois aprendi que o alarde não faz bem, assim como o bem não faz alarde."
Fato. Todo o trabalho de alquimia interna é silencioso. Nosso laboratório não exala vapores ou odores, não usamos mais mantos de veludo. Ninguém é capaz de acompanhar nossa evolução ou nosso progresso.
É romantismo pensar que quando atingirmos a Iluminação, alguma música de fundo tocará. Nada acontece.
Tudo continua como antes, como no caso do Mestre Zen da Parábola, mas nós mudamos.
O fogo do amor pelo Divino, em nós, queima como uma lareira que nos aquece,mas sem incendiar a casa.
Alimentamos o fogo pouco a pouco, com regularidade, com ritmo, com tamanha naturalidade que não nos damos conta do quanto nos dedicamos a isto. Torna-se um hábito, um movimento rotineiro do dia a dia, não nos sentimos especiais por isso. E qual lenha usamos? Leituras inspiradas, gestos de cortesia, pequenas bondades, dignidade mínima no trato com nossos semelhantes.
Os que nos conhecem apenas comentarão que somos "gente boa" e que gostam de nós, mas não suspeitarão nem de longe dos nossos profundos compromissos espirituais.
Almas realmente evoluídas não gostam de chamar a atenção, não sabem como chamar a atenção.
Após a iluminação, continuam se levantando a mesma hora para trabalhar, dirigem ou pedalam até seus empregos e cumprem sua jornada de trabalho sem esforço ou sofrimento. A vida lhes parece mais leve e o dias se sucedem calmos e serenos.
Lembro-me que quando saía do posto de saúde em que trabalho em um bairro muito pobre, da periferia da minha cidade, dava carona até o centro para a faxineira do posto. Éramos bons amigos, e eu sempre esperava por ela para irmos juntos. Me chamava a atenção como ela lidava com seu dia, as expressões que tinha o hábito de dizer.
Ao entrar no carro sempre comentava "Vencemos mais um dia", ou "Vencemos mais uma batalha" e quando perguntei de que guerra ela falava, vi a sua perplexidade.
A ansiedade tomava conta de seu ser de tal forma que trabalhar era um esforço e um desgaste, uma "batalha" como ela dizia. Seus dias eram obstáculos a serem transpostos e não momentos de deleite.
Isso nada tinha a ver com seu tipo de trabalho, mas com a forma como o encarava.
Tenho colegas médicos que também tem este mesmo tipo de comportamento ansioso. Um deles me preocupa sobremaneira. É visível que lhe falta serenidade embora seja uma pessoa aparentemente alegre.
E serenidade é tudo, sempre.
Embora seja um frater rosacruz, este amigo e colega tem tido um desempenho dentro da Ordem intermitente. Ora está ativo, ora não está.
Gosta das coisas que a Ordem propaga, mas não mergulha de cabeça no trabalho rosacruciano. É um buscador espiritual, mas não tem foco.
A serenidade dá esse foco, permite este foco. E como não é uma pessoa serena, não pode seguir qualquer caminho espiritual com tranquilidade, por muitos anos.
Porque para uma pessoa que não é serena esses muitos anos existem, enquanto que para pessoa serena, no entanto, eles escorrem pelas mãos, como água. O tempo desaparece, o espaço desaparece, e mesmo a memória fica um pouco confusa entre coisas que só pensamos e aquilo que vivenciamos.
Esta confusão entre o "mental" e o "material" denuncia que a ilusão da separação está desaparecendo, dado o grau de espiritualização que conseguimos alcançar.
É um passo importante no caminho da iluminação que deve ser nosso objetivo enquanto estudantes rosacruzes, sejamos ou não Martinistas.
O Martinismo como ambiente de espiritualização e ênfase no poder teúrgico da Oração, a meu ver a única teurgia que interessa ao místico moderno, não deve ser desprezado ou subestimado.
O que não podemos é, em função de nosso inequívoco respeito pelos homens que colaboraram para a construção, século após século desta tradição, este amálgama de tantas tendências heterogêneas, e que hoje desemboca em ambiente rosacruciano, deixar de olhar o Martinismo do século XVIII pela lente do Rosacrucianismo no século XXI.
Tenho receio, muito receio, pelo que já assisti em templo, que a reverência se transforme em recuo qualitativo no foco rosacruz de ver o mundo. A Rosacruz não tem profetas, não adora indivíduos, não dá destaque a este ou aquele líder espiritual da humanidade em detrimentos de outros. O Martinismo, como concebido hoje, o faz. E isto é no mínimo incômodo. Como também é incômodo a semelhança deste culto cristão com aspectos da doutrina católica misturada com o magismo martinezista, em ambiente eminentemente maçônico em forma.
Não é correto supor que a importância que o Martinismo recebe hoje, um projeto esotérico eminentemente francês, tem a ver com o fato de o Imperator ser também francês, já que Spencer Lewis foi o responsável, seguido de seu filho Ralph, pela absorção desta tradição no seio da Ordem Rosacruz, mas com certeza, considerando a origem francesa do Martinismo, a tradição de esoteristas franceses envolvida, é fácil imaginar que o Imperator tenha grande simpatia e identificação com a linha de pensamento martinista.
Só tenho minhas reservas quanto a tentar encaixar pessoas diferentes em um mesmo viés, não levando em consideração suas tendências pessoais.
A visão do misticismo que eu tenho nada tem a ver com Santo Antão, mas com o êxtase permanente de Francisco de Assis.
Um outro aspecto é que a ascese como exercício para a santidade e preparação para a iluminação tem sua utilidade para os que acham que existe um percurso a percorrer até Deus, no tempo e no espaço.
Iniciados sabem que tempo e espaço não existem, e que Deus já está em nós, e que manifestá-lo não é algo que dependa de atos, mas sim da ausência de Ego ou de convicções intelectuais acerca do que Deus é ou deixa de ser.
A iluminação não é o fim do caminho, mas o início; nela percebemos a presença do Incognoscível, fenômeno perceptível, mas indescritível em palavras.
Quando tocados pelo Altíssimo, tudo que precisamos fazer é nos abandonarmos a sua Força, como se deitássemos em uma canoa e deixássemos, confiantes, que a correnteza nos levasse em frente, sem que usássemos remos.
Não é preciso Fé, mas ausência de medo; é preciso confiança nos desígnios da corrente, confiança de que a corrente quer o nosso bem e que nos carregará para um lugar melhor e mais belo do que aquele em que estamos.



Podemos acompanhar a viagem enquanto nos deslocamos, mas iluminados já não tem muito o que decidir pela entrega total e incondicional à Vontade da Providência Divina.
Tudo isso, no entanto, voce já sabe. 
Estou apenas me divertindo e organizando meus pensamentos nestes textos que seu estímulo me levou a produzir.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

MINHA RÉPLICA AOS COMENTÁRIOS DE INC EM 6 PARTES #4

IVa PARTE




SERENIDADE E EVOLUÇÃO

por Mario Sales, FRC e SI


Continua Inc:
"Na vida de Jacob Boheme ocorreu o mesmo, ele sentia uma angústia (aguilhão) desmedida até ser iluminado.
Veja que o próprio Buda (Sidartha Gautama) vivia em um palácio e só foi buscar a vida espiritual depois de ver o sofrimento de seus irmãos, o qual lhe causou sério impacto.
Sem angústia não há busca e, repito, essa angústia não é pela situação social, dinheiro ou casos amorosos, mas pela 'saudade' da Jerusalém celeste, onde todos seremos verdadeiramente irmãos."
Voce sabe, Irmão Inc, não existe um lugar como esse, Jerusalém Celestial. É apenas um conceito, não uma realidade tempo-espacial. E se existe esta dimensão aonde todos são irmãos, ela está dentro de nós, e não fora.
Se "...na vida de Jacob Boheme ocorreu o mesmo, ele sentia uma angústia (aguilhão) desmedida até ser iluminado" foi porque não estava em estado mental iluminado. Uma vez que mudou sua condição mental tudo a sua volta mudou também, se bem que tudo, depois dele se iluminar, estava como antes dele se iluminar. Foi ele que mudou, não as coisas em volta dele. 
Ele não alcançou um lugar, mas um estado mental, que é a verdadeiro significado simbólico da expressão "Jerusalém Celestial".
A angústia não gera a busca. A angústia é parte da busca, e às vêzes até atrapalha a busca, mas ela não torna a busca mais intensa. Podemos ser mobilizados também pelo amor e pelo conhecimento, não só pela angústia.
É exatamente pela libertação desse estado de angústia que o monge Zen chega a Iluminação.
O Ocidental busca a felicidade, o monge Zen a Serenidade. Estratégias diferentes, a primeira mais primitiva, medo e angústia, a segunda mais avançada, progressivo aumento do equilíbrio, do autoconhecimento, da paz interior.
A mente precisa ser compreendida, não combatida.
Sua função não é nos atormentar, mas nos ajudar a lidar com a realidade. Ela só nos será útil, entretanto, se nós estivermos no controle e não ela.
A mente é a louca da casa dizia Santa Teresa Dávila.
É preciso acalmá-la, não afligi-la mais ainda,
E para isso a Serenidade é fundamental.
Ela é dominadora e insidiosa, devemos ser perspicazes ao lidar com ela.
Veja esta parábola.
Os monges não devem se envolver com mulheres, tocar em mulheres, faz parte das normas do monastério.
Dois monges estavam a beira de um rio quando uma mulher pede que eles a carreguem para o outro lado para que não se molhasse.
O mais velho pega a mulher e a coloca às suas costas. Atravessa o rio com ela, deixa-a na outra margem, e segue seu caminho. A contrariedade de seu companheiro mais jovem era evidente. Finalmente o outro explode: "Voce não se envergonha? Não sabe que por nossas leis não podemos tocar em mulheres?"
O outro com serenidade, responde:
"Eu a deixei na margem do rio. E voce que ainda a carrega até agora?"



Acredite querido Inc, nossos braços não tocam em nada, nossa mente sim.
Nossas pernas não caminham, nossa mente caminha.
Não nos cansamos, nossa mente se cansa.
Existem diversos programas de treinamento que condicionam pessoas a resistir mais e melhor a fadiga. E fazem isso mexendo com a cabeça das pessoas, principalmente.
Mas voce sabe disso.
Só estou enfatizando.
Inc continua:
"Se tudo estivesse perfeitamente bem nenhum homem buscaria a espiritualidade ou a evolução.
SM sustenta, em todas suas passagens, a necessidade da busca pelo aperfeiçoamento do homem e não a imperfeição de forma estática, tanto que a todo momento busca estimular o desejo por este aperfeiçoamento."
Sim é verdade, ele estimula este aperfeiçoamento, mas usa de uma didática assustadora:
"Homem, o mal é ainda maior. Não digas mais que o universo está em seu leito de morte; dize que o universo está no sepulcro, a putrefação se apoderou dele e que espalha a infecção por todos os seus membros, e é a ti que cabe censurar-te por isso. Sem ti ele não estaria assim decaído no túmulo; sem ti (homem) ele não espalharia assim a infecção por todos os seus membros" 
Este é um trecho de "O Ministério do Homem-Espírito", pág. 75. Podemos argumentar em defesa de SM que está fora de contexto, que foi pinçado aleatoriamente, que a imagem pode estar correlacionada com a simbologia alquímica, onde a morte e a putrefação são partes do processo de regeneração do indivíduo.
Muito bem, concedo.
Mesmo assim é assustador.
Se algo podemos dizer de qualquer texto do filósofo desconhecido é que ele não era uma pessoa serena.
Se sua angústia era a angústia dos santos ou dos homens de estirpe moral, de qualquer forma paz de espírito não seria a maneira certa de classificar seu estado mental.
Ao contrário dos monges zen que buscam acalmar dentro de si o turbilhão mental, ele era devorado por uma tristeza e uma depressão permanentes, um estado de sofrimento do qual, provavelmente, pelas suas crenças, devia até se orgulhar.



Ele estava convicto que uma pessoa santa ou em busca de santidade deve mesmo sofrer e se angustiar. A felicidade ou a alegria não era algo do qual ele fosse capaz porque em sua concepção, o mundo estava mergulhado em trevas, os homens tinham virado a face para Deus e tudo, tudo era triste, então.
Se ele buscasse serenidade, se ele acalmasse sua mente, extremamente aflita e infeliz, talvez o mundo parecesse menos caótico, como aconteceu com Boheme após a iluminação.
A iluminação é isso, ver o mundo por lentes transparentes, não vermelho sangue ou marrons escuras, mas transparentes.


Vemos o mundo do modo que acreditamos que ele é.
SM acreditava que o homem podia fazer com sua prevaricação, do Universo um Caos, que ele poderia macular a criação com sua ignorância e com seus erros.
Arrogância humana típica, disfarçada de humildade.
Perante Deus, não somos absolutamente nada.
Deus nos olha de perto e acompanha nossa jornada, zelando por nossa evolução e integridade.
Em verdade, entretanto, não estamos em risco, nada está em risco e tudo está exatamente como deveria estar.
Eu sou um místico rosacruz.
Rosacruzes sabem do poder do Todo Poderoso.
Rosacruzes não supõem que existam poderes superiores ao de Deus em seu próprio universo.
O Caos que angustia pessoas como SM é o Caos de suas próprias mentes, não o Caos do Universo.
O Caos, aliás, em si, não é uma desgraça, mas potencial para novas combinações, novos arranjos, em oposição ao Cosmos, a ordem estabelecida.
De qualquer maneira, um místico verdadeiro, em paz, sereno, não olharia para fora de si, mas para dentro, seguindo as recomendações do próprio SM, e lá encontraria a Ordem Divina, calma, tranquila, serena.



Quem disse que a Via Cardíaca não é o método rosacruz? 
A verdadeira Via Cardíaca é o caminho rosacruz da busca do Mestre Interior. 
Ele habita em nós, em nosso corpo, nosso templo, e divide conosco neste espaço a experiência do êxtase no Sagrado.
O Sagrado é a perfeição.
Dentro de nós não existe Caos, não existe angústia, não existe sofrimento.
Se ainda nos angustiamos, não olhamos direito para dentro de nós mesmos, ainda estamos olhando para fora, para Maya, a Ilusão.
Não podemos procurar a perfeição de Deus fora de nosso corpo e de nosso coração porque Deus está lá dentro.
Ao nos contemplarmos internamente, da maneira correta, só poderíamos nos deleitar com a visão da Luz Divina em nosso coração, a Luz que não julga, que não condena, que, como foi dito, "não faz acepção de pessoas".
Quem vê o mundo em crise é o religioso angustiado, não o místico sereno.
Por isso, às vêzes, o Martinismo propriamente dito lembra mais uma religião disfarçada de esoterismo do que uma escola mística verdadeira.
No misticismo verdadeiro busca-se a Serenidade. Aprendemos pela Serenidade, não pela Angústia.
O que nos move para a frente no progresso espiritual é a Serenidade, não o Sofrimento.
E ambos são excludentes.
Se existe Sofrimento ainda não estamos Serenos.
E se estamos Serenos, não poderíamos, mesmo que quiséssemos, sofrer.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

MINHA RÉPLICA AOS COMENTÁRIOS DE INC EM 6 PARTES #3


IIIa PARTE

ANGÚSTIA E EVOLUÇÃO

por Mario Sales, FRC e SI

Continua Inc:
"O homem precisa desenvolver-se, coisa que para o animal, por exemplo, não é necessário, pois o animal nasce praticamente pronto, digamos assim. A potencialidade do homem por outro lado, é quase infinita, enquanto para o animal é muito limitada."                 
Se considerarmos a condição animal estática eu concordaria com voce, mas minha posição é a de que o Universo não tolera nem o Vazio, nem o Estático, portanto, fecho com linhas de pensamento que crêem em uma evolução da Mônada através de todos os planos, mineral, vegetal, animal, humano e angélico, como no pensamento teosófico de Blavatsky, que ando relendo.
Não vejo os animais como estáveis ou uniformes; existem animais e animais, alguns com um comportamento visivelmente superior aos seus iguais. Isso pressupõe alguma diferença evolucional o que inspira a idéia de que também eles, animais, evoluem.
"A angústia", continua Inc "não se desenvolve no homem porque ele não bebe bons vinhos ou porque não aproveita uma boa dança, ou porque é desenquadrado da sociedade, mas porque vê maldade em si mesmo e em seus irmãos. Veja que o próprio Cristo diz que não somos deste mundo mas estamos nele (João 15, 18-21). Eu não precisaria citar aqui exemplos de maldade que vemos no dia a dia."
Esse trecho não me pareceu claro pela citação de João, já que o fato de não sermos deste mundo evidencia, a meu ver, a preponderância da Personalidade Alma sobre o Corpo, o que significa e lembra, metaforicamente, que existe mais importância no "Corpo" do que no "Macacão" que o veste. Portanto, ao lembrar nossa verdadeira natureza e origem, isto seria uma forma de evidenciar o bem que existe em nós e não nossa maldade.
De qualquer maneira, ver maldade nos seres humanos é o mesmo que ler as pessoas pela sua aparência, seus sinais mais frágeis e sem importância, manchas sobe seu/nosso "macacão". Brancas ou negras, essas manchas não atingem nossos "corpos" por baixo do "macacão". Embaixo do "macacão", tudo está bem, o "corpo" está limpo e sadio.
O "macacão" pode ser manchado. Mas a alma-"corpo" dentro dele, dentro do "macacão", não.
O fato de estarmos no macacão prejudica nossa clareza mental. Aliás, vamos mudar aqui a metáfora de "macacão" para "escafandro", que eu prefiro.
Dentro do "escafandro", portanto, somos muito mais limitados, pois na verdade a vida na Carne reduz nossa percepção mais sutil, o que torna nossas opções e clareza de escolhas muito mais difíceis.
Caminhamos lentamente, a gravidade nos gruda à Terra, e não podemos voar por meios próprios; ouvimos menos que um cachorro, vemos menos que uma águia, e um simples e invisível vírus pode nos matar.
Essa limitação deve ser levada em conta quando falamos da maldade humana, que na verdade é o nome do comportamento possível de uma Mônada confusa dentro de um sem número de limitações.
Penso como o Buda e como os rosacruzes, que dentro de todos nós existe toda Plenitude da Luz e da Glória do Divino, bem como toda a Sua perfeição. Que mesmo o menor entre nós, o mais bárbaro e sanguinário membro da espécie humana, age sob o impulso de um erro de percepção, oriundo da falta de conexão com este Deus Interior.
O que chamamos Mal (e eu concordo, vemos muita "maldade" todos os dias) é a manifestação de equívocos interpretativos e dizem respeito a uma administração imperfeita da vida na matéria, pela personalidade alma envolvida.
Energias pouco elaboradas, pouco evoluídas, como costumamos dizer, tendem a cometer neste mundo de ilusões e fantasias, barbaridades, mas do ponto de vista místico, e esta é uma afirmação consciente e lúcida, fico com Richard Bach, o autor de "Ilusões" quando diz que ninguém morre, ninguém mata, e o sangue é mero molho de tomate. O Amor e o Apego decorrente que temos pelos que amamos é que nos leva ao sofrimento. E toda a nossa revolta e tristeza e dor advém da crença de que não somos espíritos na Carne, mas Carne apenas; que não somos pessoas dentro de "macacões", mas "macacões", apenas.
E quando estes se tornam imprestáveis, ou quando se reasgam, ou mancham, supomos, em nossa limitação de compreensão em Maya, que a personalidade alma ali dentro foi lesada também, quando na verdade quem estraga é a roupa, não a pessoa.
Para ficar claro, quem tem filhos e os ama, e eu as tenho, para quem tem uma companheira sem a qual não há muito sentido na existência, (e é o meu caso), estas afirmações são muito difíceis, pois o Amor, já disse, implica apego, e ao perder-se o contato, físico ou intelectual, com alguém que amamos, pela chamada morte ou pela loucura, o sofrimento que experimentamos é gigantesco, e acredito que não estou fora disso, como ser humano comum que sou.
Mas se eu quiser ser coerente com o pensamento místico, não poderei chorar no enterro de pessoas queridas, não lamentarei a sua transição, não amaldiçoarei o dia em que essas coisas acontecerem, pois são cursos normais da existência como a conhecemos neste mundo de dualidades, de aparente Vida e de aparente Morte.
O ser humano comum em mim, mergulhado nesta cultura e nessas crenças que ouvimos desde crianças, este no entanto chorará, e lamentará e sofrerá com essas coisas, tanto quanto qualquer não iniciado, e é destas contradições que é feita a natureza da vida na Carne.
Indignarmos-nos com o que chamamos Mal, ou sofrer com os desígnios do cotidiano contrários ao nosso apego, são movimentos normais e aceitáveis, mesmo que, como iniciados, saibamos que estas coisas são apenas crenças, modos de ver o mundo.
Não há morte para o Iniciado, apenas Transição.
Esta é a nossa crença como rosacruzes. Essa era a crença de SM ("Não conheço dois tipos de vida, mas apenas uma Vida").
Mas aqui na Carne, lutamos e lidamos com forças culturais muito poderosas e estudar Misticismo é desaprender e descondicionarmos-nos de tudo que aprendemos a entender como real, todos os dias.
Nossa visão do Mundo em parte como Bom e em parte como Mal é uma dessas coisas que, ao Místico Iniciado, não é permitido.
Toda a Criação é Obra de Deus.
Portanto ver, no seio de Deus, espaço para o Mal, advém mais de uma limitação de nossa percepção do que do fato de ser assim, realmente.
Deus não é o Bem, o Belo, o Justo, nem é o Mal, o Feio e o Injusto.
Deus é Deus.
Falta-nos portanto iluminação e serenidade para olhar a criação com desassombro e não como algo hostil à nós, mesmo testemunhando como testemunhamos em Maya, a Ilusão, tantos eventos tristes e desalentadores, em nossa concepção.
Repito, isto nada tem a ver com o mundo, mas com o Observador e com a mente do Observador, que somos nós.
Mude a Mente, e a Paisagem também se transformará.
Tudo continuará do jeito que é, mas ao mesmo tempo estará completamente diferente.
Vou reproduzir uma parábola Zen que está no livro de Osho, "A Jornada do Ser Humano: É possível encontrar a felicidade real na vida cotidiana?", da série "Questões Essenciais", Ed. Academia, página 8.
Diz a parábola:
"Perguntaram a um monge Zen: "O que voce costumava fazer antes de se tornar um iluminado?"
E ele respondeu:" Eu costumava cortar madeira e carregar água do poço."
E então lhe perguntaram:" E o que voce faz agora que se tornou um iluminado?"
E ele respondeu:" Eu corto madeira e carrego água do poço."
O questionador ficou confuso e disse:" Então parece não haver diferença."
O mestre disse:" A diferença está em mim. A diferença não está em meus atos, a diferença está em mim - mas porque eu mudei, todos os meus atos mudaram. Sua importância mudou: a prosa se tornou poesia, as pedras se tornaram sermões e a matéria desapareceu completamente. Agora há apenas Deus e nada mais. Para mim a vida agora é uma libertação, é o Nirvana."
Veja que interessante.
Eu me identifico muito com esta perspectiva.
Agora imagine um monge Zen lendo SM.



É mais ou menos o que acontece comigo. Eu acredito que a mente é senhora do real ou da concepção de realidade das coisas.
SM faz suas elaborações a partir do pressuposto de que tudo que ocorre neste mundo é absolutamente real, e que a mente de cada um não vê as coisas de um modo próprio, mas que todas as pessoas experimentam a realidade da mesma forma.
No século XVIII, não havia nenhum conceito de perspectiva mental, ninguém cogitava alguma importância à mente, mas o Corpo era o objeto de atenção de todos os religiosos e pensadores místicos, e na maioria das vezes, vendo no corpo e no mundo material um problema e não uma solução, um obstáculo ao crescimento espiritual e não um instrumento para este mesmo crescimento, como vemos, ou pelo menos como eu vejo, agora.
Se lá atrás, eu citei que a base do pensamento de SM é a noção, em primeiro lugar, de uma relação com Deus através do temor e do tremor, às vezes do Terror, e que , para ele, SM, em segundo lugar, o mundo do Céu e o da Terra são absolutamente diferentes, em terceiro lugar ele, como todos os pensadores ocidentais, acredita que o Mal existe de per si e não porque a Mente vê o Mal no mundo.
Para os pensadores de base católico judaica, o Mal vem de fora e não de dentro.
Para o Zen, ao contrário, tudo, bem e mal, beleza e feiura, e aliás, o Paraíso e o próprio Inferno, estão dentro de nós.
Só que isto não está claro para nós por causa da mente impossibilitada de enxergar com serenidade. É como a doença dos olhos conhecida como "Catarata".



Ela causa cegueira, mas é uma cegueira reversível.
Retire-se o cristalino opacificado e substitua-o por uma lente limpa e transparente e o mundo a nossa frente ressurge, belo e colorido.



O mundo não estava turvo, nem havia deixado de existir: nós é que não conseguíamos vê-lo.
Nossa mente perturbada pela ignorância provocada pelo seu mergulho na carne, precisa ser restaurada ao grau de transparência para que a luz entre e saia de forma livre e desimpedida.




E para isso, precisamos da meditação, constante e regular, de forma a serenar a Mente, Chitta, e colocá-la em condições de ver sem as distorções das opacidades da falta de paz interior, a tal da paz profunda que todos os rosacruzes desejam uns aos outros quando se encontram.
Só neste estado de serena e profunda paz, começamos a ver as coisas da forma certa. E as imagens tornar-se-ão muito mais agradáveis e em nada ameaçadoras.




Estaremos finalmente pacificados e sem temor, e seguraremos em nossas mãos o cálice sagrado do Cristo, o "Hole Graal" que todos buscamos.
Voce lembrou bem, em SM, existe uma ênfase muito grande na importância da Angústia, não na Paz Profunda. É uma questão de foco, de dar atenção a Luz ou às Trevas.
Eu foco na Luz, já que o Sol sempre gera sombra, mas a sombra não é o problema, ela pode até servir para descansarmos da inclemência do calor do Sol. A sombra é uma vicissitude, uma decorrência da Luz, não um problema a ser resolvido, mas um efeito inevitável em um mundo dual.
Vamos tentar olhar com serenidade para esta dualidade. Não devemos sofrer com ela porém compreendê-la, e evitar a angústia por causa disso com a Paz Profunda dos rosacruzes, ou com o estado de indiferença santa, do Zen.