por Mario Sales
É este “pensamento mágico” que afasta o Iniciado da Verdadeira Magia. É esta falta de critério ao lidar com o mundo e, principalmente, consigo mesmo, que leva as pessoas a serem vítimas de eventos ditos inesperados, mas que são, antes de qualquer coisa, consequências da imprudência.
É preciso olhar a história dos Místicos e do Misticismo para entender que não é assim, e que toda essa crença de indestrutibilidade e esse complexo de super-homens que afeta muitos místicos e esoteristas só tem uma única razão: imaturidade psicológica.
Trecho do ensaio “O 3° DEGRAU”
Quando comentei neste trecho sobre a “história dos
místicos e do Misticismo” eu pensava no destino triste de John Dee, vítima de um
charlatão que abrigou como se fosse um amigo, e no final da vida, do Chanceler
Francis Bacon, preso por quatro dias na Torre de Londres, acusado de ter
cometido um crime ao fazer algo que todos faziam em sua época, e de como aceitou
estoicamente este problema, aparentemente de modo digno.
Digo sobre Bacon, aparentemente, porque não tenho e
acredito que ninguém tenha, relatos confiáveis sobre seu estado de ânimo nos
quatro dias que passou na prisão. Detalhes sobre seu estado emocional, sua
maneira de encarar os rigores e as limitações de nunca mais poder exercer um
cargo público são desconhecidos, mas decerto não foram dias de alegria, tendo
sido como foi um nobre e um homem de importância na estrutura do estado inglês.
Citei ambos, Dee e Bacon, porque ambos sofreram já em
idade avançada, graves problemas pessoais, psicológicos e jurídicos, mas eu
poderia aumentar a lista de místicos classificados como importantes que também
tiveram sua cota de sacrifício e dor. E eu me concentrarei naqueles que não
tinham ligações com organizações religiosas que ao longo do tempo
especializaram-se em fazer dos sofrimentos de seus mártires, propaganda de seus
dogmas e valores, num verdadeiro culto da dor como algo que, em sua
perspectiva, reforça a ideia de santidade.
Não. Ficarei com aqueles mais discretos, esoteristas e
místicos não religiosos.
Nesta lista entram o Conde de Cagliostro, também
falecido na prisão do Castelo de São Leo; Lavoisier, rosacruz decapitado durante a
Revolução Francesa; ou Hipatia de Alexandria, neoplatonista, filosofa e astrônoma
no Egito Romano, ultima diretora da Biblioteca, morta por fanáticos religiosos
cristãos a mando do Bispo Cirilo, depois canonizado pela Igreja.
Ao que parece uma vida dedicada ao conhecimento não é
garantia de serenidade ou de paz na velhice ou mesmo em qualquer fase da
existência.
Não é isto, no entanto, que o “pensamento mágico”
propaga. Ele cria a distorção de percepção de que o conhecimento esotérico nos
defende dos problemas cotidianos, doenças, transtornos sociais e jurídicos.
Lembro-me que Spencer Lewis teve que, várias vezes,
responder em juízo a acusações variadas, fruto da inveja e da ignorância acerca
da importância de seu trabalho.
Até hoje (veja-se como exemplo um texto tendencioso cujo
título é “Os Rosacruzes, esses Invisíveis” de um erudito inglês, que acusa
Lewis de ser apenas um publicitário enganador) ele é alvo de ataques descabidos,
considerando o resultado de seu trabalho e a força da AMORC no século XXI. Seu
bom senso e prudência nunca fizeram dele alguém famoso. Ganha mais destaque na mídia
mundana aqueles que abraçam causas extremistas, os quais são mais fáceis de
vender como imagens, sejam como exemplo da perversão mais completa ou da
santidade mais artificial.
A imprensa mundana não conhece o meio termo, o equilíbrio.
Afinal isto não vende revista.
Só que meu foco não é este. Minha preocupação é
discutir nossa fragilidade como seres humanos, nós, os místicos, junto com nossas fantasias de fortaleza.
Não há Magia ou Poder que nos proteja de nosso Karma,
se este Karma for algo não muito agradável.
Vidas como a de Isaac Newton, cientista inglês e
rosacruz, dedicado que foi em toda a sua existência ao conhecimento e a
ciência, que conheceu glória e fama em vida, e ao que se sabe jamais passou por
problemas pessoais muito importantes, são raras.
O próprio ato de dedicar-se ao Misticismo traz algumas
consequências óbvias a quem o faz. Primeiro, transforma a maneira deste
indivíduo de ver o mundo a sua volta. Sua consciência e crença na existência de
um plano diretor por trás de todas as coisas faz com que ele procure causas
aonde alguns vêem apenas acaso.
E se essas causas não são claras ou aparentes sua
angústia por sua própria ignorância aumenta.
A dor sem sentido dói muito mais.
O que verdadeiramente nos aflige não é o sofrimento,
mas o sofrimento sem um significado claro, aparentemente ligado ao que os
profanos chamam de “falta de sorte”, algo que a maioria dos místicos,
ingenuamente, supõem estarem protegidos por suas crenças.
Neste ponto, místicos e religiosos são parecidos.
Vêem a relação com as forças espirituais do Universo
como uma troca, em que o crente oferece sua devoção e suas preces e estas
forças, sejam Anjos, Mestres Cósmicos ou o próprio Deus Vivo devolvem sua
proteção contra as mazelas da existência cotidiana.
Esta atitude está presenta no salmo 91 ou 92 em
algumas Bíblias, aonde a prece estabelece, magicamente, que esta proteção
estará lá, desde que o crente se mantenha firme em sua fé.
O problema, entretanto, está exatamente nesta Fortaleza
moral que, embora indiscutivelmente nobre, pressupõe um caráter cada vez mais
raro entre os seres humanos, fragilizados pela pulverização dos valores nesta
época pós-moderna, ou como diria Zygmunt Bauman, nesta sociedade “líquida”, que
de maneira vertiginosa escapa de nossas mãos e sobre a qual não temos nenhum
controle.
Aliás, controle é a palavra-chave.
O que o místico imaturo, travestido de mago
contemporâneo, deseja, antes de tudo, é controle sobre os acontecimentos: em
uma palavra, previsibilidade.
E o que existe de fato é esta imprevisibilidade inerente à existência a qual talvez seja uma das expressões mais notáveis da fragilidade humana.
Marcelo Gleiser em seu último texto em português, “A Ilha
do Conhecimento”, relembra:
“...não é de todo surpreendente que a regularidade é costumeiramente
associada ao bem e a irregularidade ao mal: com isso, os fenômenos naturais
ganham uma dimensão moral que, através da divinização da natureza, (no passado) refletia
diretamente a ação de deuses intangíveis”
E continua: “ A repetição acalma e conforta. ”
Embora nós, místicos, se temos uma situação social e psicológica
estável, oremos pela manutenção do nosso "Status Quo" à Deus, a única coisa que
podemos ter certeza na vida é de que tudo passa e se modifica.
É essa a lição do Budismo mais importante: a impermanência.
É essa a lição do Budismo mais importante: a impermanência.
Relacionamentos, situações e até a própria existência
física escapam de nós como água entre os dedos.
E se, mesmo o homem Deus conheceu a humilhação, a dor
e a Morte, mesmo que em apenas 3 dias dos seus 33 anos de vida física, nenhum
de nós pode supor que nossa existência está magicamente protegida da desdita e
das dificuldades.
Existem situações que desafiam a mais elaborada
preparação. E aí precisamos mais do que tudo de resiliência, este conceito tão
em voga, de ser capaz de suportar as agruras da existência com elegância e equilíbrio, o substituto atual de uma
antiga palavra e virtude, a fleugma.
Dificilmente hoje em dia encontramos pessoa de caráter
fleugmático, elegante, resiliente.
Não se espera que o indivíduo fleugmático sofra menos
que aquele que não o é, mas sua demonstração e suas reações são diferentes.
Embora a tentação seja grande ele não se desespera,
porque sabe que isto em nada o auxiliará. Não tem a coragem dos Heróis
míticos, apenas a serenidade das pessoas de bem, e suporta seu destino com a
resignação das pessoas dignas, sem se acomodar aos problemas e, mesmo aceitando
sua situação interiormente, luta com todas as suas forças para superar seus
problemas.
O homem ou a mulher fleumática não são, portanto,
pessoas ideais, mas apenas seres humanos mais raros, que não se vitimizam, que não
aceitam a pecha de mais sofredores, já que todos nós, que estamos vivos, temos
problemas a resolver.
E até Newton deve ter tido os seus, dos quais,
historicamente, não fomo informados.
A força dos místicos está no seu comprometimento com
valores e posturas dignas que não são privilégio ou prerrogativas de um
místico, mas de qualquer ser humano digno, iniciado ou não.
Como dizia uma velha amiga, existem aqueles que foram
autorizados pelo Alto, e não pelos homens, que já trazem uma bagagem espiritual
que os diferencia nesta encarnação antes mesmo que vivam suas vidas atuais.
A maioria dos Místicos não conseguem acreditar em sua
própria força interior porque nunca a conheceram e, quando são iniciados, não
conseguem perceber a importância e a força das promessas que a iniciação lança
sobre suas existências, porque esta força lhes é psicologicamente estranha.
Mesmo que as palavras sejam ditas, no ritual, não as escutam, porque seus ouvidos não estão prontos para ouvir, nem vêem as possibilidades que lhes são mostradas, porque não estão prontos para ver.
Mesmo que as palavras sejam ditas, no ritual, não as escutam, porque seus ouvidos não estão prontos para ouvir, nem vêem as possibilidades que lhes são mostradas, porque não estão prontos para ver.
A iniciação não transforma todas as pessoas, só aquelas
que estão prontas para serem transformadas.
Na grande maioria dos casos ser iniciado representa apenas mais um passo, mais um degrau
na escada de ascensão deste indivíduo, não à um nível de percepção mística
melhor, mais à um patamar psicológico de maior maturidade e autoconfiança.
Autoconfiança que não vem da experiência mística ou da
prática mística, mas de um amadurecimento interior moral e mental. É esta autoconfiança
que melhora a prática mística, e não ao contrário, se bem que ambos os aspectos
interajam. Como disse em um ensaio anterior, a iniciação é um tipo de
psicoterapia esotérica, assim como a psicoterapia é uma espécie de iniciação
profana.
Ambas visam a transformação do indivíduo por abordagens
emocionais de suas personalidades.
A vida, difícil e instável como é, demanda este
conhecimento e este diferencial.
A maturidade emocional, traz resiliência e aceitação.
Só ela nos protege contra a revolta e o desespero e
garante alguma serenidade a nossas existências.
A maturidade não é uma consequência do conhecimento
esotérico do Mago. Ela é o verdadeiro diferencial de qualidade da Magia e do
Mago em si.
Parabéns caro Mário! Que texto inspirado. Vinha meditando sobre o assunto durante a semana, mas não de uma forma tão clara como conseguiste transmitir. Excelente. Fraternal abraço
ResponderExcluirGostei muito desse trabalho, exatamente como eu me sinto, em relação a "pensar" sobre a vida e as razões de muitas coisas acontecerem, muitas das coisas que vejo acontecerem ou que irão acontecer, me deixa em estado de reflexão muito grande, aprendo muito mais com os motivos do que com a causa ou o problema em si, vejo nosso presente e futuro como uma grande roda da fortuna, ou roda do darma e karma, porém desta vida mesmo, acredito que apesar de complexa, a vida é muito simples para pessoas com coração e mente abertas, mas como buscadores, sempre estaremos nessa busca incansável, de nos encontrarmos dentro de nós mesmos.
ResponderExcluirAbraços.
Vagner Augusto.