Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

terça-feira, 19 de maio de 2020

PORQUE OS MESTRES NÃO IMPEDIRAM A INVASÃO DO TIBET?


Por Mario Sales


                                               
            

 KU-THU-MI  


  

                                                                            EL MORYA 

Tenho acompanhado as Lives da Sociedade Teosófica Brasileira acerca das Cartas dos Mahatmas, que vem a ser o documento que mais me fascina em toda a literatura teosófica.
A Doutrina Secreta é um livro vasto, denso, obscuro muitas vezes, e que segundo os teósofos oferece um sem número de informações preciosas, às vezes proféticas, em relação a realidade por trás do que normalmente vemos, ouvimos e tocamos; mas todas essas coisas invisíveis, vagas, me parecem muito distantes do real, pelo menos do real ordinário, para que me fascinem tanto quanto os relatos das cartas escritas por Morya e Ku Thu Mi para Sinnett e Hume, na Índia no século 19.

                        
  Sinnett 



   
                                                                                  Hume

Uma das razões para esse fascínio pelas cartas tem a ver com o fato de serem documentos extremamente humanos, que discutem exatamente as paixões, as dificuldades dos aspectos morais ligados a vida de um iniciado, de um adepto ou de um homem comum.
Na verdade, o que dificulta a vida do místico, segundo os próprios mestres dizem, são suas crenças pessoais, suas atitudes psicológicas, isso é, o confronto da busca da iluminação com a limitação de estar no corpo humano, sujeito às oscilações hormonais, ao medo da morte física e do sofrimento, em uma palavra, o medo da dor.



SERAPYS BEI, um dos mestres do núcleo egípcio

As cartas, aliás, discutem dores de várias naturezas, principalmente as dores de natureza moral. Falam inclusive dos problemas que Blavatsky teve que enfrentar quando sua própria honra foi afetada, numa época que honra era considerado uma coisa importante.




Não me entendam mal: isto não significa que eu ache que hoje, não ser honrado não seja ainda algo fundamental para a vida em sociedade; no entanto, dar importância à maledicência das pessoas já não tem a força, pelo menos para a maioria dos seres humanos, que tinha na época do século XIX. Palavras infelizes, comentários agressivos, infelizmente, fazem parte do dia a dia de nossa imensa sociedade de 7 bilhões de pessoas.
Se fossemos valorizar acusações infundadas, (principalmente aquelas que não se transformam em problemas legais), eivadas de sentimentos negativos, marcadas mais pela inveja e pela ignorância do que por fatos objetivos, provavelmente enlouqueceríamos. Não é viável, para uma pessoa equilibrada, dar atenção a essas coisas.
A exposição pública traz esse tipo de situação, por isso compreendo muito bem que os mestres tenham essa obsessão pelo anonimato e pelo silêncio para que possam viver em paz, não permitindo que outras pessoas menos capazes suponham que estão à disposição para quaisquer tipos de indagações, consultas ou serviços pessoais.
Existe, entretanto, uma coisa que me incomoda sobremaneira, principalmente nas últimas semanas, e essa coisa é a seguinte: durante as Lives da STB fala-se muito do poder dos mestres, da sua capacidade de materializar objetos e de fazer contatos telepáticos a uma distância gigantesca, como se essas coisas fossem as mais importantes em relação a esses homens.
Minha dúvida é que já que são homens de poder imenso, mental, por que permitiram que o TIBET fosse invadido? Como homens tão importantes, sempre preocupados com a paz mundial, que relatam nas cartas estar sempre envolvidos em negociações para evitar guerras e confrontos, não conseguiram fazer com que o TIBET fosse poupado das barbaridades que a China comunista fez, com a destruição de centenas de templos de mosteiros e o assassinato de centenas de monges? Porque não impediram a subjugação da Cultura Tibetana ao padrão de pensamento chinês, situação no mínimo paradoxal, se levarmos em consideração que o TIBET era a casa desses mesmos mestres?



Parece um enorme buraco na muralha, uma falha numa narrativa que, a primeira vista parece linear, mas que, na verdade, tem esse paradoxo pouco esclarecido.
Como as Cartas dos Mahatmas se encerram em 1900 e a invasão do TIBET acontece em 1950 anos precisamos indagar se nestes 50 anos, um espaço de tempo pequeno para a vida dos mestres eles, de alguma forma, se mudaram de lá, ou entregaram o país à própria sorte por alguma razão kármica, que não me vem a mente como explicar.
Porque estados de sofrimento intenso geralmente estão ligados a punição da soberba, do orgulho, ao uso inadequado dos poderes mentais etc., etc., etc.
Não me parece ser o caso do TIBET, habitado por pessoas simples, tementes a religiosidade, altamente espiritualizadas, mesmo na sua simplicidade, e que dedicaram toda a existência a preservar os registros das civilizações terrestres exatamente da sandice de hordas bárbaras como aquelas do exército chinês.
É uma coisa que me incomoda profundamente, e não vejo nenhum tipo de reflexão a cerca desse dado, talvez devido a uma questão de natureza até pseudo religiosa. Muitos encaram os mestres ascensos como deuses ou seres aos quais deve-se prestar alguma reverência, de natureza templária, coisa que eles mesmos pediram para que não acontecesse, insistindo em desmentir tal coisa como uma prática saudável, já que por várias vezes, através de vários exemplos nas cartas, eles deixam claro que são homens comuns que atingiram o mais alto nível de evolução espiritual.
Então, é interessante colocar em aberto esse tipo de questionamento: por que o TIBET foi invadido? Por que tal tragédia foi permitida? Por que o Dalai Lama está exilado de seu próprio país, vivendo na Índia, sem a capacidade de reinar sobre o povo que tanto o respeita e admira?
São dúvidas que me vem ao espírito, para as quais não tenho resposta; e se alguém puder me auxiliar aceite minha eterna gratidão.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

O VINHO SOLITÁRIO


Por Mario Sales



Talvez o que mais machuque além das mortes desta pandemia seja a solidão.
A solidão em si não é algo ruim. O que incomoda e entristece é a proibição de compartilhar.
Vejam esta taça de vinho a minha frente.
O sabor, tomada solitariamente, sem os companheiros das quintas feiras, não é o mesmo.
Compartilhar o vinho verdadeiramente lhe acrescenta paladar e êxtase. E embora trate-se de um belíssimo vinho italiano, o Lucarelli Puglia Rosso, amarga um pouco na minha boca que tantas vezes para ele só teve elogios.
Nada existe sem um contexto que lhe dê sentido. A consciência é doadora de sentido, diz Husserl.
De fato. E complemento, a consciência costuma enriquecer esse sentido desde que existencialísticamente considerada. É no ambiente social, no dividir com os amigos mais queridos e estimados as sensações e as experiencias que estas ganham dimensão e importância, ou melhor, ganham esta importância de uma forma mais exuberante, mas muito mais exuberante, do que se estivéssemos a sós, com nossos pensamentos, passando por este momento.
O vinho é o exemplo disso. O sabor do vinho está na amizade e no compartilhamento.
Ninguém toma uma taça de vinho, como supõem os néscios, para embriagar-se. Bebe-se vinho com os amigos para aprofundar afetos, melhorar o humor e repartir o ônus e o bônus de viver. Que importa a existência solitária? Que importância tem o santo isolado e sem estar exposto as tentações?
Não, é preciso participar do processo social e ali resgatar a essência do viver e principalmente do con-viver, razão da vida social e mola da evolução e do aperfeiçoamento psicológico e humano.
O outro não é o inferno, como pensava Sartre; o outro é fundamental.
Precisamos uns dos outros como o beduíno da água no deserto. Amigos ou adversários, companheiros de existência, marcam nossos referenciais espaço temporais e emocionais.
É pela forma que con-vivemos que definimos até onde podemos chegar, quanto tempo levaremos para isso e quais emoções precisamos aperfeiçoar para a viagem.
Pessoas são referenciais, placas que nos auxiliam nas muitas bifurcações da estrada a optar por este ou aquele trajeto.
Impedem nosso livre arbítrio, pois relacionar-se é constranger-se ao possível e não fazer o desejado, nas ao mesmo tempo auxiliam no arbítrio entre as opções que nos são apresentadas a todo momento.
Paradoxo. Escolhemos e ao mesmo tempo não podemos escolher senão aquilo que escolhemos, pois em cada escolha pesamos o passado e o presente de nossos relacionamentos, os exemplos que testemunhamos e as experiencias que dividimos com outras pessoas.
Caminhos solitários são paralisantes. É preciso correr riscos nos relacionamentos com outros, junto com estes outros e como Kiekegaard lembra, “arriscar-se é perder o equilíbrio por um tempo, mas não arriscar-se é perder-se a si mesmo para sempre.”
E esse risco chama-se existir em relacionamento, com instituições sim, mas principalmente com pessoas, que como eu disse, dão sabor ao vinho e a vida.
Ser obrigado a não ver aqueles que amamos é não só torturante, mas antinatural.
Este é um dos grandes males deste vírus amaldiçoado, provocar um forçoso exilio existencial.

NÃO, NÃO MELHORAREMOS


Por Mario Sales




Então o Senhor arrependeu-se do mal que dissera que havia de fazer ao seu povo.
E virou-se Moisés e desceu do monte com as duas tábuas do testemunho na mão, tábuas escritas de ambos os lados; de um e de outro lado estavam escritas.
E aquelas tábuas eram obra de Deus; também a escritura era a mesma escritura de Deus, esculpida nas tábuas.
E, ouvindo Josué a voz do povo que jubilava, disse a Moisés: Alarido de guerra há no arraial.
Porém ele respondeu: Não é alarido dos vitoriosos, nem alarido dos vencidos, mas o alarido dos que cantam, eu ouço.
E aconteceu que, chegando Moisés ao arraial, e vendo o bezerro e as danças, acendeu-se-lhe o furor, e arremessou as tábuas das suas mãos, e quebrou-as ao pé do monte;
E tomou o bezerro que tinham feito, e queimou-o no fogo, moendo-o até que se tornou em pó; e o espargiu sobre as águas, e deu-o a beber aos filhos de Israel.
E Moisés perguntou a Arão: Que te tem feito este povo, que sobre ele trouxeste tamanho pecado?
Então respondeu Arão: Não se acenda a ira do meu senhor; tu sabes que este povo é inclinado ao mal;
E eles me disseram: Faze-nos um deus que vá adiante de nós; porque não sabemos o que sucedeu a este Moisés, a este homem que nos tirou da terra do Egito.
Então eu lhes disse: Quem tem ouro, arranque-o; e deram-mo, e lancei-o no fogo, e saiu este bezerro.
E, vendo Moisés que o povo estava despido, porque Arão o havia deixado despir-se para vergonha entre os seus inimigos,
Pôs-se em pé Moisés na porta do arraial e disse: Quem é do Senhor, venha a mim. Então se ajuntaram a ele todos os filhos de Levi.
E disse-lhes: Assim diz o Senhor Deus de Israel: Cada um ponha a sua espada sobre a sua coxa; e passai e tornai pelo arraial de porta em porta, e mate cada um a seu irmão, e cada um a seu amigo, e cada um a seu vizinho.
E os filhos de Levi fizeram conforme à palavra de Moisés; e caíram do povo aquele dia uns três mil homens.


Exodo, 32: 14-28

Seria ingênuo se supuséssemos inevitável pós pandemia de 2020 um upgrade positivo da humanidade.
A desgraça do ser humano é se esquecer.
Sua capacidade de não usar as oportunidades de mudança em seu proveito é notável.
Não será um esquecimento rápido, as sequelas permanecerão por algum tempo. O luto e o impacto de perdas, emocionais e econômicas ainda por meses.
Tudo, entretanto, passa. E até para que a vida se torne suportável, o esquecimento se inicia.






Lenta, mas decisivamente, pouco a pouco as atrocidades e tristezas vão desaparecendo da memoria e da mesma maneira que a chacina dos judeus na segunda guerra, ou as milhares de mortes do khmer vermelho, nos anos 50 e 60 do século XX, ou a tragédia da guerra da Bósnia nos anos 90, tudo parecerá distante e estranhamente difícil de crer que tenha acontecido.
Como o ataque às torres gêmeas em Nova Iorque em 2001.
O tempo, já se disse, é um ácido altamente corrosivo, que destrói sem piedade lembranças, certezas e convicções.
Somos capazes de esquecer qualquer coisa, até de que Deus, no qual deveríamos depositar nossa confiança e reverência, pois vemos e ouvimos seus sinais, está ao lado, na montanha, da qual o profeta retornará com seus desígnios impressos na pedra, não no papel.
Temo que novamente, quando o profeta retornar, encontre-nos de novo nus e dançando em volta do bezerro do momento, tenha ele a forma e a natureza que tiver.
Não, não melhoraremos depois de tudo.
Estaremos diferentes sim, mas melhores em nossa capacidade de amar e ter empatia pelo próximo, isso ainda levará algum tempo.


terça-feira, 12 de maio de 2020

O ISOLAMENTO E O FOCO


Por Mario Sales


São João da Cruz
SALMO 88

Ó, SENHOR, meu Deus e Salvador, dia e noite, na Tua presença, eu clamo a Ti.
Ouve a minha oração; escuta o meu grito pedindo socorro.
Pois as aflições que caíram sobre mim são tantas, que já estou perto da morte.
Sou como aqueles que estão para morrer; já perdi todas as minhas forças.
Estou abandonado no meio dos mortos; sou como os soldados mortos jogados nas covas;
Sou como aqueles que foram completamente esquecidos por Ti e que não tem mais a Tua proteção.
Tu me atiraste no mundo dos mortos, lá no fundo, na escuridão.
A Tua ira pesa sobre mim, e as Tuas ondas me esmagam.
Tu fizeste com que os meus amigos me abandonassem e olhassem com nojo para mim. Sou como o preso que não pode escapar.
Tenho sofrido tanto que quase já não enxergo. Ó Senhor Deus, dia após dia eu te chamo e levanto as mãos em oração.
Será que fazes milagres em favor dos mortos? Será que eles se levantam e te louvam?
Será que no mundo dos mortos se fala do Teu amor?
Será que naquele lugar de destruição se fala da Tua fidelidade?
Será que naquela escuridão são vistos os Teus milagres?
Será que na terra do esquecimento se pode ver Tua fidelidade?
Ó Senhor Deus eu Te chamo pedindo ajuda; todas as manhãs eu oro a Ti.
Por que me rejeitas, ó Senhor? Por que Te escondes de mim?
Desde moço tenho sofrido e estado perto da morte; ando esgotado com o peso dos Teus castigos.
A Tua ira e o Teu furor caem sobre mim; os teus ataques terríveis acabam comigo.
O dia todo eles me cercam como uma enchente; eles me rodeiam por todos os lados.
Tu fizeste com que os meus queridos e meus vizinhos me abandonassem, e agora tenho como companhia a escuridão.


Bíblia Sagrada, Ed Paulinas, nova tradução na linguagem de hoje,2006

Estamos todos, por causa da pandemia deste ano, aprisionados em nossas casas, impedidos de ver uns aos outros, a não ser por artifícios tecnológicos que nos permitem ver-nos sem tocar-nos.
Achamos que isto nos constrange, que nos angustia e tortura. Foi inevitável na minha cabeça a comparação com os sofrimentos de outro prisioneiro, que seria mais tarde o guia dos que estão isolados da sociedade, não por algum constrangimento externo, mas por opção e perfil pessoal.
Falo de São João da Cruz, o guia da vida monástica, aquele que ao escrever sobre a vida retirada inspirou e ainda inspira monges e freiras.
Nem de longe nosso isolamento pode ser comparado às dificuldades físicas que acompanharam este monge, em 1577.
Eis um resumo: “Na noite de 2 de dezembro de 1577, um grupo de carmelitas contrários às reformas invadiram a casa de João em Ávila e o prenderam. Ele havia recebido ordens de alguns superiores contrários às suas ideias a deixar Ávila e voltar para sua casa original, mas ele se recusou alegando que seu trabalho havia sido aprovado pelo núncio espanhol, uma autoridade superior, o que resultou em sua prisão. Ele foi levado para um mosteiro em Toledo, que era, na época, o mosteiro carmelita mais importante em Castela, abrigando provavelmente uns 40 frades. João foi acusado de desobedecer às ordens de Placência e, apesar de seus argumentos, acabou sendo condenado à prisão. Encarcerado no mosteiro, João foi mantido sob um regime brutal que incluía uma surra de chicote em público ao menos uma vez por semana e um isolamento completo numa cela minúscula (3m x 2m) que mal abrigava seu corpo. Com exceção das raras ocasiões nas quais recebia permissão para utilizar uma lamparina, João era obrigado a subir num banco para conseguir ler seu breviário utilizando a luz que escapava do cômodo vizinho através de um buraco na parede. Ele não podia trocar de roupas e era alimentado apenas com pão, água e restos de peixe salgado. Foi neste período que João compôs grande parte de seu famoso poema "Cântico Espiritual" (além de outros menores) em papel fornecido por um outro frade que era encarregado de vigiar sua cela. João finalmente conseguiu escapar nove meses depois, em 15 de agosto de 1578, através de uma pequena janela que existia na cela vizinha depois de conseguir soltar as dobradiças da porta de sua cela.”
Meu computador vara a noite produzindo palavras e textos de forma ininterrupta, limitado apenas pela minha disposição e lucidez. Ao contrário de João, que nem papel conseguia com facilidade, isto não me torna mais produtivo. É impressionante que naquelas condições, “João compôs grande parte de seu famoso poema "Cântico Espiritual" (além de outros menores) em papel fornecido por um outro frade que era encarregado de vigiar sua cela.”
Existem relatos em várias partes da literatura que atestam o papel inspirador da miséria física na elaboração da boa literatura espiritual, se bem que, a história do misticismo sugere que iluminados não são escritores ou mesmo descritores de suas próprias percepções elevadas. Suas vidas são um doar-se tão constante que qualquer interrupção para registrar seus princípios éticos e espirituais seria como uma represa em um fluxo por natureza ininterrupto em direção ao oceano cósmico.
Outros que ao contemplarem as suas águas límpidas e seu ritmo inexorável o descrevam. A natureza do iluminado é fluir e permitir em si mesmo este fluxo.
Cristo, Buda, Isaac Luria e mesmo Sócrates tiveram seus evangelistas e relatores, que os imortalizaram em textos até hoje vigorosos e admirados, como em um desdobramento compulsório da presença e passagem desses iluminados pelos locais aonde passaram.
De qualquer maneira, não são condições materiais ideais que promovem o bom trabalho intelectual, mas um determinado estado de espírito que requer concentração e determinação, em uma palavra, foco.
Tudo que me dá conforto me distrai. Não sou favorável ao faquirismo, esclareço, mas a vida espartana tem seu valor psicológico, no sentido de reduzir todos os fatores que possam dificultar a manutenção estável de nossa concentração.
Patânjali, o codificador do Yoga, descreveu o Ashtanga Sádhana, o Caminho de oito partes. Os quatro últimos formam um conjunto de fases ascendentes até o estado de despertar da consciência, temporário ou definitivo, o Samadhi. A concentração, Dharana, é o segundo desses quatro passos, e antecede o estado meditativo, Dhyana. O primeiro desses últimos 4 passos é Prathyahara, a Abstração, retirar a atenção das coisas a nossa volta para alcançar um estado de foco adequado em um único ponto. Tudo que não seja este ponto é seu adversário, seu inimigo, luta contra ele e contra a estabilidade de nossa atenção. São a periferia da Mandala à frente do meditador, a mesma periferia que deve tornar-se cada vez mais difusa e invisível, até que desapareça por completo e reste apenas o centro do mesmo Mandala, tão somente o centro, o nosso verdadeiro foco. Aí sim, passamos ao período de ascensão gradual, aonde a perfeição de um estado leva a outro. Perfeita abstração é igual a concentração. Perfeita concentração é igual ao estado de Meditação. Perfeito estado meditativo, é igual a despertar da consciência, mergulhar no todo, esquecer-se de si mesmo.
É possível fazer alguma coisa nesse estado de abandono, de ausência de identidade pela identificação com o Altíssimo? Experiências como a de São João sugerem que sim. Sem conforto, com fome, cansado, sendo açoitado uma vez por semana, ainda assim com pedaços de papel conseguidos a duras penas, São João da Cruz escreve e cria sua obra mística que depois iria aperfeiçoar. Só consegue escapar nove meses depois, o mesmo tempo necessário a geração da criança no ventre de sua mãe, como numa reprodução simbólica da maternidade. O que nasce aqui, no entanto não é corpo, mas espírito; não é a carne, mais a alma, e junto com ela um diário desta gestação resumido no chamado “Cântico Espiritual”, sua obra do cárcere.
Tudo que nos dá conforto, nos distrai, nos prende ao mundo dos sentidos, fortalece em nós a ideia de que “sim, somos o corpo”, e não que “estamos no corpo”, temporariamente. Não é a matéria que nos prejudica, mas a distração que ela nos causa, impedindo o foco correto no espirito, que não implica, como demonstra a historia de João da Cruz, na inação, na aceitação passiva das circunstancias adversas, mas que pode sim ser ambiente propicio ao surgimento da beleza.
Quem já teve a curiosidade de estudar as diversas fases de formação do feto sabe que a forma final que a criança apresenta no dia do parto foi o resultado de mudanças progressivas que atravessam fases algumas das quais em nada nos lembraria um ser humano. Olhos esbugalhados e afastados, cabeças gigantescas em relação ao corpo, proporções que vão se ajustando ao longo das semanas até que a criança está pronta para a aventura for a do útero.
Processos que em momento algum podem ser interrompidos, cumulativos, com um único objetivo: a preparação do corpo para a vida em ambiente aéreo, respirando não líquido, mas ar.
Assim também o espírito atravessa processos preparatórios à iluminação, fases nas quais o foco é apenas um: a evolução. Todas as experiências visam apenas a Ascenção da consciência aos níveis que a atraem desde que chega a este mundo, arrastada pela imensa saudade da Unidade que já conhecera antes desta experiência de aparente autonomia e independência.
O mesmo João da Cruz que encontrou forças e foco para resistir a esta gestação moral nestes nove meses entre 1577 e 1578, descreveu com brilhantismo em sua obra literária a Noite Negra da Alma, o momento mais escuro que o espírito atravessa antes da iluminação, a angustia comparável a do corpo no canal do parto, na hora de sua expulsão do corpo de sua mãe.
Antes protegido, aquecido, mergulhado em líquido, o feto é trazido a um meio ruidoso, ofuscado por uma luz desconhecida, e tem seus pulmões inflados de modo súbito pelo processo de respiração.
Sair do estado material para o espiritual é da mesma maneira um brusco salto qualitativo, após um longo acumular quantitativo, um salto que, mesmo aparentemente súbito, apenas continua e coroa um processo que começou muito, muito tempo antes.
A evolução lembra mais cangurus do que cisnes em um lago. Não deslizamos ao longo das vidas, saltamos de existência em existência, de nível para nível, na escada espiralada da evolução.
O desconforto e o sofrimento nos afetam e entristecem, como entristeceu o próprio rei David do salmo 88, em epígrafe. Mas isto não significa que não possa ser um estímulo e uma oportunidade de melhorarmos nosso foco espiritual privados que estamos das distrações habituais.
Continuemos trabalhando porque eventualmente tudo passará, porque tudo, absolutamente tudo passa.
E não percamos a chance de usarmos este período desconfortável a nosso favor.
Tudo faz parte de nosso próprio processo de desenvolvimento, mesmo que leve nove meses, como em uma gravidez normal.

domingo, 10 de maio de 2020

"MISTICISMO", um texto fundamental



Por Mario Sales


São 10/05/2020. Já estamos no terceiro mês de pandemia e, por causa do isolamento, muitas palestras pela internet se sucedem, tanto individuais como institucionais.
Nesta última classificação a Sociedade Teosófica e a Rosacruz AMORC tem sido bastante atuantes.

Fábio Lopes Soares

Ontem a Loja Rosacruz Guarulhos São Paulo, em associação com a com a Heptada Martinista São Paulo e com a Loja Rosacruz Recife, de Pernambuco, promoveram uma bela atividade cujo título era “Reflexões de um Místico Moderno sobre a Alma”, trabalho do Frater Fábio Lopes Soares, atual mestre da Heptada Martinista São Paulo na sua fala baseou-se em 6 livros que nomeou na introdução, entre eles o livro MISTICISMO, de Evelyn Underhill, publicado pela editora rosacruz francesa, Difusion Rosacruciene. Trata-se de uma obra preciosa, densa, de 792 páginas, fora as da bibliografia. Data de 1911.

Evelyn Underhill

Tenho aqui na biblioteca a edição de maio de 2002, sendo que a primeira edição em língua portuguesa é do ano de 1995.
Por que tantos detalhes? Por que, como lembra o editor no prefácio, embora Evelyn Underhill seja “um dos escritores de misticismo essenciais do século 20, no entanto muito estranhamente ainda é desconhecida pelo grande público”. Esse livro levou 4 anos, diz ele, para ser escrito.
É, portanto, uma obra de fôlego, e, embora eu seja adepto da tese de que erudição não é sinônimo de iluminação, e que grandes escritores não são, necessariamente, por isso, grandes místicos, é claro que registrar em texto sentimentos e valores organiza nossas percepções e as esclarece, de maneira que muitos seres humanos, em todo o planeta, possam talvez se reconhecer nas imagens e reflexões desses autores, e quem sabe, fortalecer suas convicções, emoções e vivências, além de ajustar suas compreensões solitárias e pessoais às desta imensa egrégora de outras almas com as quais dividem afinidades espirituais.

Edmund Husserl

O escritor constrói estradas que facilitam o caminho dos que vêm após ele e quanto mais seu texto for claro e sincero, mais o caminho dos que vem após ele será plano e agradável.
Aprendi, lendo Edmund Husserl, criador da FENOMENOLOGIA, que existem autores profundos, claros ou obscuros, mas que nem todo texto obscuro é necessariamente profundo.
O livro de Evelyn Underhill não é nem obscuro, nem superficial, mas didático como desejaria Comenius, um nobre educador Rosacruz, mais parecido com um inventário grandioso das diversas manifestações literárias de verdadeiros místicos de várias linhas, sem deixar de, graças a este extenso levantamento, propor reflexões fundamentais à vida de cada um de nós, vítimas da picada da mosca violeta.
Comenius

Como exemplo cito seu relato sobre as confissões de Gertrude More, em “Os Exercícios Espirituais”. Lembra Underhill, que esses escritos “…não foram feitos para serem publicados, mas escritos, em sua maioria, nas páginas em branco de seu breviário…”. Gertrude chamava-os “Amor Ordinem Nescit”, ou, em português, “As devoções de uma tola”.

Gertrude More

Falam esses textos, impressos de modo póstumo, em Paris, em 1658, de 2 temas principais: o primeiro, “dar tudo o amor é algo dulcíssimo” e o segundo, “Oh, deixa-me amar ou não me deixeis mais viver”.
Tais textos, diz Underhill, receberam a seguinte análise de Peter Berger: “em essência são a concentração de todas as forças da alma sobre um objeto Supranatural, concebido e amado como uma Pessoa viva.”
“O amor e o desejo”, continua Underhill, “são necessidades fundamentais e, se ausentes, a pessoa mesmo visionária, não pode ser chamada de Mística”. Este é um tema caro aos que trilham a senda do misticismo: o que fazer com as paixões e com os sentimentos.
Daí, conceitos como SUBLIMAÇÃO, CANALIZAÇÃO DA ENERGIA DO CORPO PARA ALMA, ganham destaque naqueles que, estando no corpo, sabem-se espírito; que sendo néscios, tolos, sabem-se parte de uma formidável e indescritível inteligência que dorme oculta em seus interiores.
Reconhecemos o amor e a humildade como duas estratégias para a livre manifestação dessa inteligência transcendental.
Na verdade, amar e entregar-se ao ser amado já são suficientes para realizar essa alquimia já que a humildade é desnecessária nos apaixonados, pois não existe indivíduo verdadeiramente apaixonado que seja arrogante ou vaidoso.
Lembra Underhill que “a atração, o desejo e a união, na qualidade da consecução do desejo, constituem a maneira pela qual a vida trabalha, tanto nas coisas mais elevadas como nas inferiores”.
“A atitude do místico” continua ela “na verdade é igual à do apaixonado já que ele sente a mesma impetuosidade, a mesma devoção desinteressada, exaltada, a mesma combinação de êxtase e humildade. Esse paralelo é mais que uma fantasia, porque tanto um místico como um apaixonado respondem ambos em níveis diferentes ao chamado espírito da vida.”
A obra de Underhill ombreia com a de São João da Cruz e precisa ser objeto de meditação de todos os rosacruzes.


[1] Dame Gertrude More (nascida como Helen More; 25 de março de 1606 - 17 de agosto de 1633) era freira da Congregação Beneditina Inglesa, escritora e fundadora-chefe da Abadia de Stanbrook.
Ela nasceu em Low Leyton, Essex, Inglaterra. Seu pai, Cresacre More, era bisneto de Thomas More; sua mãe, Elizabeth Gage, era irmã de Sir John Gage, 1º baronete de Firle, Sussex, lorde Chamberlain da rainha Mary. Sua mãe morreu em tenra idade e o pai de Helen tornou-se responsável por seus cuidados e educação. Dom Benet Jones, um monge beneditino, incentivou-a a ingressar em sua fundação religiosa projetada, Nossa Senhora do Conforto, em Cambrai. Ela foi a primeira de nove postulantes admitidas na ordem em 31 de dezembro de 1623. Helen More ficou sob a influência de Augustine Baker e recebeu o nome religioso de Gertrude. Catherine Gascoigne, uma de suas colegas, foi escolhida à sua frente como abadessa.

domingo, 3 de maio de 2020

MAGIA E PENSAMENTO MÁGICO


por Mario Sales


MAGIA: arte, ciência ou prática baseada na crença de ser possível influenciar o curso dos acontecimentos e produzir efeitos não naturais, valendo-se da intervenção de seres fantásticos e da manipulação de algum princípio oculto supostamente presente na natureza, seja por meio de fórmulas rituais ou de ações simbólicas.

PENSAMENTO MÁGICO: “Em antropologia, psicologia e ciência cognitiva, pensamento mágico é o termo usado para descrever um raciocínio causal que procura correlações entre ações ou elocuções e determinados eventos. No caso da religião, das crenças populares e da superstição, a correlação proposta é entre a observância a certos rituais e a obtenção de alguma recompensa. Esses rituais incluem, por exemplo, oração, sacrifício, observância a tabus e a repetição ou tergiversação voluntárias de comportamentos considerados auspiciosos ou agourentos. Em psicologia clínica, o pensamento mágico é uma condição que faz com que o paciente experimente medo irracional de realizar certos atos ou ter certos pensamentos, porque ele assume uma relação entre suas ações e calamidades ameaçadoras.”

Dicionário Houaiss, Ed Objetiva


B.F.Skinner

O que é pensamento mágico? O clássico experimento de Skinner é muito esclarecedor acerca de como ele surge e evolui.  Burrhus Frederic Skinner foi um psicólogo e pesquisador americano que deu aulas e Harvard de 1958 a 1974. Ele era especialista em comportamentalismo ou behaviorismo (de behaviour, em inglês, comportamento). Entre seus experimentos existem um particularmente interessante feito com pombos dentro de caixas chamadas “caixas de Skinner”. Os pombos nessas caixas eram recompensados com alimentos de modo completamente aleatório. Skinner deixou-os nestas caixas por algumas horas e quando voltava ao laboratório, encontrava o seguinte cenário: em uma caixa, um pombo limpava o chão com sua cabeça, outro em outra caixa, bicava sucessivamente o canto inferior esquerdo da gaiola, outro por sua vez limpava suas penas embaixo da asa esquerda, outro ficava dando voltas em círculos.
Tudo isso porque nessas condições peculiares tinha acontecido uma recompensa, alimento fornecido pela máquina, e para o pombo, sua atitude, aquilo que ele estava fazendo naquele momento, deveria ter relação com o surgimento do alimento. Repetindo aquele bizarro comportamento ou atitude, ele supunha que mais alimento seria fornecido.
Esse é o pensamento mágico, a associação entre um evento aleatório e determinada ocorrência da qual, conclui a mente supersticiosa, deve ser a causa.



Caixas de Skinner


Ou seja, em uma época de ignorância, as relações entre os eventos, principalmente os climáticos como tempestades, raios, secas, inundações, tendiam a ser explicadas por critérios supersticiosos.
Um trovão rugia. Qual seria a causa? Com certeza o martelo de Thor, deus do travão, brandindo contra uma gigantesca bigorna.
Cocei minha orelha esquerda e um prato caiu ao solo. Na próxima vez tentarei evitar de coçar a orelha esquerda perto dos pratos.
O homem primitivo pensava como os pombos da pesquisa.
Não só o homem primitivo. O ser humano desprovido de discernimento, discernimento este decorrente da educação e do conhecimento, ainda tende a supor estranhas e curiosas relações entre certos procedimentos e acontecimentos os mais variáveis.
Qualquer psicólogo entende isso. O ser humano prisioneiro do senso comum não tolera a ignorância ou o vazio de explicações e não hesita, sem pudor, de “inventar” respostas para perguntas que ele não sabe responder. Esta criatividade maligna, esta capacidade de fantasiar sobre o real, muitas vezes gera angústia e sofrimento aos seus adeptos.
Sentem-se perseguidos por forças maléficas, supõem-se vítimas de magia negra, crêem que alguém possa feri-los à distância, recorrendo a cerimonias obscuras como no caso do Vudu haitiano.
Eu me equivoquei há pouco quando disse que o homem supersticioso o é por falta de educação. Na verdade. 
O homem ou a mulher supersticiosa são submetidos a uma espécie diferente de educação, para tornarem-se, como se tornam, escravo de superstições. É um condicionamento educacional, na sua comunidade de origem, na sua família, ouvindo histórias dos mais velhos, que vão alimentando suas almas impressionáveis de criança com valores e imagens, conceitos e sensações que nunca mais sairão de seus subconscientes.
Nem todo o dinheiro do mundo, aparentemente, pode mudar o que foi plantado fundo no inconsciente. Uma vez condicionado pelo pensamento supersticioso, uma vez tocado pela força do medo que acompanha esse pensamento, esse indivíduo terá receio incontrolável de tudo e de todos, até mesmo de sua própria sombra.
A palavra sombra aqui é muito propícia e fecunda.
Mergulhada em sombras, assim está a mente educada para temer, para recear.
Depois de instalado, esse estado é quase irreversível.
A única possibilidade de evitar essa situação é prevenir-se com a vacina do pensamento científico, orientado pelo método científico e pelo ceticismo metodológico.
“O ceticismo metodológico foi desenvolvido por René Descartes e consiste em duvidar de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes. Segundo Descartes, tudo aquilo que não for completamente evidente e tudo aquilo que já nos tenha enganado no passado não pode ser considerado conhecimento verdadeiro. Por isso, a primeira regra do seu método defendia que nunca devemos "aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal: isto é, 'evitar cuidadosamente a precipitação e o preconceito; não incluir nos nossos juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao nosso espírito que não tivéssemos nenhuma ocasião para o pôr em dúvida'." ("Discurso do Método", Segunda parte).”
Uma vez instalada, a dúvida criada pelo ceticismo metodológico deverá levar a verificação do conceito ou do fato pelo método científico. E o que é o método científico? É a investigação sistemática de um fenômeno na intenção de estabelecer sua veracidade, sua confiabilidade como conhecimento de certeza.



Portanto, ao contrário de pombos ou de pessoas de mentalidade simplória, ao se deparar com um fenômeno, é preciso submeter o real ao crivo da lógica aplicada a ciência. 
Primeiro, contemplar e observar um fenômeno, sem medo, sem temor, mas com curiosidade e interesse genuíno. Depois, formular uma ou duas hipóteses que expliquem esse fenômeno. Em seguida submeter essas hipóteses ao crivo experimental. Observando o resultado da experiência, confirmar ou refutar a hipótese inicialmente considerada. Se refutada, a partir dos resultados experimentais, formular novas hipóteses que serão novamente testadas.
Nada em ciência é estável. Tudo que é verdadeiramente científico pode e deve ser testado, várias e várias vezes, apenas para ter certeza de que os resultados não se modificam nas mãos de pesquisadores diferentes, em diferentes países, e em condições diferentes.
O exemplo mais simples é a gravidade.
A gravidade[1] diz que dois corpos que tenham massa estão submetidos a uma força de atração mútua, diretamente proporcional a suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância.
O que isso quer dizer? Se eu tenho uma laranja na minha mão e a solto no espaço, ela cairá em direção ao solo. Ela cairá todas as vezes que eu a soltar, seja de manhã, de tarde ou de noite, seja aqui ou em Lisboa, em Washington ou em Pequim.
Mudadas as condições e as pessoas, mudando mesmo de país, as laranjas que forem soltas continuarão a cair em direção ao solo, com regularidade, uniformidade, invariavelmente. Este é um fenômeno científico. Ele é verificável pela experimentação e é reprodutível.
Pode e deve ser submetido a verificação, mas os resultados têm sido sempre os mesmos desde 1687 quando o texto em que foi descrito foi publicado. O nome do texto era "Philosophiae Naturalis Principiae Mathematica".


Newton

Embora o método científico tenha provavelmente sua origem no trabalho do cientista Ibn Al - Haytham[2] nos seus estudos sobre ótica, com similaridades com o método de Descartes e o atual, (como a observação e a pesquisa teórica anterior ao fazer do experimento, a separação em categorias e comparar a hipótese de acordo com os resultados), fazendo com que ele fosse considerado por muitos "o primeiro cientista", o método cientifico foi aperfeiçoado e consolidado tanto pela instituição do ceticismo metodológico quanto pela publicação do Principia, no século XVII.


Descartes

E aqui chegamos a um interessante e aparente paradoxo. Tanto o autor do Discurso do Método, o filosofo Renée Descartes, quanto o autor do Principia, o físico inglês Isaac Newton, eram rosacruzes.
Como? Homens de indiscutível pensamento racional, empiristas convictos e construtores do que chamamos de as bases da ciência contemporânea, pertencendo a uma ordem esotérica de práticas obscuras e secretas?
O que poderiam buscar nesta afiliação já que tal escola não era parte do cânone intelectual de suas épocas? Quais seriam as razões para seres de pensamento unirem-se a um grupo de mulheres e homens cujas práticas poderiam ser classificadas de semelhantes aos pombos das caixas de Skinner?


AS DIFERENÇAS ENTRE SUPERSTIÇÃO E PRÁTICA ESOTÉRICA ROSACRUCIANA


A magia, como definida em epígrafe, não é, em verdade, a verdadeira magia. Supor que os rosacruzes pregavam que quaisquer eventos pudessem suceder de modo não natural é descabido e absurdo.
Crer que rosacruzes seriam capazes de não aplicar sistema e método aos seus ensinamentos, ou que falassem de assuntos sem a fundamentação da experiência seria injusto com alquimistas e químicos dos séculos XIV ao XVIII. Ouso mesmo dizer que a magia verdadeira nada tem a ver com suposições e impressões vagas. Uma das coisas mais verdadeiras acerca do rosacrucianismo em todas as épocas é de que ele nunca existiu de modo essencialmente teórico.
A tradição de nossa ordem não foi calcada em ideias sem fundamento ou práticas sem eficácia. Se nos notabilizamos por alguma coisa foi pela busca incessante de técnicas para dar manifestação as energias desconhecidas pela maioria dos seres humanos, pela sua natureza sutil ou por seu aspecto incomum. Por exemplo, o uso de sabão. Em textos secretos era recomendado aos membros da fraternidade antes de se alimentarem ou depois de se dedicarem a tarefas insalubres banhar-se ou lavas as mãos com uma substancia que produzia uma estranha espuma branca chamada “sabão”, que “combateria seres invisíveis capazes de gerar perigosas doenças e debilidades”. Como na época, falar em “seres invisíveis” seria o mesmo de ser acusado de bruxaria, este conhecimento incomum era passado em sigilo e com cuidado.
Da mesma maneira, seriam as práticas alquímicas, provenientes da china e do oriente médio, principalmente dos árabes, as precursoras da química moderna, sendo que o próprio Newton era um alquimista praticante. São, portanto, cientistas rosacruzes que fazem prosperar a Sociedade Real de Ciências, uma das mais nobres instituições científicas de todo o mundo, fundada em 1660. Newton foi seu presidente entre 1703-1727, ano de sua morte. Foi lá que apresentou seus revolucionários estudos sobre Ótica.
Outro pesquisador britânico também pertencente a Ordem Rosacruz, John Dalton, nascido em 1766, foi, além de físico, químico e meteorologista.



Dalton

Foi Dalton o moderno defensor da teoria atômica da matéria, já prevista por Demócrito de Abdera na Grécia antiga, quatro séculos AC.

Democrito de Abdera


Descartes, Newton e Dalton não eram pessoas com cérebro de pombo. Esta já é uma diferença notável.
Ao longo da história da humanidade, vários expoentes da ciência flertaram ou mesmo se casaram com a ordem rosacruz, demonstrando com isso terem vislumbrado em seus ensinamentos algo mais que superstição ou fantasia.
Os rosacruzes contemporâneos são herdeiros destes homens, e, portanto, carregam consigo a responsabilidade de manter a atitude cética e metodológica que eles ensinaram aos seus descendentes e pares científicos.
Dos rosacruzes espera-se que não pensem como pombos ou como pessoas desprovidas de senso crítico e por isso sejam capazes de cumprir o item 16 do código de vida rosacruz que enuncia: “Sê sempre um pensador livre. Reflete por ti mesmo e não penses conforme a opinião dos outros.”
Se algum ensinamento for conseguido através das monografias, testem-no. Jamais acreditem em afirmações sem provas. Experimentem as técnicas apresentadas em suas lições de sanctum, observem se funcionam. Se funcionarem, apliquem-nas novamente para confirmar sua confiabilidade e assim verificar se não funcionaram apenas por uma simples coincidência.
Uma vez que a prática confirme que a técnica é verificável e reprodutível, como a laranja que sempre cai, podemos então ter confiança nesta técnica e passar para a seguinte.
Só assim entenderemos que Magia rosacruz é ciência aplicada, não pensamento mágico, e honraremos nossos antepassados, como Descartes, Newton e Dalton, mostrando que somos dignos de sua herança, e que, o mais importante, não temos cérebros de pombo.


[1] A lei da gravitação universal afirma que, se dois corpos possuem massa, ambos estão submetidos a uma força de atração mútua proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa seus centros de gravidade. Essa lei foi formulada pelo físico inglês Isaac Newton em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicada em 1687, que descreve a Lei da Gravitação Universal e as Leis de Newton — as três leis dos corpos em movimento que assentaram-se como fundamento da mecânica clássica.
[2] Abu Ali al-Hasan Ibn Al-Haitham (em árabe: أبو علي الحسن بن الهيثم), conhecido também pela forma latinizada Alhazen, nasceu no ano 965 em Baçorá, agora Iraque e morreu em 1040 na cidade do Cairo. Físico e matemático persa. Pioneiro da ótica , depois de Ptolomeu. Foi um dos primeiros a explicar o fenômeno dos corpos celestes no horizonte.
Escreveu numerosas obras notáveis, pelo estilo e pelas observações sobre os fenômenos da refração da luz, com especial incidência na refração atmosférica ao nascer e ao pôr do sol.
Em seu Livro de Óptica (em árabe: Kitāb al-Manāẓir (كتاب المناظر)), publicado no início do século XI, propõe uma nova teoria sobre a Visão. Embora diferente do modelo atualmente aceito, essa teoria foi revolucionária para a época em que foi proposta e é vista como um passo importante para a compreensão da visão.